Revista Ambiente Legal
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Constituição excluiu a capacidade legislativa sobre ma-
téria ambiental, não tem força para instituir um siste-
ma de licenciamento ambiental próprio, que substitua
a licença prevista na legislação federal. Apenas pode
legislar sobre matéria de
interesse local
,
embora, em
cumprimento deste mister, possa suplementar a legisla-
ção federal e estadual.
O professor Raul Machado Horta, emérito cons-
titucionalista mineiro, ao analisar o tema “
Município e
Meio Ambiente
”,
com felicidade expõe a questão da com-
petência municipal de legislar sobre meio ambiente:
Não obstante o relevo que a Constituição da República
conferiu ao meio ambiente, tornando-o objeto de atividade
legislativa federal e estadual e matéria destacada no Capí-
tulo VI, Da Ordem Social (Título VIII), a Constituição
Federal não atribuiu, explicitamente ao Município a in-
dispensável competência para legislar sobre meio ambiente.
A pesquisa do texto constitucional revela que a Constituição
deixou de inserir a legislação direta e autônoma sobre o
meio ambiente na competência do
Município. O art. 30 da Consti-
tuição da República, que é a sede de
competência legislativa do Municí-
pio, não emprega a locução, como o
fez em relação à União e ao Estado,
de modo a autorizar a legislação
material correspondente. É certo que
a Constituição mantém e preserva a
autonomia legislativa do Município.
A questão, entretanto, não se coloca
no plano da autonomia legislativa,
que é irrecusável. O que se assinala
é a inexistência da competência mu-
nicipal explícita para legislar sobre meio ambiente. É o
Município competente para “legislar sobre assuntos de inte-
resse local e suplementar a legislação federal e estadual, no
que couber” (Constituição da República, art. 30, I e II).
Não sendo a legislação sobre o meio ambiente ma-
téria deferida explicita e diretamente ao Município, ao
contrário do que ocorreu com a União e os Estados,
que receberam da Constituição a competência explícita
e direta para legislar sobre meio ambiente, a conseqüên-
cia que se extrai da diversidade de tratamento é que, no
caso do Município, a legislação sobre meio ambiente, se
houver, deverá configurar assunto de interesse local ou
decorrer da residual suplementação da legislação federal
e estadual no que couber. Os dois pressupostos aqui
admitidos, a configuração de interesse local e a secun-
dária suplementação da legislação federal e estadual —
para abrigar eventual legislação municipal sobre o meio
ambiente, recomendam cautela por parte do legislador
local no seu exercício. (
Estudos de Direito Constitucional
,
Del Rey, 1995, p. 314)
O artigo 30, I, da Lei Maior estabelece a principal
competência legislativa municipal, qual seja: “
legislar
sobre assuntos de interesse local”
.
Essa expressão, “
interesse
local
”,
é a chave para a interpretação da legislação mu-
nicipal e para dirimir aparentes conflitos entre a legisla-
ção municipal e a federal e estadual, principalmente no
que respeita à legislação de controle ambiental.
Na verdade, o legislador federal foi sábio. Não atri-
buiu essa competência ao Município porque dela ele
não necessita. O Município tem competência para
regrar o uso do solo em seu terri-
tório. Assim, emite suas licenças
edilícias, que são indispensáveis
para a localização, construção,
instalação, ampliação e funcio-
namento de qualquer empreen-
dimento (mesmo uma simples
obra de reforma) em seu terri-
tório. Portanto, nada impede
que o Município estabeleça pa-
râmetros ambientais para a ou-
torga dessas licenças. O próprio
dispositivo federal, que criou o
licenciamento ambiental, deixa
claro que tais licenças são imprescindíveis ao determi-
nar que a licença ambiental é exigível “
sem prejuízo de
outras licenças exigíveis
”,
como são as edilícias.
Verifica-se, assim, que o Município não necessita de
estabelecer um licenciamento ambiental paralelo ao do
Estado para defender o meio ambiente em seu territó-
rio, que é uma obrigação constitucional. As próprias
licenças municipais são mais que suficientes. Depen-
de apenas da legislação municipal, que pode — e deve
inscrever em seu texto parâmetros de controle e pro-
teção ao meio ambiente local.
Para cumprir seu poder-
dever constitucional, basta
que o Município aperfeiçoe
sua legislação particular,
nela imprimindo a variável
ambiental, como é de
sua estrita competência
constitucional.
Daniel Lopez/SXC