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2
junho de 2001
De alguns anos para cá foi adotado
no Brasil o conceito de gestão dos Re-
cursos Hídricos por Bacias Hidrográfi-
cas. Defendido como a alternativa mais
viável para a administração responsá-
vel do bem precioso, tornou-se lei. O
modelo que inspirou a lei brasileira a
adotar o sistema gerencial por unidade
hidrográfica é o adotado na França.
É a partir desse ponto que propo-
nho algumas reflexões a propósito do
sistema, pois são totalmente diversas as
características das Bacias Hidrográfi-
cas nos dois países. As diferenças
começam já nos aspectos físicos e
ecológicos que envolvem esses corpos
d’água formados por nascentes, riachos
e rios. Isso influi no volume e caracterís-
ticas dos rios, bemcomo na diversidade
biológica que temos por aqui e não en-
contramos no País europeu.
As diferenças também são signifi-
cativas quanto aos usos da água, moti-
vo maior deste artigo. Sim, porque fa-
tor importante, inspirador da recente
legislação entre nós, está na pretendida
cobrança pelo uso econômico das águas
por parte das indústrias, fazendas e
outras unidades produtivas.
Não restam dúvidas de que a ta-
xação para os grandes consumidores já
chega entre nós com algumas décadas
de atraso. Auspiciosa também é a notí-
cia de que o governador Mário Covas,
recentemente morto, propôs que a re-
gulamentação para a cobrança do uso
da água seja produzida no âmbito do
legislativo paulista e não por um De-
creto do Executivo, que mesmo com os
luminares técnicos pode padecer de ví-
cios e sofrer os protestos daqueles que
serão instados a cumprir a nova legis-
Reflexões a respeito
da Gestão dos Recursos Hídricos
lação. Menos mau, portanto, que a re-
gulamentação ocorra no âmbito da casa
do povo. Belo exemplo esse!
Contudo, é na essência do que apre-
sento no início deste texto que reside o
problema. O modelo pretendido para
nossas bacias não pode ser apenas usur-
pado, perdoem o termo forte, de outra
realidade hídrica, ecológica e de usos e
costumes de povos tão díspares.
Veja que o modelo de gestão já está
um tanto viciado, apesar de seu pouco
tempo de existência. É neste momen-
to, emque estão se dando as discussões
para a regulamentação, que devemos
buscar inspiração em outros modelos
e principalmente respeitar as realidades
de nosso País, para encontrar o melhor
modelo de gestão desse bem tão im-
portante.
Explico o termo “viciado” enun-
ciado acima. Não é difícil observar
nas reuniões dos Comitês de Bacias ori-
ginados da legislação que estabeleceu
o modelo de gestão e as políticas de ge-
renciamento dos Recursos Hídricos, a
cantilena mendicatória de ONGs, que
buscam recursos para execução de
projetos nem sempre bem formulados
e de fato necessários à vitalidade da ba-
cia hidrográfica em questão.
Fatores como as poluições difusas
produzidas ao longo de cursos hidro-
gráficos, que migram de uma bacia
para outra, impõem reflexão séria e
não permitem uma visão autóctone do
problema.
Bacias Hidrográficas compresença
emmais de uma unidade da Federação
e até em outros países, como são os ca-
sos das Bacias do Rio Paraná, que faz
suas águas chegar à vizinha Argentina,
bemcomo oAqüíferoGuarani, que tem
suas fronteiras espraiadas pelo sub solo
do Brasil e do Paraguai, também
demonstram que o modelo de gestão
por bacia requer cuidados e reflexões.
Para não dizer que não proponho
nada além da crítica ao modelo, desta-
co que os sistemas de gestão dos recur-
sos hídricos adotados pelo Canadá e
pelos EUAdevem ser referenciados nas
discussões que estão por vir, tanto na
Assembléia Legislativa de São Paulo,
quanto em outras unidades da Fede-
ração que também devem regulamen-
tar o uso dos Recursos Hídricos emseus
territórios.
O que não dá mais é ficar espe-
rando. Todos os dias verificamos nos
noticiários episódios críticos de polui-
ção hídrica, informações preocupantes
sobre carência de água em determina-
das bacias e a conseqüente importação
de outras para suprir a demanda. Neste
exato momento, estamos às voltas com
notícias de racionamento de energia no
sudeste do País. Faço referência a esse
assunto apenas para lembrar que nos-
sa matriz energética está grandemente
suportada pela geração hidroelétrica.
Com a carência de chuvas nas áreas
certas, é um problema a mais para ser
considerado no contexto da regu-
lamentação do sistema de gestão dos
Recursos Hídricos Brasileiros, cuja
característica principal é de serem em
grande parte interligados, caudalosos,
intensos. Ora poluídos, ora límpidos
quando se afastam dos centros
urbanos. Discutir, discutir, discutir
para encontrar o melhor caminho é im-
perioso.
Antônio Fernando Pinheiro Pedro é advogado especialista em Direito Ambiental, diretor da ABAA -
Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas e membro do Partido Verde de São Paullo •
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