Pensando fora da caixa para agregar valor ambiental à cadeia de suprimentos
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Neste artigo, proponho uma abordagem inovadora para a gestão da cadeia de suprimentos, integrando práticas colaborativas com responsabilidade ambiental. Com uma abordagem histórica, busco empreender uma visão estratégica e compreender o foco em métricas sustentáveis. Proponho uma articulação entre CPFR Verde e CPR Verde, bem como uma integração com o sistema VCS, visando gerar valor econômico alinhado com o esforço de descarbonização, especialmente no agronegócio. Convido, assim, empresas e gestores a repensarem a logística como vetor de transformação.
Tudo é logística
A evolução antropológica, econômica e política da humanidade, teve por base a logística – expressão e fator do deslocamento e alocação de pessoas e coisas, dos meios de transporte. do processo de evolução do comércio e da comunicação humana.
Como ciência, a logística evoluiu com a estratégia militar. Pesquisas, estudos, métodos e sistemas foram necessariamente desenvolvidos para a finalidade de conferir eficiência ao abastecimento e movimentação das tropas, para a defesa, o ataque, a ocupação e a manutenção dos territórios. A partir de então, a logística consolidou-se como parte essencial na expansão do comércio – da histórica Rota da Seda e do abastecimento dos impérios às navegações entre continentes – do mercantilismo à globalização.
A logística, portanto, integra essencialmente a infraestrutura social, econômica e política das Nações. É disciplina obrigatória da engenharia, da economia e da administração. Como infraestrutura, a logística é fator de soberania e expressão de controle territorial dos Estados Nacionais, elementar para qualquer estudo sobre a disposição da ocupação humana no planeta.
O transporte é o fio condutor da logística, Do animal de carga ao contêiner intermodal, o transporte representa a circularidade do processo econômico. Está na consolidação do direito humano de ir e vir, no plantio, na colheita, na extração mineral, na transformação, na produção, na distribuição, no consumo e no descarte.
Na economia circular, envolve o transporte dos insumos, a produção, a distribuição o consumo, o descarte, a gestão do resíduo, o reúso, a reciclagem, o aproveitamento energético e a disposição final do rejeito.
A cadeia de suprimentos (supply chain)
A Revolução Indústrial e seu corolário trágico, a Segunda Guerra Mundial, constituíram o grande divisor de águas para a logística, na evolução humana, em todos os sentidos, dos mais perversos aos mais benéficos. A partir desse processo, a logística ganhou escala e tornou-se um diferencial estratégico no campo da macro e micro economia, impulsionada pela globalização, demandando e sendo demandada pelos avanços tecnológicos.
A revolução tecnológica, na qual ainda estamos envolvidos, configurou um mercado cada vez mais exigente, obrigando os agentes ver a logística de forma integrada, formando uma cadeia de suprimentos.
Portanto, compreender a logística como um sistema estruturado é contemplar toda uma cadeia de processos, uma sequência de atividades estruturadas e interconectadas.
É desta forma que a cadeia de suprimentos deve superar a fragmentação e instituir meios de colaboração, visando enfrentar os desafios de um mercado dinâmico e competitivo.
A logística colaborativa
O foco na eficiência, redução de custos e atendimento ao cliente, demanda visão holística numa cadeia de suprimentos – mudanças e inovações, minimização de riscos, relações fortes e mutuamente benéficas entre os parceiros logísticos.
Para tanto, o planejamento colaborativo surge na cadeia de abastecimento como elemento de precisão das previsões de demanda. O escopo da colaboração é a articulação entre fornecimento, produção, distribuição e abastecimento, visando a otimização do estoque e redução de custos.
Esse esforço de colaboração não é mera liberalidade, nem modismo traduzido em siglas. Trata-se de uma ponta do enorme novelo formado pela evolução dos programas de eficiência e certificação, que foram se tornando relevantes nas últimas quatro décadas do século XX – devido à escala impressionante de evolução do consumo de bens e serviços, com a demanda sendo ampliada paripassu com a evolução tecnológica das comunicações. Hoje, os atores da cadeia de suprimentos se deparam com a crescente responsabilidade solidária face aos reclamos, exigências e demandas dos consumidores, bem como à responsabilidade objetiva atribuída aos agentes econômicos por externalidades sociais e ambientais decorrentes de suas atividades.
Planejamento, metas e métricas
É muito importante entender o fenômeno da internalização de custos sociais e ambientais – cujo passivo gera inúmeras variáveis. De fato, a internalização de externalidades é componente antieconômico, introduzido no sistema legal a partir de princípios consensuados pelos Estados Nacionais – não decorre, portanto, da lógica do mercado e, sim, da vontade macroeconômica, imposta pela autoridade do Estado, focada na escassês generalizada dos recursos ambientais, piora na qualidade de vida e segurança das populações, bem como no atendimento a metas de redução de emissões de poluentes.
