Revista Ambiente Legal
entanto, por todos esses fatores,
e pela necessidade de alinhar
nossa conformação político-
territorial com o modelo repu-
blicano norte-americano que
o inspirara, ocasionou sensível
involução na autonomia dos
municípios brasileiros, retiran-
do-lhes capacidade de gerir a
justiça, o poder de polícia terri-
torial, o controle sanitário, bem
como limitando a ação das câ-
maras municipais na sua gestão.
Assim foi que as Constitui-
ções da República asseguraram
autonomia aos municípios,
conferindo-lhes, no entanto,
competência “peculiar”. Trans-
feriu-se aos estados federados
a iniciativa de legislar sobre a
estrutura orgânica municipal,
inspiração “importada” e pouco
afeta à nossa tradição municipa-
lista, que então beirava o quarto
centenário...
As constituições que se se-
guiram ao Decreto n. 1 da Re-
pública e à Carta Republicana
de 1891 trataram da autonomia
municipal de forma a, sutil e
progressivamente, suprimir-lhe
horizontes, embora a resguar-
dando no que tange à adminis-
tração própria sobre o que de-
nominaram “peculiar interesse”,
senão vejamos:
A Constituição de 1891, no
seu art. 68, rezava que “Os Es-
tados organizar-se-ão de forma
que fique assegurada a autono-
mia dos Municípios, em tudo
quanto respeite ao seu peculiar
interesse”.
A Constituição de 1934, no
art. 13, dispunha que “Os mu-
nicípios serão organizados de
forma que lhes fique assegurada
autonomia em tudo quanto res-
peite ao seu peculiar interesse,
especialmente (...)”.
Da mesma forma, a Consti-
tuição de 1937, art. 26, reafir-
mava que “Os Municípios serão
organizados de forma a ser-lhes
assegurada autonomia em tudo
quanto respeite ao seu peculiar
interesse, e especialmente (...)”.
A Constituição de 1946,
talvez por ter sido formulada
de maneira mais democrática
que as anteriores, desvinculou a
peculiaridade” do conceito de
autonomia. No entanto, con-
dicionou “ao peculiar interesse”
a forma de administração dos
municípios (art. 28).
Mutatis mutandi, o resulta-
do foi a mantença de municí-
pios desfigurados em relação à
tradição e cultura tetracentená-
rias que possuíam.
O mesmo fez a Constituição
de 1967, emendada e “remen-
dada” mais de duas dezenas de
vezes em um período de gover-
nos militares, ao estabelecer no
seu artigo 15 que “A autonomia
municipal será assegurada (...)
pela administração própria, no
que respeite ao seu peculiar in-
teresse”.
O regime constitucional do
período militar reforçou, ainda,
a cangalha aposta sobre os om-
bros dos municípios, impondo
o regime de lei orgânica unitária
e complementar, conferindo aos
estados o estabelecimento dos
critérios da organização munici-
pal (art.14).
Esse sistema, a pretexto de
consolidar o princípio da auto-
nomia municipal, na verdade o
violava, vez que os municípios
não legislavam organicamente
em seu favor, cabendo à União e
aos Estados fazê-lo, impedindo,
assim, que essas unidades basi-
lares da federação brasileira se
autodeterminassem.
Com o fim do regime mi-
litar, e o restabelecimento da
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O advento da
Constituição de 1988
pôs fim ao então
já quase secular
dilema dicotômico
federativo. A Carta
dispôs os municípios,
expressamente,
como unidades que
compõem a República
Federativa do Brasil,
indissoluvelmente
unidos aos estados
e ao Distrito Federal,
par e passo com
esses entes, todos
autônomos, o que
jamais havia ocorrido
nos diplomas
anteriores.