8
outubro / novembro de 2001
A
A entrevista com Alberto Ninio, pro-
cessada através de troca de e-mails, foi
feita em meio aos trágicos acontecimen-
tos do dia 11 de setembro, que afetaram
profundamente a humanidade. Com
muita paciência, atenção e sensibilidade,
porém, este advogado ambientalista, ra-
dicado em Washington, DC, atendeu ao
Ambiente Legal
,
trazendo valiosa contri-
buição para os leitores brasileiros.
O papel do Banco Mundial no proces-
so de financiamento de projetos ambien-
tais, os instrumentos de controle, bem
como os obstáculos que a instituição en-
contra para “aliviar a pobreza mundial”,
são alguns aspectos tratados nesta entre-
vista.
Formado pela Faculdade Nacional de
Direito, no Rio de Janeiro, em 1990, após
alguns anos na prática da advocacia em-
presarial, Alberto Ninio partiu para os
EUA, para cursar Mestrado em Direito
Internacional na American University, em
Washington DC. Entusiasmou-se pelo
Direito Ambiental e, ao fim do curso, es-
tagiou no Environmental Law Institute –
ELI, a mais antiga instituição de direito
ambiental das Américas (fundada em
1969).
Integrou os quadros do ELI e, em
1993,
quando o Banco Mundial decidiu
abrir uma unidade especializada em meio
ambiente, foi convidado a integrá-la. Em
julho de 2000 passou a ocupar o cargo de
Secretário Adjunto do Painel de Inspeção
do Banco Mundial. É professor de Direito
Ambiental na Faculdade de Direito da
American University.
Ambiente Legal -
Qual é o papel do
Painel de Inspeção do Banco Mundial?
Alberto Ninio -
O Painel foi criado em
1993.
É uma espécie de “ombdsman” para
pessoas ou grupos que se sentirem preju-
dicados por projetos do Banco. É compos-
to por três membros externos ao Banco,
que servem por um período não renovável
de cinco anos. A Secretaria processa as
reclamações recebidas e orienta os mem-
bros do painel na interpretação das políti-
cas da instituição. Até o momento recebe-
mos 24 reclamações, sendo quatro do Bra-
sil, e temos três casos pendentes (Projetos
na Índia, Chad e Uganda).
AL -
Como é um advogado brasileiro
trabalhar no Banco Mundial? Atividades,
rotinas, projetos...
Alberto Ninio -
As características do
Banco fazem com que o ambiente de tra-
balho seja multicultural e com uma visão
bastante internacionalizada do mundo.
Obstáculos para aliviar a pobreza mundial.”
Tem sido gratificante acompanhar o Ban-
co nestes quase 10 anos de intensas trans-
formações. Vejo a instituição não apenas
preocupada com a saúde financeira de seus
países membros, mas também com áreas
importantes para o desenvolvimento a lon-
go prazo, como educação, saúde e proteção
ambiental. É frustrante, porém, observar
que diversos fatores, contribuem para
obstaculizar a principal missão da insti-
tuição, que é aliviar a pobreza mundial.
AL -
Quais são esses obstáculos?
Alberto Ninio -
Burocracia, falta de
priorização, corrupção e despreparo insti-
tucional são alguns obstáculos.
AL -
Voltando ao Painel de Inspeção,
explique seu funcionamento e a função
desempenhada pelo senhor.
Alberto Ninio -
Eu sou responsável
pelas reclamações sobre projetos financia-
dos pelo Banco que possam causar dano
social ou ao meio ambiente. No caso do
Chad, por exemplo, que envolve o maior
projeto financiado pelo Banco: um oleodu-
to que vai do Chad ao Camarões, projeto
de 4 bilhões de dólares, as reclamações
envolvem meio ambiente, compensação e
direitos humanos. Tem sido enriquecedor
ter como principais interlocutores as en-
tidades representantes de interesses locais.
Isto tem fortalecido meu convencimento
anterior, que o profissional do direito am-
biental moderno não pode se restringir a
ficar em seu escritório. A ida a campo, o
convívio com profissionais de outras dis-
ciplinas, e principalmente, escutar a po-
pulação atingida, são ingredientes funda-
mentais para nosso trabalho.
AL -
Fale sobre o papel do Banco
Mundial e dos projetos que financia na
área ambiental.
Alberto Ninio
-
Tenho observado um
grande esforço do Banco para incluir me-
didas ambientais em seus projetos, procu-
rando aprender com erros do passado
(
como o da Polonoroeste – projeto de de-
senvolvimento em Rondônia, nos anos 80
e o da represa de Sardar Sarovar, na Ín-
dia). O processamento de todo e qualquer
projeto do Banco, hoje, passa por um cri-
vo ambiental e social. Isso ajuda, mas não
soluciona os dilemas inerentes ao chama-
do “desenvolvimento sustentável”. É
freqüente nos depararmos com problemas
de “custos ambientais e sociais” e “reais
beneficiários” de projetos.
AL -
Explique como funciona o
mecanismo de financiamento do Banco
para os países. Existem financiamentos
para iniciativas privadas?
Alberto Ninio -
O setor a ser benefi-
ciado deve estar contemplado em um do-
cumento de macro-planejamento, prepara-
do pelo Governo que requisita o emprés-
timo, conhecido como “Estratégia de As-
sistência ao País”, que é revisado a cada
três anos. A partir daí, uma missão de iden-
tificação vai ao país e o processo tem iní-
cio, culminando com a aprovação do pro-
jeto no Conselho Diretor do Banco. O tipo
de financiamento pode ser via emprésti-
mo, com repagamento em 15 anos, ou de
forma mais limitada, através de recursos
de doação. Quanto ao setor privado, este
pode obter financiamento do braço priva-
do do Banco, a Corporação Financeira In-
ternacional.
AL -
Frente aos novos temas ambien-
tais, como Modelo de Desenvolvimento
Limpo, Protocolo de Kyoto, Seqüestro de
Carbono, como o Brasil pode obter auxílio
do Banco Mundial?
Alberto Ninio
-
Embora de forma ain-
da lenta, o Banco tem procurado desen-
volver uma linha de projetos voltada para
o desenvolvimento sustentável. Esta linha
engloba projetos de capacitação ambien-
tal, recuperação de áreas degradadas e re-
florestamento. Inclui ainda o novíssimo
Protótipo do Fundo de Carbono. Infor-
mações podem ser obtidas através do site
do Banco –
.
AL -
Como o senhor analisa as
enormes distâncias sociais existentes em
países como o Brasil? E como nosso país
pode se beneficiar de programas do Ban-
co, que incluam na mesma matriz o de-
senvolvimento sustentável e a resolução
dos graves problemas sociais vividos por
milhões de brasileiros?
Alberto Ninio -
Devemos ressaltar
que em nosso país houve alguns pro-
gressos nos últimos dez anos. Cito a am-
pliação da cobertura do ensino primário
e da saúde básica. Existem problemas
sérios na capacidade institucional em
alguns setores, inclusive ambiental.
Acredito que, neste início do século 21,
devemos nos esforçar para sanar estas
graves lacunas. O grande desafio é me-
lhorar a qualidade de nossos serviços e
produtos. Não podemos almejar uma boa
colocação no mercado mundial sem pri-
mar pela qualidade.
O Brasil tem sido parceiro de longa
data nos financiamentos do Banco. O Pro-
grama Piloto para a Conservação das Flo-
restas Tropicais Brasileiras (PPG7) e o
Projeto Nacional do Meio Ambiente são
dignos de destaque.
Alberto Ninio - World Bank