ambiente legal
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região de Campina Grande. Por ser uma cidade de
maior porte, ela precisaria de um cuidado especial.
Mas para esse caso concreto de Campina Grande
existem outras alternativas que não justificam a
transposição. E se realmente for comprovado que
é necessário um duto do Rio São Francisco para
Campina Grande, que se faça essa tomada d’água
específica. Só que não é necessária toda uma trans-
posição de água. É bom lembrar que o Rio São
Francisco já abastece a cidade de Aracajú, abastece
praticamente todas as cidades ribeirinhas.
Comecei a greve de fome no dia 26 de setem-
bro de 2005, e o primeiro grande apoio que recebi
foi dos meus irmãos bispos. A Conferência Nacio-
nal dos Bispos do Brasil, CNBB, como um todo,
me deu muito apoio e assistência, e seu próprio
presidente, que é muito meu amigo, acompanhou
tudo de perto. Como exceção, algumas vozes da
própria CNBB andaram na contramão. Os bispos
estiveram sempre do meu lado, mas, preocupa-
dos com minha vida, alertavam para que estives-
se pronto e aberto ao diálogo. Eu sempre estive
aberto ao diálogo. Dizia a eles que tenho muito
amor à minha vida, muitos projetos a serem reali-
zados. A vida é o que me resta de mais precioso. O
que procurava fazer era doá-la por amor ao povo e
ao Rio São Francisco. Doar minha vida por uma
causa. Fazer com que ela se transformasse em um
instrumento de vida, não de morte.
Por isso, fiquei triste quando algumas vozes
interpretaram esse gesto altruísta como suicídio.
Meu Deus, era exatamente o contrário de tudo
o que eu estava fazendo. No Evangelho de João,
capítulo X, ele fala da doutrina do Bom Pastor.
O Bom Pastor é aquele que, se for preciso, dá a
vida pelo seu rebanho. Isso não é suicídio, é doa-
ção de vida, algo muito diferente. Minha atitude
era sincera. Se fosse preciso, eu dava a vida, não
estava fazendo jogo de cena. Mas eu tinha certe-
za absoluta, minha fé me dizia, de que não seria
necessário chegar a esse ponto. Quando o núncio
apostólico me abordou sobre o assunto, eu lhe
disse que, afinal, somos um país de pessoas inte-
ligentes e temos condições de sentar numa mesa
e discutir o que queremos, o que pensamos. Eu
tinha certeza absoluta.
Não gosto da expressão greve de fome. Gosto
muito mais, como fala o Evangelho, de jejum e
oração. Entretanto, na minha declaração inicial,
tive que usar uma estratégia que realmente cha-
masse a atenção das autoridades e as sensibilizasse
diante da gravidade do problema. Usei greve de
fome, palavras muito fortes, porque de um modo
geral todos entendem o que significa e eu tinha
um objetivo a alcançar. Se usasse palavras mais
brandas, elas não teriam o efeito desejado. A par-
tir de então, só falei em oração e jejum. Porque
Jesus diz no Evangelho que, quando os inimigos
forem muito fortes, somente a força da oração de
Jesus para fazer frente a eles.
Em 6 de outubro, o ministro Jacques Wag-
ner chegou como portador de uma segunda carta
do presidente, que novamente não aceitei, por-
que não atendia à suspensão do atual projeto de
transposição das águas do Rio São Francisco. Ele
respondeu que estava ali para resolver o proble-
ma. Depois de cinco horas de negociação, conse-
guimos um documento comum, que suspende a
transposição até que seja feito um amplo debate
nacional. Esse acordo está sendo respeitado.
Elaborei um pré-documento que aproxima-
damente cinqüenta especialistas da comunidade
científica, das universidades, analisaram. Dividido
em duas partes, primeiro ele explica por que somos
contra o atual projeto de transposição e, depois, o
que oferecemos como contrapartida, como alter-
nativa dentro de um projeto baseado no desenvol-
vimento sustentável para o semi-árido brasileiro,
privilegiando os mais pobres. A previsão é de que
o texto final fique pronto emmeados de dezembro
de 2005. A partir de então, deverei apresentar esse
documento oficial ao presidente, acompanhado
de alguns especialistas, numa visita de trabalho,
não apenas formal, de cortesia. A idéia é divulgá-
lo também amplamente pela imprensa.
Esperamos uma resposta inteligente e um ato
de grandeza do governo brasileiro, especialmente
por parte do presidente Lula. Que ele entenda que
não sou eu quem está dizendo, mas que grande
parte da nação, através da minha voz, está mos-
trando o caminho que nós, como cidadãos brasi-
leiros, queremos. Que esse projeto é uma impo-
sição política do governo e não é aceito, mas que
nós queremos colaborar com nosso país e com o
governo dele. Que ele tenha esse gesto de grande-
za de saber entender nossas propostas, nossa co-
laboração. Que não interprete como um posicio-
namento político contrário à pessoa e ao governo
dele. Porque, afinal de contas, o que está em jogo é
o destino do povo do Nordeste brasileiro.
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Dom Frei Cappio é bispo diocesano de Barra, Bahia