Essa resolução reverte politicamente o clássico conceito de “externalidade”, como “preço do progresso econômico a ser arcado pela sociedade”. Decorre da globalização econômica, por meio da qual convenções e tratados buscam harmonizar e, também, transferir e dividir responsabilidades por danos a interesses difusos, cuja escala abrange o conjunto das atividades industriais, agrárias e de transporte, bem como a matriz energética que sustenta todo esse sistema – todos considerados “fontes de poluição” e vetores de “degradação no uso do solo”.
O advento da tutela de interesses difusos, incrementou o risco imanente às atividades econômicas, tornando-as dependentes de processos planejados de previsão, prevenção e documentação.
Independente de considerações de ordem ideológica ou de ativismos e ecologismos, o fato é que a organização social desenvolveu profundo espírito crítico em relação aos efeitos do desenvolvimento econômico, ocorrente após a metade do século passado, obrigando Estados Nacionais e agentes financeiros a conferir funcionalidade ambiental ás atividades econômicas, implementando normas e condutas mandatórias que induzissem funcionalidade econômica à proteção ambiental.
Metodologias e gestão da cadeia logística
A evolução informacional e tecnológica após a Segunda Grande Guerra, permitiu à humanidade dar-se conta de viver em um planeta com recursos limitados. A escassez e a consequente racionalização dos recursos disponíveis, demandaram controle social sobre atividades públicas e privadas, de governança, administração, produção, transporte, consumo e descarte residual no ambiente – paripassu com a evolução da tutela dos interesses difusos e o engajamento político dos atores afetados – direta e indiretamente, pelo ciclo da atividade em referência. A nova dinâmica comportamental e crescente obsolescência tecnológica, por outro lado, desestimulou a manutenção de grandes estoques e demandou maior velocidade e presteza nas entregas.
Todo esse “passivo social e ambiental”, gerado em meio a uma crescente “economia de risco” – obrigou a moderna administração a encontrar métodos de contabilização e econometria, seja no aspecto da segurança no consumo, seja com relação aos custos financeiros e sociais, seja na avaliação dos impactos ambientais, seja no que tange à conformidade social, legal e ética decorrentes. Daí, para a introdução de programas e métodos de gestão estratégica, foi um pulo.
No caso da cadeia de logística, a evolução ocorreu com vigor no início deste Século XXI, tendo como marco a ECR (Efficient Consumer Response), suportada por uma relação de confiança entre indústria e varejo, a partir do compartilhamento de informações estratégicas B2B (business to business).
Os sistemas de ECR envolveram a responsabilidade do fornecedor pelo gerenciamento e reposição do estoque de seus clientes – principalmente em função da adequação e personalização “sob demanda”. Porém o VMI (Vendor-managed Inventory), não abrangia questões importantes vinculadas à governança dos destinatários do produto, como centros de distribuição, pontos de venda, reposição e estoque. Estas deficiências tornaram-se ainda mais expostas face à evolução cibernética da demanda, levando as empresas a buscarem técnicas de integração mais eficientes e responsivas.
Nessa constante evolução, surge o CPFR – Collaborative Planning, Forecasting and Replenishment (Planejamento, Previsão e Reabastecimento Colaborativos).
O CPEFR é uma estratégia de gestão da cadeia de suprimentos articulada para otimizar a colaboração entre os diferentes atores do ciclo logístico, abrangendo suprimento, produção e distribuição.
O CPFR Verde
O conceito de “CPFR Verde” refere-se à aplicação dos princípios do CPFR com uma ênfase especial em práticas sustentáveis e ecológicas.
São os principais elementos do CPFR Verde :
1. Colaboração Sustentável: Envolve a cooperação entre os parceiros da cadeia de suprimentos para desenvolver práticas que minimizem impactos ambientais. Isso implica compartilhar informações sobre práticas sustentáveis, como o uso de materiais recicláveis e redução de desperdícios.
2. Previsão e Planejamento Ecológicos: Os dados de previsão devem considerar não apenas a demanda do consumidor, mas também fatores ambientais. Por exemplo, ao planejar a produção, as empresas podem avaliar o impacto ambiental dos materiais e processos de fabricação utilizados.
3. Reabastecimento Responsável: As práticas de reabastecimento devem integrar critérios de sustentabilidade, como a escolha de transportes que reduzam as emissões de carbono ou a otimização de rotas para minimizar distâncias.
4. Desempenho Sustentável: As métricas e KPIs (Indicadores de Desempenho) devem incluir indicadores de sustentabilidade, assegurando que as empresas não apenas alcancem eficiência operacional, mas também contribuam para a proteção ambiental.
5. Transparência e Compartilhamento de Informações: Para que os parceiros da cadeia possam agir de maneira ecológica, é fundamental que haja transparência sobre as práticas e políticas de sustentabilidade. Compartilhar informações sobre o ciclo de vida dos produtos pode ajudar a tomar decisões mais conscientes.
São vantagens do CPFR Verde:
–Redução de Custos: Práticas sustentáveis muitas vezes levam à redução de desperdícios e eficiência operacional, resultando em economia.
– Melhoria da Imagem da Marca: Empresas que adotam práticas sustentáveis podem melhorar sua reputação e fidelidade do cliente.
