Está na hora de conectar o campo, o céu e o laboratório
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro e Rafael Possik Jr.*
Segundo a Bloomberg Green, o grupo IAG — dono da British Airways — foi o maior consumidor de SAF em 2024, adquirindo 55 milhões de galões a partir de óleos residuais e gordura animal. Mesmo assim, esse volume representou apenas 1,9% do total de combustível utilizado pela companhia, evidenciando o dilema da indústria: a ambição está crescendo mais rápido do que a escala.
Panorama Global: SAF Ainda É um Jogador Marginal
SAF deve representar apenas 0,7% da demanda global de combustível de aviação em 2024 — enquanto o tráfego de passageiros deve crescer 6%, anulando ganhos climáticos.
- Nos Estados Unidos, apesar de compromissos públicos, o uso de SAF ainda é desregulado em nível federal.
- A Alaska Airlines lidera com 0,68%, enquanto a American Airlines aparece com apenas 0,07%.
- O país lançou o SAF Grand Challenge, com metas de 3 bilhões de galões até 2030 e 35 bilhões até 2050, mas enfrenta desafios de financiamento e infraestrutura.
- Estados como Califórnia, Oregon e Washington adotaram programas próprios que geram créditos com SAF, tornando-se polos de inovação descentralizada.
- Em Singapura, a estratégia é mais coordenada:
- A partir de 2026, todos os voos que partem do país deverão usar SAF, com meta inicial de 1% e previsão de 5% até 2030.
- A refinaria da Neste em Tuas é a maior planta de SAF do mundo, com capacidade de 1 milhão de toneladas por ano.
- A Singapore Airlines e a Scoot já recebem SAF produzido localmente e distribuído diretamente no Aeroporto de Changi.
Pressões Econômicas e de Infraestrutura
O SAF custa atualmente de 2 a 4 vezes mais que o combustível fóssil convencional.
Patrocinadores como Microsoft e Autodesk ajudam a subsidiar o uso, mas o custo por tonelada evitada de CO₂ (US$150–$300) é muito superior ao das compensações tradicionais (~US$6,30).
A infraestrutura global, no entanto, ainda é inconsistente: novas instalações surgem, mas fechamentos e retrações da indústria petrolífera dificultam o avanço.
Brasil: Um Exemplo de Potencial Estratégico… Fragmentado
O Brasil tem vantagens únicas na corrida pelo SAF.
O país conta com biomassa abundante, domínio tecnológico em biocombustíveis e uma indústria aeronáutica de ponta. Também produz matérias-primas comprovadas: etanol, óleo vegetal e resíduos agrícolas – que viabilizam rotas como HEFA, ATJ e Fischer-Tropsch.
Mas o Brasil também enfrenta desafios estruturais. Falta de integração entre a agroindústria, setor químico e aviação, o que limita o potencial de escala.
A produção de SAF depende ainda de investimentos bilionários em biorrefinarias e da articulação estratégica entre os ministérios (ANAC, MAPA, MCTI) e o setor privado.
Segmentos promissores como o de aeronaves não tripuladas (drones) — que cresceram 24% em 2024 — seguem fora das estratégias formais de SAF.
Plano SAF do Brasil até 2037
O plano brasileiro, porém, no papel, apresenta metas ambiciosas, como se vê do quadro abaixo (Fonte: Lei nº 14.993/2024 – Programa Combustível do Futuro):
Ano | | Meta de Redução de Emissões | | Produção Estimada de SAF |
---|---|---|
2027 | 1% | 83 milhões de litros |
2028 | 2% | 153 milhões de litros |
2037 | 10% | 1,1 bilhão de litros |
Há um caminho extenso e proporcionalmente complexo, que demandará foco estratégico e governança.
Conclusão
É Preciso Conectar os Pontos — Antes que o Avião Decole
O SAF é peça-chave na descarbonização da aviação global, mas para escalar é preciso mais que ambição — é preciso colaboração sistêmica, políticas ousadas e infraestrutura que conecte campo, refinaria e pista.
O Brasil pode liderar esse movimento — e não ser apenas exportador de matéria-prima. Mas, para isso, precisa quebrar silos, unificar setores e colocar o SAF no centro da sua estratégia energética.
Está na hora de conectar o campo, o céu e o laboratório — antes que esse voo parta sem nós.
+Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator – Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil, integra o Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX, é Conselheiro integrante do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Presidente da Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Rafael Possik Jr. é estrategista em gestão, políticas públicas e inteligência corporativa. É Assessor Especial na SP Negócios, onde aplica conceitos de estratégia militar à promoção de investimentos e exportações em São Paulo. Sócio da AICA — consultoria em agronegócio, energia e sustentabilidade — lidera projetos voltados à inovação e transição verde, conectando viabilidade econômica com impacto ambiental positivo. Agro-empreendedor e professor de Agronegócio na FAAP, preside a associação de ex-alunos da instituição.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 30/07/2025
Edição: Ana Alves Alencar
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