junho a agosto de 2002
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Projeto de Lei n.º 4147/2001, que
dispõe sobre as diretrizes nacio-
nais de saneamento básico, está a
se tais serviços têm as características de
funções públicas de interesse comum e
são assim declarados. Neste caso, esses
serviços não são mais de exclusivo inte-
resse local. São serviços comuns a uma
unidade urbano-regional, constituída por
diversosMunicípios interdependentes em
múltiplos e variados aspectos.
Nessas regiões, em razão da comple-
xidade, dimensão e necessidade de inte-
gração dos serviços de saneamento bási-
co, bem como de outros fatores da reali-
dade urbano-regional (uso do solo, trans-
portes, infra-estrutura, controle da polui-
ção, recursos hídricos etc.) e da forma de
ocupação da respectiva bacia hidrográfi-
ca, em suma, em razão da natureza das
coisas, aqueles serviços de saneamento
passam para a titularidade do Estado, que
é o nível de governo que poderá legislar
de forma unificada sobre todo o território
regional, tarefa que obviamente não pode
ser realizada pelo Município isolado.
No entanto, apesar de a titularidade
desses serviços, nas regiões metropolita-
nas, pertencer ao Estado, este não pode
realizar a gestão solitária dos serviços,
devendo admitir e operar a gestão parti-
lhada, em conjunto com os Municípios
metropolitanos. É justamente para isto
que existe a figura da região metropoli-
tana. Tal questão nos faz distinguir, em
uma região metropolitana, a titularidade
dos serviços em face da gestão adminis-
trativa partilhada dos mesmos. A titulari-
dade é uma só, a do Estado, possibilitan-
do a unidade de regulação legislativa so-
bre os serviços públicos de saneamento
básico - como convém para o tratamento
legal de modo racional por uma única
assembléia legislativa com jurisdição re-
gional. É impossível legislar racional-
mente sobre o mesmo serviço numa
região metropolitana, mediante o exercí-
cio autônomo de diversas Câmaras legis-
lativas municipais. A gestão, entretanto,
é e deve ser partilhada entre o Estado e
os Municípios metropolitanos, permitin-
do a administração conjunta ou associa-
da deles. O Estado não pode, por im-
posição constitucional (art. 25, § 3º), im-
pedir aquela gestão partilhada, que inclui
decisões sobre a definição de objetivos,
metas e prioridades dos serviços de sa-
neamento básico, de conformidade com
as diretrizes urbanísticas dos Municípios
envolvidos, bem como decisões sobre as
concessões ou permissões desses serviços
a terceiros.
Com essas linhas, vemos que o Pro-
jeto, ao contrário do que está sendo di-
vulgado, não se posiciona, e não deveria
mesmo se posicionar, a respeito da políti-
ca de privatizações do atual governo. É
claro que se entendermos por privatiza-
ção apenas a possibilidade de optar-se
pela concessão ou permissão dos serviços
de saneamento básico a terceiros, então
o Projeto é “privatizante”. Mas se assim
é, então a Constituição também é priva-
tizante! No Brasil admitem-se os institu-
tos da concessão e da permissão precisa-
mente como formas de prestação de
serviços públicos por colaboração (art.
175
da C.F.). Isso depende primordial-
mente da política adotada pelo governo
da unidade federada que a pratica. A or-
dem jurídica apenas possibilita e não
impede essa política. O regime domi-
nante, agrade-nos ou não, é o da livre ini-
ciativa econômica, podendo o setor pri-
vado também executar serviços públicos
por concessão ou permissão do Poder
Público.
Por isso, hoje se reclama muito por
um novo instituto que é o da instauração
de marcos regulatórios dos serviços
públicos, para atender aos interesses da
população usuária contra as possíveis
ações monopolístas ou ofensivas ao bem
estar dos consumidores. O Projeto 4741/
01
tem justamente um capítulo que cui-
da da regulação e da fiscalização dos
serviços de saneamento. Por outro lado,
se houvesse no Projeto ora em pauta o
impedimento de concessões ou permis-
sões dos serviços de saneamento básico,
a fimde que a lei não fosse “privatizante”,
ela já nasceria morta por inconstitucio-
nalidade. Tanto quanto não se pode
igualmente impedir que a Administração
Pública realize ou preste direta ou indire-
tamente os serviços públicos. Na verdade,
suas disposições não facilitam nem difi-
cultam o exercício de políticas de “priva-
tização” do setor mediante o exercício dos
institutos da concessão ou da permissão.
O Projeto cuida de estabelecer as regras
de regulação, fiscalização, prestação dos
serviços e de política de saneamento, sem
impedir ou incentivar a prestação desses
serviços quer pela administração direta
ou indireta, quer pela prestação por co-
laboração através da concessão ou per-
missão dos mesmos ao setor privado. Se
houver a concessão ou permissão desses
serviços a terceiros do setor privado, isto
decorrerá fundamentalmente da política
adotada pelas autoridades da unidade de
governo que lhe dão respaldo, cujo
lastro não depende apenas do aparelho
jurídico, mas sim, e principalmente,
das forças sociais e políticas críticas
e conscientes que pressionarem as
decisões das autoridades neste ou
naquele sentido. O direito não tem
pernas próprias, ele se movimenta
sob o comando dos homens!
Titularidade e Privatização
no Saneamento Básico
O
Alaôr Caffé Alves
Professor livre docente de Direito da USP
espera de ser apreciado pela Câmara dos
Deputados, mas, em razão do atual ano
político, provavelmente será objeto de vo-
tação da próxima legislatura. Se forem
consideradas as emendas propostas pelo
Fórum Nacional dos Secretários de Sa-
neamento Básico dos Estados, objetivan-
do a sua necessária adequação e aper-
feiçoamento, a lei resultante deverá esta-
belecer condições de maior racionalidade
institucional no setor, criando bases mais
seguras e previsíveis para os investimen-
tos públicos ou privados comvistas à uni-
versalização dos serviços.
A questão legal do saneamento bási-
co suscitou grandes controvérsias entre
técnicos e responsáveis pela sua gestão,
especialmente no que respeita à titulari-
dade e à “privatização” dos serviços. No
entanto, ao contrário do que foi erronea-
mente divulgado, o Projeto está, de modo
geral, delineado de acordo com as com-
petências federativas estabelecidas na
Constituição Federal, devendo apenas ser
corrigido em alguns pontos estratégicos.
No que respeita à competência para
a prestação e regulação do saneamento
básico, compreendendo a titularidade dos
serviços, o Projeto reconhece o que já se
define na Constituição: a competência do
saneamento básico é inequivocamente do
Município.
Porém, precisamente conforme pres-
creve a Carta Maior, essa competência
cabe também ao Estado, se tais serviços
têm dimensão regional e são caracteriza-
dos como função pública de interesse
comum, como deve ocorrer em Regiões
Metropolitanas estabelecidas por lei com-
plementar do Estado. Neste caso, não é
possível ao Município isolado, somente
com suas forças, prestá-los racional e in-
tegralmente. O Brasil tem cerca de 5.500
Municípios e mais de 90% deles devem
prover sobre a prestação dos serviços de
saneamento básico, de forma direta ou
indireta ou por colaboração (concessão
ou permissão), bem como cuidar de sua
regulação, como titulares que são desses
serviços.
Entretanto, menos de 10% dos Mu-
nicípios, que integram regiões metropo-
litanas, aglomerações urbanas oumicror-
regiões, constituídas por lei complemen-
tar do Estado, nos temos do art. 25, § 3º,
da Constituição Federal, devem ter o seu
regime de prestação dos serviços de sa-
neamento básico alterado, precisamente