ambiente legal
Um n o v o o l h a r - 2
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A polêmica
transposição do
Rio São Francisco
Dom Frei Luiz Flavio Cappio, autor deste
artigo, fez greve de fome contra o atual
projeto de transposição. Diz que é preciso
desmistificar a idéia que ele seria a redenção
do povo que vive no semi-árido brasileiro.
Afirma,ainda,queaalternativaestá dentro
de um projeto baseado no desenvolvimento
sustentável que privilegie os mais pobres.
Por Dom Frei Luiz Flavio Cappio *
É
preciso deixar claro que nossa luta não é
contra a transposição em si, mas contra o atual
projeto de transposição, por dois motivos. O Rio
São Francisco está depauperado, num processo de
morte e, antes de mais nada, precisa ser revitaliza-
do. Em segundo lugar, o endereço das águas dessa
transposição não é o povo carente do semi-árido,
Agência Brasil
mas o agro e o hidronegócio, como a plantação
de frutas para serem exportadas e a produção de
camarão. Se o projeto de transposição ocorresse
dentro de um quadro de rio vivo, ótimo, maravi-
lhoso, e se o povo estivesse bem coberto em suas
necessidades de água, não haveria problemas. A
água do Rio São Francisco poderia se prestar para
multiusos. Mas o atual projeto beneficia alguns
privilegiados, em detrimento do povo.
Há muito tempo, em todo o eixo Petrolina–Ju-
azeiro, as águas estão se prestando à plantação de
frutas para exportação. Isso poderia ser uma fonte
de emprego, mas infelizmente não é, porque boa
parte dos empregos oferecidos é subumana. Os
problemas sociais são muito grandes. Utilização
do trabalho de menores, pessoas mal remuneradas
que manejam venenos e agrotóxicos sem a devida
proteção. A maneira como essas frutas são produ-
zidas gera problemas sociais incríveis. A região de
Juazeiro e Petrolina, que é vista pela mídia como
a redenção do Nordeste, é uma ficção. Isso não é
verdade. Novamente, beneficia uma meia dúzia,
o povo mesmo está sofrendo as conseqüências de
um projeto que é muito danoso.
A transposição do Rio São Francisco vai repe-
tir, em outras regiões, o mesmo modelo de onde
o rio passa naturalmente, e que já é conhecido. É
um filme a que todos já assistiram. No projeto de
transposição não se prevê a distribuição de águas,
mas sim o acúmulo da água em açudes. Então,
ter água não significa que o povo esteja com seus
problemas resolvidos. O povo continua sem água,
da mesma maneira. É preciso mostrar a realidade.
Desmistificar a idéia, alimentada pela falsa pro-
paganda, de que o projeto de transposição vai be-
neficiar 12 milhões de pessoas, como costumam
dizer o presidente Lula e Ciro Gomes. O povo da
região vê no projeto a sua redenção. Mas isso não
é verdade, a água não vai ser distribuída. Se eles
realmente quisessem beneficiar os pobres, benefi-
ciariam antes os que moram nos locais onde o rio
passa naturalmente.
A partir dos próprios números oficiais, um dos
mais conceituados hidrólogos do Nordeste – o pro-
fessor da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, João Abner – comprovou que em todos os
estados para os quais o projeto prevê a transposição
das águas do Rio São Francisco existe água neces-
sária e suficiente para o abastecimento do povo. Só
que ela não está sendo aproveitada como deveria.
O único lugar que precisa ser visto com atenção é a