setembro a novembro de 2002
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da Internet, a descoberta do genoma e
a fertilização ‘in vitro’, por exemplo, o
professor Miguel Reale diz que a na-
tureza específica de um Código, “não
pode abranger as contínuas inovações
sociais, mas tão-somente as dotadas de
certa maturação e da devida “massa
crítica”, ou aquelas que já tenham sido
objeto de lei. E diz mais: “A experiên-
cia jurídica, como tudo que surge e se
desenvolve no mundo histórico, está
sujeita a imprevistas alterações que
exigem desde logo a atenção do legis-
lador, não no sistema de um código,
mas sim graças a leis especiais, sobre-
tudo quando estão envolvidas tanto
questões de Direito, quanto de ciência
médica, de engenharia genética, etc.,
exigindo medidas prudentes de caráter
administrativo tal como se dá, por
exemplo, no caso da fecundação ‘in-
vitro’. Em todos os países desenvolvi-
dos, tais fatos são disciplinados
por uma legislação autônoma e
específica”.
No que tange à Internet, Miguel
Reale não vê porque este seria motivo
para uma alteração do Código Civil.
Os negócios jurídicos concluídos por
intermédio dela não deixam de ser
negócios jurídicos regidos pelas normas
do Código Civil, inclusive no que se
refere aos contratos de adesão. A Inter-
net atua apenas como novo meio e ins-
trumento de intercâmbio e acordo de
vontades, não interferindo na substân-
cia das disposições legais quanto aos
direitos e deveres dos contratantes”.
A doutora Luciane Helena Vieira,
que trabalha no contencioso cível do
escritório Pinheiro Pedro Advogados,
não concorda inteiramente com esse
ponto de vista. Ela diz que, de fato, o
Código Civil não tem como prever to-
dos os avanços tecnológicos que estão
por vir e seria utópico pretender esgo-
tar a matéria, mas pode e deve esta-
belecer pelos menos as diretrizes gerais
a respeito do assunto, para que os ope-
radores de direito em geral tenham ao
menos um norte, para, a partir dele, re-
solver as questões que se apresentam
hoje e certamente se apresentarão no
futuro. Além do mais, para a advoga-
da, há assuntos que, independentemente
de serem aceitos ou não pela unanimi-
dade, se apresentam como fenômeno
social que não pode ser ignorado e o
novo Código Civil acabou perdendo
uma grande oportunidade para regulá-
los. A doutora Luciane cita como
exemplo a possibilidade de reconhecer
a existência de união estável entre pes-
soas do mesmo sexo: “O novo Código
Civil admite apenas a união estável
entre um homem e uma mulher, dei-
xando, assim, sem solução legal ade-
quada aqueles milhares de litígios que
há muito batem à porta do Judiciário,
esperando uma solução que os veja
muito mais que como sócios de uma
sociedade comercial, mas como um
ente familiar. A existência de famílias
formadas por dois homens ou duas mu-
lheres é um fato dos dias de hoje, que
tende a se acentuar, e o novo Código
Civil preferiu simplesmente ignorar tal
realidade”.
Quanto ao longo período em que o
projeto tramitou peloCongressoNacio-
nal, o professor Miguel Reale também
não concorda que este seja um motivo
para considerá-lo desatualizado. De
fato, foram cinco legislaturas, duas das
quais em tramitação na Câmara, duas
em revisão no Senado e mais uma na
Câmara. Nos diversos artigos que pu-
blicou sobre o assunto, o professor Rea-
le sempre explica que, durante todo esse
tempo, ocorreram incessantes atualiza-
ções, tanto na Câmara dos Deputados,
onde cerca de 1.200 emendas foramob-
jeto da atenção dos relatores, assim
como no Senado Federal, com mais de
400
emendas.
Para os que considera saudosistas
do Código de 1916, Miguel Reale teste-
munha o esforço da Comissão Reviso-
ra e responsável pela Elaboração doCó-
digo Civil, no sentido de preservar, “o
mais possível”, a legislação vigente.
Verificada a inviabilidade desse
propósito, não somente em razão do
obsoletismo de muitas de suas dis-
posições, mas também porque, em se
tratando de umordenamento sistemáti-
co, a mudança em uma parte logo re-
percute sobre outros pontos do proje-
to, não foi possível deixar de prevale-
cer a tese da sua elaboração. Finalmente
para aqueles que afirmam que a época
das codificações acabou, a resposta a
isso pode ser encontrada nas palavras
do deputado Ricardo Fiuza, relator fi-
nal do novo Código, que revela que a
tendência à codificação do Direito,
fundada nas sólidas compilações do
Direito Romano, foi retomada no iní-
cio do século XIX com a codificação
francesa do período Napoleônico
(1889),
seguida por países como a Suíça
e a Alemanha (1900). Entre nós o as-
sunto ganhou novo impulso após a
Constituição de 1934, coma edição dos
Códigos de Minas, Águas, Menores,
Florestal, Ar e a própria Consolidação
das Leis do Trabalho.
O fato de o País ter editado uma
nova Constituição Federal, em 1988,
contribuiu para o retardamento da fi-
nalização do novo Código Civil, como
também obrigou uma revisão do proje-
to que então tramitava no Congresso
Nacional, principalmente no capítulo
dedicado à família, assunto que rece-
beu enormes modificações na nova
Constituição Brasileira.
Responsável pelo Relatório Final
do Novo Código Civil, o deputado
Ricardo Fiuza destaca o enorme tra-
balho que foi a revisão e atualização
do novo Código à luz da Constituição
de 88. Na sua avaliação, o Novo Códi-
go nasce atualizado, perfeitamente
adaptado à reali-dade atual e compati-
bilizado com toda a legislação extrava-
gante editada durante o período de sua
tramitação.
Em artigo publicado no site Intel-
ligentia Juridica, o deputado federal e
relator Ricardo Fiuza avalia que o
novo código é um dispositivo legal
para o 3º Milênio. E, o mais impor-
tante, sua elaboração veio provocar
uma “reavaliação das normas inciden-
tes sobre a vida privada, liberando a
sociedade brasileira do engessamento
e do exagerado positivismo a que es-
tava submetida, sob o império de um
monumento legislativo, sem dúvida
grandioso à época de sua elaboração,
porém, já alquebrado pelo tempo e
retalhado pelas diversas e sucessivas
leis esparsas que revogaram dispositi-
vos do velho código, sem se incorpo-
rarem a ele, transformando-o em ver-
dadeira colcha de retalhos”.
INOVAÇÕES DO NOVO CÓDIGO
Sãomuitas as inovações que oNovo
Código Civil, “a constituição do
homem comum”, apresentará para a
vida do brasileiro. Miguel Reale desta-
ca o “caráter coletivo” que o projeto foi
assumindo ao longo das três décadas
Inovações
do novo código
Luciane: “Fenômenos sociais ignorados”.