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dez. 2001 / janeiro / fevereiro de 2002
A
Lei 6938/81, conhecida
como
Lei da Política Na-
cional do Meio Ambiente,
é daquelas legislações que
vieram para ficar. Foi uma
lei fundamental para in-
trodução do gerenciamen-
a r t i g o
Uma lei fundamental
bientais de São
Paulo, Rio de
Janeiro e Minas
Gerais, espe-
c i a l m e n t e .
Nesse sentido,
merece menção
especial a figu-
ra do ambien-
talista Paulo
Nogueira Neto,
que capitaneou
Antônio Fernando Pinheiro Pedro é advogado especialista em Direito Ambiental, diretor da ABAA - Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas,
Professor de Direito Ambiental e membro do Partido Verde de São Paullo.
to ambiental em nosso País. Até então
existia um conjunto de leis Federais e
Estaduais, esparsas, que tratavam iso-
ladamente de temas como as florestas
e recursos hídricos, ou davam suporte
ao surgimento de estruturas voltadas
para o controle das fontes de poluição,
em especial nas chamadas zonas
críticas.
Não havia, portanto, uma visão
sistêmica, nem existiam princípios,
objetivos e instrumentos que formali-
zassem uma Política Pública voltada
para a melhoria da qualidade ambien-
tal no Brasil.
É bom que se diga que essa estru-
tura de “Política Pública” é baseada
em princípios de orientação ideológi-
ca definida; objetivos abrangentes que
interferem em vários outros setores da
economia e administração do Estado;
e instrumentos cuja aplicação exige
participação comunitária, bem como
concurso muldisciplinar. Na verdade,
essa técnica legislativa é informada
pelo que chamamos de “Direito de Ter-
ceira Geração”, ou “Terceira Onda”,
denominado tutela dos “Interesses
Difusos”.
Esse direito moderno foi introdu-
zido no Brasil há vinte anos, com a
edição da Lei de Política Nacional do
Meio Ambiente. Ela é precursora da
democratização do Brasil, visto que
introduziu o germe da descentraliza-
ção em um ambiente regulatório cen-
tralizado, hierarquizado e dominado
pela visão unilateral e autoritária da
tecnocracia da Ditadura Militar.
Os instrumentos democráticos da
Lei não se coadunavam com a prática
burocrática implantada nas poucas
agências ambientais existentes, que
então tinhampoucomais de cinco anos
de existência. A lei foi fruto do traba-
lho insano de articulação de alguns ilu-
minados, incrustados nos órgãos do
governo Federal e nas agências am-
Foto: Luiz Cláudio Barbosa
o processo e foi o primeiro Secretário
Nacional de Meio Ambiente da
história da República do Brasil.
Mas, no entanto, é necessário es-
tabelecer uma reengenharia na apli-
cação do instrumental da Lei, pois que
o espelho constitucional no qual ela
se refletia mudou drasticamente após
a edição da Nova Carta Constitucio-
nal de 1988.
Senão vejamos:
O SISNAMA – Sistema Nacional
de Meio Ambiente, implantado pela
Lei 6938, estabelecia no seu topo or-
ganismos de controle federal, centra-
lizados, que permitiam a atuação sub-
sidiária de órgãos seccionais dos Es-
tados.Aos municípios, principais entes
federados de nosso território, não es-
tavam reservados papéis na gestão am-
biental, pelo menos explicitamente, e
a legislação formada à época limitava
a atribuição de controle à União e aos
Estados.
Com o advento da Constituição de
88,
estabeleceu-se a verdadeira auto-
nomia municipal e a equiparação dos
municípios aos Estados e à União,
como unidades da Federação.
Formando um único conjunto ar-
ticulado, a estrutura hierarquizada e de
competências subsidiarizadas da
PNMA necessita de revisão. Isso,
porém, não quer dizer que o Sisnama
tenha se tornado inconstitucional.Ape-
nas que a aplicação desse instrumen-
to legal exige que ele se apresente não
mais hierarquizado, mas sim articu-
lado horizontalmente, impondo-se o
respeito absoluto à gestão municipal
quando esta unidade federativa re-
solve, acertadamente, assumir o con-
trole ambiental de todo o seu território,
Antônio Fernando Pinheiro Pedro
como corolário de sua vetusta juris-
dição sobre o uso do solo urbano.
Assim, por exemplo, toda e
qualquer referência legal constante na
Lei da PNMA que direcionava com-
petência de licenciamento para a
União e Estados, deve abranger tam-
bém a competência dos municípios em
obediência ao que dispõe a Constitui-
ção Federal, quando estabelece ser
competência comum de todos os entes
federados proteger o meio ambiente.
Essa modificação radical da estru-
tura federativa que, na verdade, repre-
senta o resgate do controle territorial
pelo município após um hiato de 100
anos em 500 de história, posto que a
redução da competência municipal ao
que lhe era de interesse “peculiar” foi
invenção dos governos republicanos
de 1891 até 1969, ainda não foi assi-
milada pelas nossas Agências Am-
bientais e muito menos pelos seus di-
rigentes e funcionários, que protegem
a “caixa preta” da fiscalização am-
biental como se fossem cidadelas me-
dievais, prestes a serem invadidas pe-
las hordas municipalistas que lhe as-
saltam as muralhas burocráticas.
Mas também não é menos verdade
que contribui para amanutenção do sta-
tus quo, o complexo de inferioridade
que contamina milhares de nossas
prefeituras, em todo o Brasil, temero-
sas de serem “emancipadas” e com isso
perderem as benesses do paternalismo
dos governos Estaduais e Federal.
É hora, pois, dos municípios as-
sumirem as suas responsabilidades
constitucionais e os Estados deixarem
de interferir no controle ambiental de
interesse local. O licenciamento am-
biental, bem como os instrumentos de
fiscalização merecem um Sisnama re-
vigorado e fincado com suas raízes no
sólido terreno da gestão municipal.
Isso tudo, porém, não diminui,
pelo contrário, reforça o mérito da lei
6938,
uma Lei que ousou contradizer
os poderosos de então e continua
produzindomudanças significativas na
sociedade brasileira. Lei que teve o
mérito de dar à questão ambiental di-
mensão merecida frente às questões
econômicas, sociais e políticas.