Revista Ambiente Legal
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Por conseguinte, se os Municípios têm meios e mo-
dos de cumprir sua obrigação constitucional de “
prote-
ger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas
e “
preservar as florestas, a fauna e a flora
”,
a
qual lhe é imposta pelo mesmo dispositivo que estabe-
lece suas capacidades administrativas em comum com a
União, os Estados e o Distrito Federal, parece claro que
não lhes carece apelar para uma competência que não
lhe foi outorgada. Insistir nesse caminho apenas levará
às discussões judiciais, que não beneficiam ninguém, e
muito menos o meio ambiente.
O Estado-membro, cuja competência para estabe-
lecimento de regras para o uso do solo está constitucio-
nalmente limitada, é que necessitava desse instrumento
para cumprir a mesma missão. Por este motivo é que ela
lhe foi outorgada pela legislação.
Mesmo anterior à Constituição Federal de 1988, a
Lei da Política Nacional doMeio Ambiente, emmatéria
de alargar as competências estaduais e municipais, lhe
foi precursora. Editada na vigência da Emenda Consti-
tucional n° 1/69, que tinha a União como única capaz
de legislar sobre quase toda matéria de proteção ao meio
ambiente, restando aos Estados apenas legislar concor-
rentemente sobre saúde pública e produção e consumo,
realisticamente essa Lei, na prática, ampliou, pela des-
centralização das ações, a capacidade de intervenção dos
Estados. O constituinte, reconhecendo a importância
dessa descentralização, é que elevou os postulados e
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente
ao nível constitucional, evitando e calando as inúmeras
objeções que então serviam de instrumento para o po-
luidor e degradador eximir-se das obrigações impostas
pelas leis estaduais.
A Lei n° 6.938/81, ao contrário do comum das
normas editadas naqueles “anos de chumbo”, que pro-
curavam centralizar em Brasília todas as ações e deci-
sões, é eminentemente descentralizadora das ações de
preservação e conservação ambiental. De forma surpre-
endente e até “subversiva”, transferiu para o âmbito dos
Estados e Municípios praticamente toda a ação execu-
tiva da Política Nacional do Meio Ambiente, inclusive
a fiscalizadora de seus ditames. Diz, por exemplo., o §
1
° do art. 11: “
A fiscalização e o controle da aplicação de
critérios, normas e padrões de qualidade ambiental serão
exercidos pelo IBAMA,
em caráter supletivo
da atua-
ção do órgão estadual ou municipal competente
”.
Daí, porém, não se pode tirar a ilação que os ór-
gãos municipais, embora integrantes do SISNAMA,
possam expedir as licenças ambientais de que trata a
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que outor-
ga essa competência expressamente ao órgão estadual
competente e, supletivamente ao IBAMA, dentre todos
os integrantes do SISNAMA.
Como o licenciamento municipal não seria sufi-
ciente para dar cumprimento ao artigo 10 da Lei n°
6.938/81,
que exige expressamente licença expedida
pelo órgão estadual competente, ou pelo IBAMA em
caráter supletivo ou originário nos casos de seu pará-
grafo 4°, o estabelecimento de licença municipal repre-
sentaria, para inúmeras atividades, um duplo e inútil li-
cenciamento ambiental. As próprias obras municipais
estariam submissas a esse crivo dobrado, não podendo o
Município isentá-las do licenciamento estadual.
Assim, não me parece ser a criação de uma licen-
ça ambiental municipal o melhor caminho para dar
cumprimento à sua missão constitucional de proteger
e conservar o meio ambiente local. Ao contrário. Para
cumprir seu poder-dever constitucional, basta que o
Município aperfeiçoe sua legislação particular, nela im-
primindo a variável ambiental, como é de sua estrita
competência constitucional.
Isto, entretanto, não significa que o Município este-
ja proibido de estabelecer, à luz de seu interesse particu-
lar, uma espécie de licença ambiental, como crivo para
emissão de licenças edilícias. Evidentemente que pode,
entretanto, necessita editar uma legislação própria, de
nível municipal, para regular a emissão dessa “licença”.
Mas esse alvará não tem o condão de substituir a licen-
ça ambiental emitida na forma do artigo 10 da Lei nº
6.938/81,
que continua a ser obrigatória.
um novo olhar
*
Antonio Inagê de Assis Oliveira é advogado e consultor em
direito ambiental. É presidente da ABAA -
Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas. Membro da
International Association for Impact Assessment (IAIA), tendo
sido presidente da Seção Brasileira no biênio 1993/95. É
membro do Conselho Editorial da Revista Ambiente Legal.
John evans/SCX