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Já não é de agora que o País está
necessitado de um ordenamento legal
que discipline de forma abrangente a
questão dos
resíduos
,
não só um grave
problema ambiental, mas também
forte indutor de novos negócios, ad-
vindos da prática do recolhimento,
seleção, reciclagem, tratamento e dis-
posição final, além dos serviços de
consultoria e incremento de tecnolo-
gia e fabrico de equipamentos.
O Projeto de Lei da Política Na-
cional de Resíduos Sólidos, cuja rela-
toria está a cargo do Deputado Fede-
ral por São Paulo, Emerson Kapaz, e
encontra-se em fase de consulta públi-
ca e debate, vem suprir essa carência
e indica que muita coisa vai mudar
quando transformado em lei, ou seja,
quando começar a produzir efeitos.
Aspectos relacionados à aplicação
do princípio do poluidor-pagador,
como a internalização dos custos am-
bientais, o consumo sustentável, a
responsabilidade compartilhada do
gerador de embalagens e de produtos
como eletrodomésticos, eletroeletrôni-
cos, autopeças e toda sorte de baterias
e pilhas, com a destinação final pós-
consumo demonstram o gigantismo da
empreitada a ser enfrentada pela nova
legislação, mas servem também para
informar sobre o potencial de negó-
cios que se encontram submersos sob
as pilhas de lixo geradas diariamente.
Alguns aspectos do texto, que está
sendo submetido ao crivo da sociedade
para ser aperfeiçoado, chamam a
atenção:
Indústria de Embalagens –
ao
obrigar a racionalização do uso e até
mesmo incentivar a reutilização de
Indústria automotiva -
terá que
enfrentar, por exemplo, a questão do
novo ferramental necessário para
produção de peças recambiáveis e ins-
tituir definitivamente a reciclagem de
peças e materiais;
Indústria eletroeletrônica -
igual-
mente terá que repensar a questão do
descartes dos produtos de informáti-
ca, o que poderá levar o setor a tratar
da questão da responsabilidade social
corporativa de outro modo, promo-
vendo a reciclagem dos componentes
defasados para reuso pela população
mais carente, por exemplo;
riores. Assim ocorre também com a
Legislação Ambiental brasileira, que
igualmente contempla referências so-
bre responsabilidades inerentes ao pós-
consumo dos produtos.
O texto da futura Lei da Política
Nacional de Resíduos, no entanto, ao
referir-se aos fabricantes de aparelhos
eletroeletrônicos, eletrodomésticos,
baterias, pilhas, acumuladores de ener-
gia, bem como de lâmpadas, inova e
torna responsáveis pelos resíduos
aqueles que os fabricaram, mesmo
após o consumo, obrigando-os à cole-
ta, tratamento e destinação adequada.
Nada que já não exista em países como
a Alemanha, por exemplo.
Mas, nesse ponto, observo que o
texto do PL carece de melhor esclare-
cimento. Do jeito que está, a respon-
sabilidade aludida pode ser estendida
até para produtos há muito tempo
comercializados e ainda não descarta-
dos. Exemplo disso é o ascarel conti-
do nos transformadores de energia,
cujo descarte é oneroso e requer cuida-
dos técnicos para sua destruição, que
não estão sendo assumidos por aque-
les que “consumiram” os transforma-
dores e os mantêm estocados, com to-
dos os riscos inerentes. Assim, segun-
do o PL, as indústrias fabricantes dos
transformadores poderão assumir os
altíssimos custos de recolha e dis-
posição final dos produtos contamina-
dos com o ascarel.
Semquerer promover o terrorismo,
é preciso dizer, porém, que, diante do
conflito temporal de leis, é certo que
prevalece o disposto na Constituição
Federal, combinada com a Lei de In-
trodução doCódigoCivil, que esclarece
que a “Lei Nova” não pode prejudicar
um ato jurídico perfeito, ou seja, a co-
mercialização de um produto só rea-
lizada sob a égide das leis civis e co-
merciais. Porém, a permanecer obscuro
nesse ponto, o PL ensejará dúvidas, po-
dendo dar asas a “batalhas judiciais”, o
que não é desejável para umprojeto que
pretende por ordem na gestão dos resí-
duos. Nesse ponto, pior que o resíduo
sólido, será o resíduo jurídico!
7
outubro / novembro de 2001
Reflexões sobre a futura Lei da
Política Nacional de Resíduos
Antônio Fernando Pinheiro Pedro
Antônio Fernando Pinheiro Pedro é advogado especialista em Direito Ambien-
tal, diretor da ABAA - Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas,
Professor de Direito Ambiental e membro do Partido Verde de São Paullo.
Foto: Luiz Cláudio Barbosa
embalagens, im-
porá mudanças
s i gn i fi ca t ivas
nesse braço pro-
dutivo, que pas-
sará a contar com
um passivo a ser
gerenciado;
Indústria de mecânicos e eletro-
domésticos -
terá, principalmente, que
dar conta de produtos tóxicos, como
óleos e PCBs, integrantes de motores,
e capacitores, problema, aliás, que afe-
ta segmentos que fornecem transforma-
dores para a distribuição de eletricidade.
É especialmente sobre a questão da
responsabilidade que vou me deter,
trazendo à reflexão pontos que julgo
importantes para o debate do texto da
futura lei, com vistas ao seu aper-
feiçoamento.
Os Códigos Civil e Comercial
brasileiros regem a matéria sobre a
responsabilidade pelo destino de um
produto, transferindo-a para aquele
que adquire o referido bem. Assim, os
riscos” inerentes a uma mercadoria
são também adquiridos por quem os
compra, que deve cuidar, ainda, da sua
disposição final após o consumo.
O Código de Defesa do Consumi-
dor, por sua vez, instituiu a respon-
sabilidade dos produtores e fornece-
dores, com referência aos efeitos am-
bientais de seus produtos. Essa respon-
sabilidade, no entanto, era enunciati-
va. Não há, no CDC ,dispositivo que
contrarie as normas dos códigos ante-
Uma lei nova não
pode prejudicar um ato
jurídico perfeito.