março a maio de 2002
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engenheiro Fernando
Almeida, presidente exe-
cutivo do Conselho Em-
presarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Susten-
tável, está entre as perso-
nalidades brasileiras mais
e n t r e v i s t a
Não podemos depender
apenas da natureza
outros. O gás tem também o pro-
blema da emissão, mas é um sistema
muito mais rápido de ser construído e
pode ser até móvel. A energia hidráuli-
ca só pode ser utilizada onde a natureza
permite. Depois tem a etapa da trans-
missão, inclusive com perda de energia.
Já com o gás a usina é montada no local
ambiental. Muitos afirmam que as uni-
dades termelétricas não foram construí-
das a tempo de fazer frente à crise ener-
gética, porque há uma morosidade na
avaliação dos EIAs/Rimas e na con-
cessão dos licenciamentos ambientais,
com a inclusão de exigências absurdas
que têm inviabilizado os investimentos.
Como o senhor avalia esse aspecto?
FA -
Existem de fato os absurdos, a
burocracia. Existe uma demanda que até
inviabiliza alguns projetos. O que acon-
tece nesses casos é que o Estado, apesar
de ter uma legislação ambiental muito
bem desenvolvida, encontra dificuldades
na aplicação dessas leis. É difícil por
várias razões. Primeiro, tem um Minis-
tério Público questionando os respon-
sáveis pela emissão da licença, com ar-
gumentos muitas vezes absurdos. Há
uma pressão muito grande junto aos téc-
nicos, que se sentem ameaçados ao
tomar determinadas decisões. Um ou-
tro problema é que não há uma cultura
de você dar transparência e trabalhar
com outros atores. Por exemplo: no caso
de uma usina à base de gás, acho que o
Estado poderia perfeitamente contratar
serviços de terceiros. Isso sendo pago
por quem está interessado na licença. Se
você tem uma série de projetos de usi-
nas para resolver, contrata a USP ou a
UFRJ para ajudar a resolver o licencia-
mento. Ou algumas ONGs de credibili-
dade ou alguns consultores com ca-
pacidade técnica reconhecida. Já fiz isso
quando fui presidente da Feema, há mais
de dez anos. Isso vai favorecer o enten-
dimento, a transparência. Mas o Estado
acha que terceirizar a análise - não é ter-
ceirizar a emissão da licença, que é atri-
buição do poder público - representa per-
da de controle e de poder. Acho que é
um equívoco. Ou seja, temos condições
de liberar licenças de forma mais ágil,
envolvendo universidades e ONGs, sem
comprometer a confiabilidade do proje-
to, sempre com a supervisão do Estado.
O
atuantes na organização da delegação
do país para o World Summit on Sus-
tainable Development, a Johannesbur-
go-2002, conferência mundial da ONU
que será realizada de 26 de agosto a 4
de setembro, na África do Sul. Na baga-
gem, leva sua experiência na área de de-
senvolvimento sustentável. Um dos
pontos a ser debatido na conferência da
ONU será a questão da energia. Nesta
entrevista a
Ambiente Legal
ele faz uma
avaliação da matriz energética brasilei-
ra e fala sobre a questão dos licencia-
mentos ambientais.
Ambiente Legal -
Com a crise esta-
belecida nos reservatórios de água fi-
cou claro que o país não pode basear
sua produção em um só modo de
produzir energia, qual sua opinião?
Fernando Almeida -
Na minha
visão, o que acontece com a energia
hidráulica é que ela é limpa sob o ponto
de vista do Protocolo de Quioto, refe-
rente à emissão de gases de efeito estu-
fa. A matriz brasileira é das mais lim-
pas.A barragem tem outras questões que
devem ser consideradas, quando você vê
o impacto ambiental lato-sensu.
Porém, o Brasil precisa ter outras al-
ternativas. As barragens têm prazos de
execução e de início de operação muito
longos. O país realmente parou de in-
vestir nessa área. E hoje não há tempo
pra você colocar a demanda na mesma
velocidade da oferta.
AL -
Sem entrar na questão da culpa
e responsabilidades do passado e olhan-
do para o futuro, como o senhor avalia
o planejamento para a inclusão das ter-
melétricas na matriz do Brasil?
FA -
O planejamento existe. A
questão é de recursos. O gás realmente
vai sujar um pouco a matriz brasileira.
Agora, dentro das outras formas de
energia, quando você pensa olhando o
espectro como um todo, não há solução
milagrosa. Todas têm prós e contras.
Sem dúvida, se as usinas fossem a base
de diesel com alto teor de enxofre, seria
um absurdo. Mas o gás é um tipo de
combustível muito mais limpo que os
Temos condições de
liberar as licenças de
forma mais ágil,
envolvendo
universidades e ONGs.”
Fernando Almeida, presidente do CEBDS
onde precisa. Levar o gás para a usina é
muito mais simples, por duto.
AL -
Investir em energia termelétri-
ca não vai colidir com os preceitos es-
tabelecidos pela Rio-92 e especialmente
com o recente Protocolo de Quioto, tor-
nando o Brasil um país que vai contri-
buir mais para a poluição global? Não
é contraditório com os preceitos da
Produção Mais Limpa?
FA -
As chamadas energias alterna-
tivas - solar, eólica e outras - ainda es-
barram em restrições tecnológicas.
Exemplo: para tocar um sistema de re-
frigeração com sistema de energia solar
o custo é extremamente alto. Além dis-
so, como já disse, a produção de energia
solar ainda esbarra na limitação tec-
nológica que não nos permite imaginar
que amanhã tudo estará em funciona-
mento tendo o sol por matriz. O que
acontece é que o Brasil, diferentemente
dos outros países, não tem um limite de
acordo com o Protocolo de Quioto.
Como a contribuição brasileira na emis-
são de gases de efeito estufa é muito
pequena, nós não temos um teto. Ou
seja, nós podemos aumentar a nossa
emissão, pois, para produzir empregos,
produzir melhora de qualidade de vida,
produzir impostos, é preciso energia. De
alguma forma ela vai ter que vir.
AL -
Voltando à crise de energia. Um
dos calcanhares de Aquiles nesse pro-
cesso todo diz-se que é o licenciamento