Por Nelson Araújo Filho*
Na primeira vez, sem os olhos de turistas, que estive no Payaguás dos Xarayes, a parte das sub-região do Pantanal do Paiaguás invadida de modo permanente pelas águas do rio Taquari assoreado, pude observar a exuberância dos cenários recriados, o abandono econômico e a vulnerabilidade das pessoas que ali permaneceram espremidas nas margens do rio Paraguai.
Meu envolvimento com o tema da planície alagada ocorreu por discordar da solução proposta pela comunidade econômica regional, apoiada à época pelo poder político do Estado, indicando a dragagem do leito do rio Taquari, como forma de drenagem dos alagados e, assim, viabilizar o retorno do cenário econômico e natural anteriores, a pecuária e os campos de semiáridos inundáveis em alguns meses do ano.
Encantado com a incrível e surpreendente beleza dos campos de águas do Payaguás dos Xarayes, rejeitei a ideia. Pensava e penso que o patrimônio natural não está subordinado à vontade arbitrária do proprietário da terra. Não é dele, absoluta, a decisão de vida e morte.
Aprendi, depois dos cabelos embranquecidos, a fé em Cristo e o vigor atualíssimo da palavra. Nela ofereço a primeira razão do pensar diferente daqueles meus amigos pantaneiros. Está em Gênesis. Deus criou a terra e a vida e as entregou sob domínio e subordinação dos homens. Todavia, sendo estes criados a imagem e semelhança de Deus, por igual, as prerrogativas conferidas não compreendem o arbítrio e a destruição. A harmonia é a regra nas leis do Senhor.
Todos sabemos que existem inúmeros outros fundamentos, segundo os mais variados campos do conhecimento, para explicar o que digo. Mas, no momento, quero começar pelo princípio.
Pensei também que deveria então existir uma solução para a questão dos alagados. A natureza recriada e a legitima necessidade daqueles homens, de certa forma abandonados e esquecidos em suas perdas, ambas do mesmo lado. Vim conhecer Payaguás do Xarayés em busca dela e percebi que a melhor defesa do patrimônio natural elege sua concreta valoração econômica e a capacidade de geração de riqueza. Se o patrimônio natural constituir apenas um valor intrínseco e sua integridade imediata desvinculada das necessidades humanas, não será ele capaz de subsistir, de resistir a pressão que o cerca pela riqueza e/ou sobrevivência.
Mas, se de outro modo, ele, o patrimônio natural íntegro, por si, também valer concretamente para o mundo estará, erguida a barreira econômica capaz de enfrentar a ordem contrária.
Acredito que ativos ambientais, como as cotas de compensação e os créditos de carbono, são ferramentas importantes no processo de valoração do patrimonial natural. Por meio delas, áreas preservadas são capazes de gerar riquezas e, a partir daí, conquistar o interesse eficaz contrapondo a ideia tradicional quanto ao modo usual de dispor da terra.
Ainda estamos em meio da consolidação desses ativos no cenário econômico e financeiro. Por isso mesmo, observo que as lacunas circunstanciais facilitam distorções, cujo combate e correção será definido com o tempo e com a multiplicação da consciência de sua importância, como instrumentos, no esforço para assegurar a vida.
Os problemas de fidelidades recém descobertos e divulgados nos projetos de credito de carbono e emissão de cotas de reserva, por certo, seguirão como desafios, sendo essencial o esforço do Estado, pressionado pela sociedade civil organizada, para incrementar o aprimoramento do mecanismo e sua eficácia.
Não só isso. Destaco a necessidade do estímulo institucional à capacidade de geração de riqueza do patrimônio natural pelo conjunto de propostas que estabelecem atividades econômicas vinculadas a preservação do meio natural, tais como esportes de natureza ecoturismo e de contemplação da vida selvagem.
Os ativos de créditos e cotas, como dito, são importantíssimos. Mas, por suas peculiaridades, assemelham-se a papéis de rendimentos financeiros, e atraem capital especulativo, ainda que legítimo, alheio ao contexto ambiental e do empreendedor rural, permitindo, nessa dinâmica, a formação de latifúndios de preservação fincados exclusivamente no rentismo, com vocação hermética, improdutiva, e eventualmente assistencialista, em franca oposição as oportunidades de aproveitamento de atividades de natureza e de avanço dos processos de resgate dos povos e comunidades objetivando suas efetivas inclusão econômica e social, das quais são extremamente carentes.
O princípio da função social integra o conceito do patrimônio natural, sempre que sua integridade permitir atividade econômica conduzida pelo trabalho.
São inúmeros os casos mundo afora onde a geração de riqueza, através do empreendimento, defende e assegura a vida natural. Alguém consegue imaginar a sobrevivência dos grandes mamíferos africanos e seus cenários, não fossem as iniciativas empresariais de natureza, ali em vigor? Da mesma forma, a restauração, verdadeiro renascimento dos Esteros del Iberá na Argentina sem a implantação de sistema similar? E ainda, importantíssima, a experiência sul-mato-grossense em Bonito que exibe para o mundo um modelo de preservação aliando significativos ganhos de desenvolvimento regional.
O realce da questão da valoração do patrimônio natural é tanto mais importante quando temos um Pantanal santificado e festejado, mas desacompanhado de preocupação visível quanto ao modo em vigor da exploração de suas águas e cenários naturais. Já tive oportunidade de a ela me referir como uma conta que não fecha, pois não remunera a principal parte, ao tempo que permite, por alvará oficial, a coleta dos ovos do Cayman, o rastelo da gênese.
Correções são exigidas, o patrimônio natural não pode ceder suas riquezas, quanto mais de forma gratuita, para o benefício de poucos. Ele é vida. Pertence a todos nós.
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*Nelson Araújo Filho – advogado, escritor, poeta e presidente do Instituto Agwa.
Fonte: O Autor
Publicação Ambiente Legal, 15/05/2025
Edição: Ana Alves Alencar
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