dez. 2001 / janeiro / fevereiro de 2002
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Carlos Celso de Amaral
e Silva
professor titular e chefe do
Departamento de Saúde Ambiental
da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo.
Na linha das reminiscências, Carlos
Celso vai um pouco mais longe na
história para referenciar o surgimento da
Lei 6938. Entre 1979 e 80 diz que estava
envolvido com o desenvolvimento do
conhecido “
Macrozoneamento doVale
do Paraíba
”,
trabalho que envolvia téc-
nicos e instituições governamentais, uni-
versidades e empresas dos Estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Pela primeira vez na história do País a
variável ambiental ganhava estatus de
prioridade em detrimento de outras
variáveis. Não tenho receio de afirmar
que a base técnica ambiental desse tra-
balho influenciou decisivamente na ela-
boração da Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente”, diz Carlos Celso, in-
formando que na época esse corpo técni-
co mantinha estreito contato com o dou-
tor Paulo Nogueira Neto.
Como outra conseqüência positiva,
surgiram também os instrumentos de im-
plementação dessa política: a Ava-
liação de Impactos Ambientais; o Licen-
ciamento Ambiental e o Zoneamento
Ambiental. Em 1986, a Resolução n.º 1
do CONAMA promoveu a regulamen-
tação da Avaliação de Impactos Am-
bientais, dando origem então aos EIA -
Estudos de Impactos Ambientais e aos
RIMAs - Relatórios de Impacto deMeio
Ambiente, instrumentos necessários para
o licenciamento ambiental de atividades
com potencial de risco para o meio am-
biente.
Carlos Celso abre umparênteses para
ponderar que este, porém, também é um
dos gargalos da legislação ambiental
brasileira. Ele explica: “Os EIA/Rima
bem feitos são caros, pois devem empre-
gar mão de obra especializada e deman-
dam tempo para serem elaborados.
Ocorre que os órgãos ambientais não
estão aparelhados comgente especializa-
da e nem em quantidade de funcionários
para rapidamente promover a análise dos
estudos. Isso muitas vezes emperra o an-
damento dos empreendimentos e não é
raro que investidores procurem outras
localidades para implantar seus empreen-
dimentos por causa da morosidade de
determinadas agências ambientais”. Ele
lembra uma experiência que considera
positiva em São Paulo, na gestão do
secretárioWerner Zulauf, que terceirizou
a análise dos EIA/Rimas e, ao que parece,
não perdeu em qualidade e ganhou em
agilidade na conclusão dos trabalhos.
Carlos Celso destaca, na sua análise
Lei 6938 - 20 Anos
histórica, outro aspecto que merece re-
flexão. Recentemente um novo e po-
deroso ator tem assumido papel impor-
tante na gestão ambiental do Brasil: o
Ministério Público. O professor explica
que “no vácuo da falta de competência
técnica dos órgãos ambientais e da deman-
da radical das ONGs, o Ministério Públi-
co e seus jovens promotores têm assumi-
do papéis que infelizmente estão trazendo
graves problemas para o judiciário. Isso
se deve ao fato dos jovens promotores não
dialogarem com os técnicos e promove-
rem interpretações errôneas de elementos
técnicos. Há, aí, um verdadeiro ruído de
comunicação nesse processo que tem
paralisado inúmeros projetos com prejuí-
zos para todas as partes”.
Enfim, Carlos Celso pondera tam-
bém que, embora nossa legislação am-
biental seja considerada como uma das
mais avançadas do mundo, ela ainda pa-
dece de problemas que precisam ser cor-
rigidos. Com o advento da Constituição
de 88, os municípios ganharam a
condição de importantes atores do pro-
cesso de gestão ambiental. Contudo, se
o problema da qualidade e quantidade da
mão de obra já é crítico nas agências
ambientais dos Estados, inclusive naque-
las que no passado foram fontes de refe-
rência internacional, imagine como não
é o problema com os novos órgãos am-
bientais nos municípios, cuja base técni-
ca é infinitamente mais pobre.
