O projeto é liderado pelo Programa de Investimento Florestal (FIP), do Fundo de Investimento do Clima (CIF) administrado pelo Banco Mundial e executado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.
Três mulheres líderes de povos indígenas e comunidades tradicionais estão unindo forças para manter viva a história de seus povos. Com o apoio do projeto Mecanismo de Doação Dedicado a Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (DGM), a cacique Anália Tuxá, a quebradeira de coco-babaçu Maria do Socorro Lima e a quilombola Lucely Pio têm mobilizado suas comunidades para, juntas, realizarem o sonho de terem suas terras protegidas e tradições preservadas.
O projeto é liderado pelo Programa de Investimento Florestal (FIP), do Fundo de Investimento do Clima (CIF) administrado pelo Banco Mundial e executado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.
Em comum, as três mulheres têm o respeito pelo Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul. É dele que tiram seu sustento: Maria do Socorro do coco-babaçu, Anália e Lucely das plantas medicinais. Por esse motivo, a gestão sustentável e a regularização fundiária de seus territórios são prioridades para as três.
“Nosso objetivo é deixar o Cerrado de pé, ensinar as pessoas a respeitarem a natureza e até a ganharem dinheiro com ele. Mas sempre com o Cerrado de pé”, afirma Lucely, de 54 anos.
A liderança aconteceu naturalmente. Integrante do povo Tuxá, uma comunidade formada por 440 indígenas baseada em Minas Gerais, Anália, de 54 anos, foi escolhida cacique seguindo os rituais de seu povo. O feito incomum de certa forma reflete a realidade Tuxá. “A maioria de nossa população é formada por mulheres”, conta.
Famosa pela bravura, Anália liderou seu povo na ofensiva para assegurar os 6,5 mil hectares onde os Tuxá vivem há dois anos. “Perdemos nosso território tradicional devido à construção da Barragem de Itaparica, na Bahia. Fomos divididos em seis aldeias, quatro na Bahia, uma em Pernambuco e nós em Minas Gerais”, lembra a cacique. “Mas meu pai sempre nos avisou que um dia a encantaria nos mostraria onde estava nossa nova terra”.
Em Minas Gerais, Anália pôde dar continuidade aos hábitos dos Tuxá. “A cultura indígena é espiritual. Acreditamos em Tupã e nos quatro elementos da natureza”, explica a cacique. “Cultivamos as plantas medicinais e produzimos o anjucá, nossa bebida sagrada da cura e da Mãe Terra, que tomamos durante os rituais”.
Conhecimento protegido
A terra é fonte de cura também para a comunidade quilombola do Cedro, liderada por Lucely, de 54 anos, baseada no município de Mineiros, em Goiás. Ex-professora municipal, ela foi alçada à liderança por incentivo da Pastoral da Criança.
“Eu já era catequista e professora”, lembra Lucely. “A pastoral nos incentiva a trabalhar com plantas medicinais. Começamos a fazer reuniões na minha casa e a liderança veio de modo natural. As pessoas foram chegando e acabamos criando a Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado”.
Presente em seis estados — Minas Gerais, Goiás, Maranhão, Tocantins, Bahia e Mato Grosso — a articulação tem como objetivo fortalecer o conhecimento de plantas medicinais. “Queremos fazer isso tanto com relação ao manejo como também na identificação das espécies”, explica Lucely, cujo conhecimento foi herdado de sua avó, benzedeira e parteira quilombola.
Para preservar e disseminar esse conhecimento, Lucely criou o Centro de Plantas Medicinais, em Mineiros, que conta com laboratório próprio. “No centro, fazemos workshops sobre plantas medicinais do Cerrado”, diz a quilombola. “Também criei um horto e equipei o centro”.
Protagonismo natural
Moradora do assentamento tradicional do município de Praia Norte, no Tocantins, Maria do Socorro completa o trio. Aos 66 anos, ela é uma líder incansável, acumulando uma série de cargos, entre os quais, a coordenadoria financeira nacional do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e a presidência nacional da Rede Cerrado.
Seu protagonismo é nato. “Os jovens sempre se juntavam na minha casa para ver televisão”, lembra Socorro. “Eu comecei a conversar com eles e criei um movimento jovem. Logo, fui convidada para ser catequista e formei também um clube de mães. Então, trabalhava com os jovens, as mães e as crianças na catequese”.
A visita de um agente da Comissão da Pastoral da Terra (CPT) foi o empurrãozinho que faltava para que Socorro ampliasse sua atuação pela comunidade. “Quando ele me conheceu, disse: essa é a mulher ideal para o que precisamos”, lembra, com orgulho. Socorro foi levada ao Primeiro Grito da Terra Brasil, em Palmas. Lá, encontrou trabalhadores rurais analfabetos. “Eram pessoas muito carentes. Eu, que tinha conhecimento, não tinha como negar ajuda”.
A luta das quebradeiras necessitava de fato de uma liderança forte. “Do coco, se tira a amêndoa, o azeite, faz-se sabão, carvão”, explica Socorro. “Tudo de babaçu tem mercado, dá dinheiro. Por isso, existe essa briga pela posse do território”.
Para garantir a proteção das palmeiras fundamentais para o sustento das quebradeiras de coco, Socorro organizou as trabalhadoras, que hoje chegam a 400 mil divididas em quatro estados. “Criamos a Associação de Mulheres Quebradeiras de Coco do Tocantins, mas até isso era difícil. Nenhum cartório queria registrar, pois afirmavam que quebradeira de coco não era profissão”, lembra.
Para resolver a questão, ela trocou o nome para Associação de Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio. Hoje, a associação está presente em 12 municípios do Tocantins, com 23 núcleos. O trabalho de cada um deles gera, em média, a renda mensal de um salário mínimo, divididos entre os integrantes.
A formação desse poderoso trio trouxe ainda mais força à causa. “Não nos separamos na base, nem aqui porque defendemos as categorias tradicionais. Estamos todos juntos”, afirma Socorro. “Esse é o bem que o mal trouxe. A abertura desse grande diálogo. Entendemos que separados não vamos chegar a lugar nenhum. Juntos, venceremos”.
Fonte: ONU Brasil