– Conformidade Regulamentar: Aumenta a conformidade com regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas.
– Inovação: Incentiva a inovação em produtos e processos que minimizam o impacto ambiental.
Uma combinação mais que necessária
No campo do agronegócio, a cadeia de logística é elemento mais que essencial. Assim, a logística colaborativa pode avançar gerando valor com os mais variados derivativos e títulos.
A Cédula de Produto Rural (CPR), por exemplo, pode ser usada pelo produtor rural e demais agentes da cadeia do agronegócio para captar recursos e financiar a conservação da parcela da vegetação nativa na sua propriedade, conforme regulamentado pelo Decreto Federal 10.828/21. Trata-se de um mercado que poderá atingir R$ 30 bilhões em quatro anos, segundo noticiado pela B3 – Bolsa de Valores de São Paulo.
A assim chamada “CPR Verde”, é um tipo de Cédula de Produto Rural (CPR) dedicada a incentivar a conservação ambiental, como a preservação de florestas e biomas – servindo como meio de pagamento por serviços ambientais.
É possível, portanto, unir o CPFR Verde com a CPR Verde, agregando valor.
Nessa combinação expandida, é possível atrair para o ciclo da conservação ambiental, atores os mais diversos, numa cadeia colaborativa integrada.
O “agronegócio sustentável” utilizaria a CPR Verde, negociando-a de forma integrada à cadeia de suprimentos adaptada ao CPFR Verde, ampliando o ciclo. Cria-se, assim, um incentivo financeiro para o CPFR Verde.
Na prática, o resultado desta combinação poderia gerar a seguinte sequência:
1. Projetos ambientais: Produtores com projetos de manutenção de matas nativas poderiam buscar certificação para emitir CPRs Verdes, conforme o Decreto 10.828/21;
2. Negociação: A CPR Verde seria negociada com instituições financeiras, servindo como um ativo financeiro;
3. Integração na cadeia: A utilização do CPFR permitiria que o valor das CPRs fosse integrado na cadeia de suprimentos, gerando um fluxo financeiro sustentável.
CPFR Verde e o Crédito de Carbono
A relação entre o CPFR (Collaborative Planning, Forecasting, and Replenishment) e o sistema VCS (Verified Carbon Standard) poderia evoluir não apenas na avaliação e emissão de títulos pela redução de emissões na cadeia de suprimentos, como também poderia se extender no contexto de projetos florestais, extendendo a avaliação para além do preservacionismo bruto.
O VCS (Verified Carbon Standard) é um dos principais padrões globais para a certificação de projetos de compensação de emissões de gases de efeito estufa, promovendo a transparência e a credibilidade no mercado de carbono. O VCS certifica que os projetos de redução de emissões ou de armazenamento de carbono realmente geram créditos de carbono verificáveis.
A aplicação do CPFR, certificada pelo VCS, pode ser benéfica para a implementação e a gestão de projetos que buscam obter créditos de carbono.
Aqui estão algumas maneiras de fazer essa interseção:
– Planejamento Colaborativo:Através do CPFR, diferentes partes interessadas (como proprietários rurais, conservadores de florestas prestadores de serviços ambientais e órgãos governamentais), podem colaborar no planejamento das ações necessárias para o manejo florestal sustentável. Isso pode incluir o mapeamento de áreas a serem reflorestadas ou conservadas, a previsão dos recursos hídricos ou minerais gerados e o sistema de manejo ou extração a ser suportado, e que será integrado |à cadeia de suprimentos.
– Previsão de Resultados: O CPFR pode auxiliar na previsão de como as práticas de manejo e conservação afetarão a quantidade de carbono que a floresta pode sequestrar, bem como a quantidade de recursos que podem ser extraídos e manejados, permitindo ajustes estratégicos durante o ciclo de produção e escoamento, até a entrega final.
– Reabastecimento e Manutenção: A colaboração integral pode melhorar a reposição de recursos naturais, desde o replantio e a manutenção das áreas florestais, até a entrega do material a ser comercializado com base no projeto de sustentabilidade econômica com benefício social, num processo que considere as condições climáticas, emissões e demanda de serviços ecossistêmicos – de forma a permitir a obtenção de créditos de carbono.
Conclusão
O CPFR Verde representa, assim, uma evolução dos modelos de gestão da cadeia de suprimentos, integrando técnicas colaborativas com a responsabilidade ambiental. Essa abordagem não apenas beneficia as empresas através de uma operação mais eficiente, mas também contribui para um desenvolvimento sustentável e uma diminuição do impacto ambiental.
Assim, ao adotar práticas de CPFR Verde, as empresas podem se posicionar como líderes em sustentabilidade em suas indústrias.
É hora, portanto, de ousar raciocinar para além dos lugares comuns -plenos de anglicismos e vazios de inovações, buscando o foco no melhor custo-benefício do cliente-consulente.
Fica aqui a dica – para além da caixa quadrada…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator – Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil, integra o Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX, é Conselheiro integrante do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Presidente da Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 08/10/2025
Edição: Ana Alves Alencar
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