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setembro a novembro de 2002
E
mbora a questão ambiental
não tenha merecido de ne-
nhum dos candidatos à
Presidência da República a
atenção e cuidados necessá-
rios, existe uma agenda am-
biental que vai se impor ao
a r t i g o
Agenda de Compromissos
Antonio Fernando Pinheiro Pedro
é advogado especialista em Direito Ambiental, diretor da ABAA - Associação Brasileira dos Advogados
Ambientalistas, Professor de Direito Ambiental e membro do Partido Verde de São Paullo.
próximo presidente, seja ele quem for,
devido à urgência no enfrentamento de
assuntos cruciais para o País.
Temas como a sobreposição de li-
cenças ambientais nos diversos níveis de
governo; a simplificação do licencia-
mento ambiental de obras estratégicas
como as de infra-estrutu-
ra energética; a efetiva
implementação do SI-
VAM, para promover a
urgente vigilância e fis-
calização daAmazônia; a
implementação do geren-
ciamento hídrico no País;
o gerenciamento costeiro
e a reestruturação das ins-
tituições de controle am-
biental, nos moldes de
agências reguladoras, são
alguns dos itens dessa
pauta que não podem
mais ser subestimados.
Abaixo estão detalhadas providên-
cias que devem ser tomadas pelos no-
vos governantes, a partir do próximo dia
1
º de janeiro de 2003, sob pena de com-
prometer o andamento de todas as ou-
tras políticas públicas setoriais.
Agências ambientais
-
é ur-
gente abandonar o modelo de coman-
do e controle adotado para as empre-
sas ambientais estatais, a partir da déca-
da de setenta. O IBAMA deve ser to-
talmente reformulado e transformado
em uma Agência Ambiental reguladora
moderna, nos moldes do que tem sido
adotado para os setores de telefonia e
de energia, entre outros. A fiscalização
deve ser efetivamente transferida para
os Estados, recebendo o suporte do
IBAMA, por meio de uma força con-
centrada de intervenção rápida e pon-
tual apenas para os casos de flagrante
crime ambiental e de acidentes am-
bientais. O licenciamento ambiental, por
sua vez, deve ser ordenado por meio de
listas positivas”, com o estabelecimento
claro da instância de governo
responsável pela concessão das licenças,
com a segurança de que o licenciamen-
to ambiental será conferido apenas por
uma única instância de poder.
Recursos Hídricos
-
é igual-
mente prioritário e urgente criar, nos
moldes em que está estruturada a ANA
Agência Nacional das Águas, as uni-
dades de planejamento e gestão regio-
nal dos recursos hídricos, de forma que
os Comitês de Bacias recebam suporte
técnico necessário visando uma gestão
mais técnica dos recursos hídricos, com
a minimização dos interesses políticos
normalmente presentes nos colegiados
dos Comitês de Bacias.
SIVAM
-
a implementação da vigi-
lância da Amazônia é
igualmente urgente e
necessária. Não há mais
como negar que existe
uma interface clara en-
tre os crimes ambientais
e o tráfico de armas, dro-
gas, mulheres e crianças,
tráfico de madeira e de
outras riquezas naturais,
configuradas na biopira-
taria. O segredo para o
funcionamento do SI-
VAM está na capacidade
de articular o controle
territorial e o tráfego
aéreo, com a ação de uma força de in-
tervenção armada. O rápido fluxo de
informações de interesse setorial colhi-
do por esse sistema de rastreamento e a
sua disponibilização para a Polícia Fe-
deral ou para o IBAMA, são meios efi-
cazes para proteger de fato a Amazônia.
Terminais intermodais
-
os
inúmeros impactos negativos gerados
pelo tráfego de 10 milhões de passagei-
ros/ano no aeroporto de Congonhas,
situação que se repete em outros impor-
tantes aeroportos do Estado e do País,
ou pelos terminais de cargas de aeropor-
tos como o de Guarulhos, dão a im-
pressão de que estamos inseridos em um
imenso funil, com vias sucateadas por
uma demanda excessiva. Isso demonstra
a necessidade de uma reformulação do
sistema de transportes, com a adoção de
uma conduta que leve à desconcentração
e ao desenvolvimento de terminais de
cargas intermodais, que abranjam a dis-
tribuição de cargas por meio de
hidrovias, ferrovias e rodovias, e em al-
guns casos até por transporte teleférico,
cujo impacto em áreas de preservação é
bem menor. Projetos dessa magnitude
não podem, porém, ficar reféns de ideo-
logias ou outros interesses na pauta do
licenciamento ambiental.
Turismo
-
o turismo é a indústria
que mais cresce na Europa e nos Esta-
dos Unidos. O Brasil, que possui um po-
tencial enorme e vocação para esse tipo
de indústria, não pode, porém, conti-
nuar refém de uma política ambiental
com viés preservacionista que chega às
raias do “talebanismo”. Para que o capi-
tal privado tenha segurança para investir
em estruturas destinadas ao desenvolvi-
mento do turismo, como marinas e
hotéis, que podem conviver plenamente
com a preservação ambiental, é preciso
que o novo governo enfrente essa situa-
ção com coragem e competência. Não
custa lembrar que o preço pago pela
obstacularização de empreendimentos
turísticos tem sido a ocupação irregular
de áreas protegidas e todos temos ciên-
cia dos problemas que essa ocupação
acarreta, tais como a efetiva destruição
de ecossistemas inteiros.
Gerenciamento costeiro
-
Este também é outro item da agenda am-
biental que o próximo governo não
pode adiar. A adoção de medidas con-
cretas e eficazes contra a poluição do
nosso rico e extenso litoral, bem como
o estabelecimento de políticas para a
ocupação planejada da faixa con-
tinental, são medidas urgentes e
inadiáveis. A invasão de favelas e palafi-
tas nas áreas de mangues, além de
produzir situação deprimente para as
populações que ali habitam, compro-
mete a matriz da vida do oceano, des-
truindo espécies e comprometendo a ca-
deia do ciclo da vida parida neste tipo
de ecossistema.
Enfim, estes são alguns dos pontos
fundamentais para a agenda do futuro
Presidente da República, para os novos
governadores e, é claro, para as autori-
dades locais onde estes fenômenos e
problemas todos ocorrem. Uma agenda
que precisa ser enfrentada com coragem,
competência, vontade política e, sobre-
tudo, compromisso com a vida das pre-
sentes e futuras gerações de brasileiros
e demais seres vivos. Como ambien-
talista e militante profissional da área,
vejo com pessimismo o cumprimento
desta agenda. Porém, cabe a cada um
de nós agir para alcançar os melhores
resultados. Este é o compromisso que
exige-se da cidadania.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Foto: Luiz Cláudio Barbosa