setembro a novembro de 2002
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ara contribuir com o esclareci-
mento de aspectos relativos ao
Novo Código Civil, “Ambiente
“O Social nem sempre está bem
traduzido no Novo Código”
guarda qualquer relação com a
definição legal.
AL –
No campo dos contratos,
qual sua avaliação sobre o novo Có-
digo? Em que ele inova e quais são
os aspectos que vão criar proble-
mas?
Scavone Jr. –
São alterações
ideológicas. O novo Código Civil
rompe com os pendores individualis-
tas da Revolução Francesa, que foram
inseridos no código de 1916. Pode-
mos verificar a boa fé como princípio
agora expresso e a função social do
contrato como expressão dessa nova
realidade, que espelha o Estado Social
de Direito. Mas nem tudo é bom. A
parte referente aos juros no contrato
de mútuo, por exemplo, a par da limi-
tação do art. 591, há profunda atecnia
na fixação dos juros legais, que agora
passam a ser aqueles cobrados pela
Secretaria da Fazenda nos débitos de
impostos. Ocorre que essa taxa é a
SELIC, sobre a qual recai discussão
acalorada. É que o Código Tributário
Nacional, materialmente complemen-
tar, estabelece juros de 1% e a taxa
SELIC, instituída por leis ordinárias,
representa mais que isso. Logo, pelo
menos em tese, a taxa SELIC não
poderá ser aplicada e a taxa conti-
nuará sendo de 1%. No âmbito da
cláusula penal, agora o Juiz deverá
(
não é mais uma faculdade), reduzi-
la, sempre que for excessiva ou no caso
de cumprimento parcial de uma
obrigação. Enfim, são inúmeras alte-
rações que procuraram, nem sempre
com êxito, traduzir uma ideologia
social.
P
Legal” fez a seguinte entrevista com o
Dr. LuizAntonio Scavone Júnior, pro-
fessor de Direito Civil nos cursos de
graduação e pós graduação das Facul-
dades Metropolitanas Unidas e do cur-
so de bacharéis da OAB/SP. Antonio
Scavone Júnior é bacharel em Admi-
nistração de Empresas pela Univer-
sidade Mackenzie, Bacharel em
Direito pela Universidade Ibirapuera
e Mestre em Direito das Relações So-
ciais, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Ambiente Legal –
Existem aque-
les que afirmam que o Novo Código
Ci-vil Brasileiro, em muitos aspectos,
já nasceu velho, perdeu a opor-
tunidade da modernidade. E que isso
teria ocorrido pela falta de um debate
amplo com os operadores do direito e
com a sociedade civil brasileira. Qual
sua opinião sobre esse assunto?
Antonio Scavone Júnior
-
Enten-
do que isso realmente ocorreu.Amaior
prova disso é a existência de um Pro-
jeto de Lei que tenciona alterar inú-
meros artigos do novo Código Civil.
Se a discussão tivesse sido feita, não
haveria necessidade de mudanças. Na
verdade, trata-se de uma norma de ex-
trema importância na vida das pessoas,
de tal sorte que mereceria melhor trata-
mento. Veja só um exemplo. No
capítulo referente à comistão, vetusto
instituto do direito das coisas, alguém,
inadvertidamente, “corrigiu” o nome
do instituto para “comissão”, que não
AL –
Explique dispositivos como
a “posse trabalho” e a “desapro-
priação privada”. São bons esses dis-
positivos ou vão causar inúmeras de-
mandas no judiciário?
Scavone Jr. –
De fato agora
temos o instituto da posse trabalho,
que permite àqueles que aplicam a
função social, adjudicar o bem. Trata-
se de expropriação privada que, mais
uma vez, espelha a tendência social do
novo Código.
AL –
O novo Código perdeu a
oportunidade de inovar? Comente
onde e em que outros aspectos isso é
flagrante.
Scavone Jr. –
Entendo que sim.
Muita coisa falhou: contratos eletrôni-
cos e bioética são apenas alguns
exemplos.A parte do direito societário,
salvo melhor juízo, é extremamente
confusa, estipulando sociedade sim-
ples e empresária sem traçar clara-
mente os limites. Certamente, pode-
ria ser melhor.
em que o Código foi produzido. Ele
destaca três princípios que considera
fundamentais para o novo Código. A
eticidade, princípio que procura superar
o apego ao formalismo jurídico do atual
código, fruto das influências recebidas
à época em que começou a ser elabora-
do, ainda no século XIX. A socialidade,
que é um objetivo constante do novo
Código, no sentido de superar o caráter
individualista da Lei vigente, feita para
um país eminentemente agrícola e que
agora tem 80%de sua população viven-
do nas cidades. A operabilidade, segun-
do o jurista, também foi uma decisão
muito importante, tomada no sentido de
estabelecer soluções normativas para
facilitar sua interpretação e aplicação
pelo operador do Direito.
O Relator Final do Código na Câ-
mara dos Deputados, deputado Ricardo
Fiuza, também louva as inovações in-
troduzidas pelo novo Código. Diz ele:
Já na Parte Geral, nos deparamos com
uma questão damais alta relevância, que
terá reflexo em toda a sociedade civil.
Trata-se da maioridade civil que era
atingida aos 21epassa a ser aos 18anos”.
NoDireito de Família, isto se reflete, por
exemplo, na dispensa da autorização dos
pais para o casamento após esta idade.
Aliás, neste capítulo, o Novo Código
procura assegurar a completa igualdade
entre os cônjuges, chegando, inclusive,
a substituir a expressão “pátrio poder”
pela expressão “poder familiar” a ser
exercido igualmente pela mulher e pelo
marido. E mais, define a união estável
como um instituto intermediário entre o
concubinato e o casamento, avançando,
inclusive, em relação à Lei atual (9.278/
96),
pois permite a união estável do se-
parado de fato. Permite a mudança do
regime de bens após o casamento, des-
de que não haja prejuízo a terceiros. E,
em relação à filiação, acaba com a
Scavone Júnior:
“Poderia ser melhor”.