João Leonardo Melle
,
Coronel da Polícia Militar do Estado
de São Paulo. Atualmente coordena
o Policiamento Ostensivo na Região
Oeste da Cidade de São Paulo.
Durante 14 anos, como Tenente e
Capitão, atuou no policiamento
florestal nas regiões do Litoral Sul
Paulista e no Vale do Ribeira e
como Major chefiou a seção de
Operações da Polícia Florestal no
Estado de São Paulo.
Embora não esteja à frente das ações
de fiscalização ambiental no momento,
o Coronel Melle fala com desenvoltura e
prazer sobre o assunto. E, como os de-
mais entrevistados, não deixa de desta-
car a importância da Lei 6938 para a
gestão ambiental no Brasil. Ele é enfáti-
co: “Se não tivéssemos essa legislação
teríamos uma degradação sem prece-
dentes em nosso País.”
O Coronel da PM destaca que ela é
um “marco histórico por se constituir em
uma lei eminentemente protecionista”.
Ele explica que, até o seu surgimento, as
leis existentes regulavam muito mais a
exploração dos recursos naturais, em
detrimento de sua proteção. Era assim
com o Código de Caça, que estabelecia
as regras para caça, ao invés de proibi-la,
era assim com o Código de Pesca e com
o Código Florestal, que tinham suas
atenções voltadas para regular a ex-
ploração.
Mas, com a Lei 6938 e suas primei-
ras regulamentações, começou a haver
uma inversão no quadro de destruição,
impedindo que infratores fugissem pela
letra duvidosa das leis anteriores. “Au-
torizações de caça, desmatamento de
áreas de Mata Atlântica, tudo isso pas-
sou a ser regido pela lei de proteção am-
biental, que funcionou para a fiscaliza-
ção como uma bandeira, que pudemos
empunhar como resposta aos mecanis-
mos de degradação existentes nas leis
anteriores.”
O Coronel João Leonardo Melle re-
conhece, no entanto, que, com o adven-
to de todas as legislações ambientais a
partir da 6938, ocorreu uma paralisação
muito grande nas atividades econômicas.
Houve uma certa “exacerbação” ou uma
espécie de “revanche social” contra aque-
les que agiam de maneira imprudente.
No caso da Lei de Crimes Ambien-
tais, que também considera outro marco
de referência importante para a fiscaliza-
ção ambiental, ele avalia ser necessário
haver ajustes. Ponderar os excessos, pro-
por penas alternativas que não impliquem
apenas ganhos ambientais, mas principal-
mente ganhos sociais, são aspectos im-
portantes que devem ser considerados. E
isso vai se dar com a dinâmica da própria
sociedade frente ao poder legislativo. É
desse processo que vão ocorrer as me-
lhorias e ajustes necessários.
Como agente que atuou na fiscali-
zação durante muitos anos, porém, o
Coronel Melle reconhece que, diante do
quadro histórico de então, sem a existên-
cia de medidas de controle, era natural
que ocorresse a exacerbação das ações
que em muitos casos trouxe como con-
seqüência o colapso de empresas em fran-
ca produtividade e, o que é pior, a trans-
gressão da lei por parte de muitos em-
preendedores que não viam saídas para
suas atividades. Por outro lado, o Estado
também não estava preparado para licen-
ciar ou para informar porque determina-
do empreendimento não podia ser licen-
ciado. Daí surgiam os conflitos, embates
judiciais e, é claro, os tradicionais clan-
destinos e infratores contumazes que se
aproveitavam desses momentos para agir
e criar confusão.
Todos esses depoimentos refletem a
maturidade da Lei que constitui a base
de nosso atual Sistema de Gestão Am-
biental, com suas qualidades, defeitos e
crises, e, no entanto, cada vez mais forte
e vivo...