Pequeno ensaio sobre o cheiro
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A natureza…cheira
Possuímos cinco sentidos: toque, audição, visão, paladar e olfato. A cada um deles, corresponde nossos órgãos: pele, ouvidos, olhos, língua e nariz.
Destes, o mais sutil, sem dúvida, é o olfato, aquele sentido que inalamos e que nos transmite todo tipo de sensações. Algo que supera o sentir o gosto, olhar, ouvir ou tocar.
O olfato supera os sentidos físicos, brutos. Ele produz um sexto sentido, algo intangível, que nos conduz a um sentimento de bem estar ou mal estar, de pressentimento, de excitação.
É em função disso que buscamos o sentimento de bem estar quando inalamos um perfume delicado, por exemplo. Aliás, o perfume abastece nosso próprio cheiro…

É tudo muito natural – afinal, a natureza cheira.
No que tange a nós, da espécie animal, o cheiro é elemento instintivo, determinante. Os predadores, por exemplo, marcam seu território com urina, cujo odor nos distingue como impressões digitais. Animais costumam cheirar reciprocamente os traseiros – ali se encontra o “cartão de visitas” dos mamíferos e dos insetos.
Talvez por termos racionalizado um código moral que nos leva a uma completa sublimação dos mais básicos instintos, nosso animal de estimação, hoje, saiba mais sobre o nosso perfume individual que nós mesmos…
A evolução é perfumada
Nossa evolução está marcada pela sublimação racional de nossos instintos, através das essências que nos enlevam, e pelo resgate episódico de nossos cheiros naturais…
Em nossa busca de sublimação, buscamos refúgio na arte, que é fabricação das essências oloríficas: os perfumes.
Perfumes cobrem nossos odores, como o velho cheiro de suor e, nos intoxicam com sua fragrância – afinal, nos estimulamos ou buscamos nos enlevar pelo perfume (como aliás, qualquer outra droga que integra o cotidiano de sublimação do ser humano)
A palavra perfume vem do latim `per fume`- através do fumo.
A busca pela sensação de bem estar e enlevamento por meio dos perfumes é longa – já existia há 4000 anos atrás desde a Mesopotâmia e o Egito, antes de ser melhorada pelos Romanos e Árabes.
O perfume, aliás, está em toda a Bíblia.

Na Europa, o perfume, como produto da arte na manufatura, consolidou-se no século XIV. A Hungria produziu o primeiro perfume moderno em 1371.
Porém, foram as guerras e a revolução industrial que introduziram o perfume no cotidiano de todas as pessoas. A Itália vivenciou, no seu renascimento, uma grande atividade na produção do perfume. A França transformou-se no centro dos perfumes feitos das plantas aromáticas, que são cultivadas desde o século XVlll, em Grasse.
Nós humanos, somos predadores hábeis – carregamos em nós o instinto de conquista. Nesse sentido nos apoderamos de tudo – desde os diamantes em cavernas escuras até as pérolas nas profundezas dos oceanos, ou mesmo a Lua.
Pois bem, o perfume representa a maior “vitória” do homem predador sobre a natureza. Significa a capacidade que este teve de capturar, processar, misturar e transformar os odores, inovando a sua própria sensação de natureza.
O perfume é uma mistura de óleos, de aromas e de fixadores misturados com os solventes. A indústria é caracterizada tradicionalmente pelo secretismo.
Nem todos podem compreender a linguagem da fabricação do perfume. No entanto, sentem…
Nosso cheiro é a grande conquista
O cheiro determinou vários episódios de conquista e evolução da humanidade.
Afinal, foi a flatulência descontrolada de um soldado romano, em frente ao templo de jerusalém, em plena páscoa judaica, que motivou uma revolta cujo saldo foi a morte de milhares de pessoas e o início da primeira diáspora.

diálogo épico no filme “Apocalipse Now”
O cheiro da guerra, aliás, sempre impressionou a humanidade, dos relatos frios dos militares aos romances escritos e filmados, o “cheiro de guerra” foi sendo alterado do “sangue-terra-excrementosanimais” para o “sangue-terra-óleodiesel-pólvora”.
Os cheiros domiciliares também evoluíram – nós mesmos não sentimos mais em casa, no escritório, nas ruas, o cheiro que sentíamos (e até prezávamos) de vinte anos atrás…
Mudaram os processos industriais, os costumes, a forma de preparo dos alimentos, os componentes de nossas roupas, os desinfetantes…
No entanto, limite da “conquista” do homem na artificialização da naturezase encontra em nós próprios – seres que somos absolutamente múltiplos, pois que cobertos, inoculados e inundados por fungos, vírus e bactérias, sem os quais não viveríamos.
Perfumes se alteram quando em contato com nossa pele, porque nosso ecossistema é composto por componentes genéticos e pela sopa de bactérias, fungos e vírus que também nos compõe. Alimentação, contato ambiental, contato sexual, abraços e carinhos maternos, amassos no metrô lotado, etc… também alteram nosso microclima superficial e interno, alterando nosso cheiro.

O cheiro de mulher
Para esse subscritor, no entanto, e nada há de científico, apenas de instinto, nada, absolutamente nada, supera, até hoje, a natural fragrância feminina.
De fato, todo o esforço de sublimação moral, todo o esforço de elevação pelas misturas aromáticas… ou qualquer perfume fabricado pelo homem… supera aquele exalado naturalmente pela mulher.
“Chanel Nº 5, e mais nada”, era apenas uma expressão de Marilyn Monroe – cujo próprio ecossistema alterava significativamente o aroma do perfume.
No entanto, Marilyn sabia que seu sono poderia ser embalado pelo perfume. Porém, se tivesse companhia para a noite, o Chanel seria dispensado – e o perfume natural prevaleceria…

A relação de cheiros pode ser algo recíproco entre gêneros. No entanto, o nosso testosterona – masculino, está relacionado diretamente com o que emana da mulher.”Para dormir? Chanel n.5…e mais nada”
Pelo cheiro, sabemos até mesmo quando ELA ovula. Só não sabemos mais, porque reprimimos esse instinto básico sob uma camada milenar de freios morais…
O nível inconsciente dos sentidos humanos são estimulados pelos feromônios – sinalizadores químicos que influenciam biologicamente, de forma instintiva, a reconhecer nossa parceira e estimular nosso básico desejo sexual.
Somos diversos. Assim nossa atração geralmente é estimulada por aromas geneticamente diferentes, e, assim, garantimos a maravilhosa diversidade de nossa espécie.

Napoleão e Josephina – básico instintoHá um nervo secreto (o nervo “O”) cuja terminação é instalada em nossa cavidade nasal. Ele passa pelo córtex olfatório. Não registra o cheiro conscientemente, mas identifica a química sexual do sexo oposto.
Assim… há mesmo uma química do amor… e o reagente é o olor e o odor.
Napoleão, em carta a Josephine, escreveu: “Chego em três dias. Não se lave”.
O fato histórico, dá a dimensão exata deste assunto. Afinal, o homem cujo exército tornou famosa a Água de Colônia (usada pela sua guarda imperial, que comprava o produto em uma pequena casa de manipulação na cidade alemã), o estadista que expandiu comercialmente as “eau de toilette” e as essências francesas para todo o ocidente, tinha, na verdade, incondicional predileção pelo perfume natural de sua amada.
De fato, Napoleão, antes de tudo, era homem…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
.
Gostaria de saber se há alguma forma do perfume com cheiro de velho voltar ao seu odor normal…