N
junho a agosto de 2002
8
esta edição
Ambiente Legal
traz à pauta um dos
temas mais relevantes para a questão ambien-
tal urbana do País. O saneamento básico e o
Projeto de Lei que institui a Política Nacional
de Saneamento estão no foco da entrevista que
fizemos com a advogada Simone Paschoal
Nogueira, especialista emDireito do MeioAm-
Informações e reflexões sobre a
Política Nacional de Saneamento
biente pela Universidade de São Paulo e que também atua
e n t r e v i s t a
mbiente Legal
-
Qual sua opi-
nião sobre o processo de privati-
zação do setor de saneamento
na área do Direito Administrativo, como consultora do
Es-
critório Pinheiro PedroAdvogados.
Ambiente Legal
tam-
bém solicitou a opinião abalizada do jurista e ex-secretário
do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo,
professor livre docente da Faculdade de Direito da USP,
Alaôr Caffé Alves, que esclarece aspectos relativos à titula-
ridade e privatização do setor, sob o crivo da Constituição
Brasileira.
investidores. A concessão de serviço
público pressupõe regras claras e rígi-
das, a serem cumpridas tanto pelo con-
cessionário do serviço, quanto pela Ad-
ministração Pública, o Poder Conce-
dente. Assim, de forma geral, não en-
tendo que o objetivo do lucro neste for-
mato de prestação do serviço seja um
problema. O importante é que exista um
marco regulatório eficiente e uma fis-
calização adequada.
AL -
O Brasil possui exemplos de
privatização e abertura do mercado ao
capital estrangeiro bem sucedidos, como
é o caso da telefonia celular e fixa, mas
também apresenta processos que são
considerados fracassados, como o caso
da privatização do setor energético.
Enfim, o que fazer com o setor de sa-
neamento para que o País produza mais
um exemplo positivo de privatização e
abertura do mercado?
Simone Nogueira -
Concordo que
o setor de telecomunicações teve pro-
gressos marcados pela abertura do mer-
cado. Penso que este é um ótimo exem-
plo para ilustrar minha opinião favoráv-
el à privatização do setor de saneamen-
to. No entanto, é bom que se diga que o
processo de abertura do mercado
deve ser precedido pela
edição de normas de regu-
lamentação muito bem
elaboradas e estruturadas,
para que não ocorram en-
traves jurídicos e políti-
cos que inviabilizem sua
concretização. Aliás,
foi isso que ocorreu
no primeiro proces-
so de privatização
de uma companhia
estadual de trata-
mento e abasteci-
mento de água
do Brasil, o da
Companhia Estadual de Água e Esgoto
CEDAE, no Rio de Janeiro. O proces-
so foi interrompido com a discussão so-
bre sua constitucionalidade.
AL -
Que outros aspectos relevantes a
senhora observa no Projeto de Lei que ins-
titui a Política Nacional de Saneamento?
Simone Nogueira -
Conforme men-
cionei antes, temo que a regulação do
setor seja elaborada de forma imprecisa
e que isso acarrete incerteza jurídica para
os investidores privados. O Projeto de
Lei n.º 4147, da Política Nacional de
Saneamento, contém um vício jurídico
grave de inconstitucionalidade. É aque-
le dispositivo que atribui a titularidade
para prestação dos serviços, distribuin-
do a competência material entre os entes
da federação. Isso porque o parágrafo
único do artigo 23 da Constituição de-
termina que a distribuição de competên-
cias entre os entes da federação, em uma
situação de competência material co-
mum, deve ser realizada por meio de lei
complementar e não por lei ordinária.
AL -
O Projeto de Lei possui ou-
tros aspectos positivos?
Simone Nogueira -
Sim, reconheço
que o Projeto de Lei é um avanço para o
saneamento no Brasil, principalmente
no que diz respeito a seus aspectos so-
ciais e à melhoria da saúde pública. Vale
mencionar, entre os pontos relevantes,
o da universalização dos serviços como
princípio fundamental; o capítulo espe-
cífico para regulamentação e fiscaliza-
ção por parte dos órgãos do Poder Públi-
co dos serviços também é muito impor-
tante, bem como aqueles que tratam das
questões relativas às leis autorizativas
das concessões de serviço público. Outro
destaque é para o artigo que viabiliza o
corte de fornecimento de água de usuá-
rios inadimplentes, que soluciona um
problema freqüente das prestadoras do
serviço de abastecimento de água.
A
brasileiro? O saneamento é um negócio
como outro qualquer, ou reveste-se de
caráter social suficiente para justificar
esforços de investimentos governamen-
tais e gestão pública, não cabendo a in-
terveniência do setor privado no assun-
to? Como a senhora analisa a questão?
Simone Nogueira -
Eu particular-
mente acredito na privatização como
solução para a prestação dos serviços
públicos na atual realidade do país. Para
prestação adequada dos serviços de sa-
neamento básico e limpeza pública, são
necessários elevados investimentos e
tecnologias avançadas de engenharia
sanitária, o que é inviável no atual mo-
delo, na medida em que aAdministração
Pública não possui recursos suficientes
para solução do problema. Não há dúvi-
da que, ideologicamente, esses serviços
deveriam ser prestados de forma efi-
ciente pelo Poder Público.
AL -
Aqueles que não concordam
com a privatização do setor afirmam
que seria retirá-lo das mãos de um
monopólio, o Estatal, para entregá-lo a
outro, o das grandes corporações inter-
nacionais do setor, oferecendo ao capi-
tal estrangeiro um filão de lucro certo
e sem limites. Como a senhora vê a
questão?
Simone Nogueira -
A obtenção
de lucro por parte das concessio-
nárias de serviços públicos é con-
seqüência inevitável do modelo
alternativo e necessário ao
qual me referi. É impossível
retirar este ônus do Poder
Público e buscar a realização
de pesados investimentos da
iniciativa privada, sem que
em contrapartida haja
benefício financeiro para os
Dra. Simone Paschoal Nogueira
Acredito na privatização do setor