Um consórcio de agências de fomento à pesquisa, federais e estaduais, ao lado de outras organizações do Brasil e do exterior, dará início ainda este ano ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose). A iniciativa será a primeira na região tropical, a exemplo de outras em operação no Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Austrália.
O objetivo é integrar dados de pesquisa espalhados por diferentes centros, a fim de avançar o conhecimento científico e procurar resolver problemas da sociedade, por meio de iniciativas junto a comunidades e órgãos governamentais.
Algumas definições para o SinBiose foram dadas durante workshop realizado entre os dias 24 e 26 de setembro no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Marcelo Morales, vice-presidente do CNPq, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) garantiu alocar R$ 1 milhão para o início das atividades.
“Temos que começar e decidimos começar virtualmente. Mas precisamos agora mostrar os resultados. Com isso, tenho certeza de que iremos convencer não apenas o Congresso, mas as agências e os ministérios [a colocar mais recursos na iniciativa]”, disse Morales durante o evento.
“A ideia de criar um centro de síntese é a possibilidade de reunir dados já disponíveis em projetos voltados para a solução de problemas, seja de uma bacia hidrográfica ou uma cidade, e utilizar essa síntese para o aperfeiçoamento e a implementação de políticas”, disse o organizador do evento Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do programa BIOTA-FAPESP.
Joly explicou que esses dados estão espalhados em grupos de pesquisa no Brasil inteiro, mas não há nenhuma instituição responsável por integrá-los.
“Nossa ideia é fazer algo transversal, que integre os melhores pesquisadores em determinado assunto para reunir tudo o que há de informação sobre aquele tópico específico e ver o quanto é possível avançar em relação a soluções e respostas a problemas”, disse à Agência FAPESP.
Uma das primeiras ideias para a criação de um centro de síntese em biodiversidade no Brasil teria vindo principalmente após as recomendações do relatório científico de 2015 do programa Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD).
“O relatório enfatiza que é realmente importante ter ligações mais fortes com os outros stakeholders [interessados] para que haja maior capacidade de preencher as lacunas entre ciência e prática”, disse o palestrante Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da USP e membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP.
Para Metzger, um centro como esse, segundo no hemisfério Sul e primeiro na região tropical, possibilita uma colaboração mais ampla, com uma nova geração de pesquisadores mais colaborativos compartilhando dados e criando novas ideias, hipóteses e modelos com dados existentes. Além disso, promove uma abordagem inter e transdisciplinar, facilitando a sinergia entre ciência e políticas públicas.
A estrutura inicial do SinBiose seria composta de um comitê científico, assessorado por um comitê consultivo internacional. Além disso, haveria um corpo administrativo e um time operacional de tecnologia da informação, comunicação e assistência educacional.
O modelo inclui ainda um diretor científico, assim como pós-doutores, todos em regime de dedicação exclusiva ao centro. Além deles, pesquisadores experientes dedicados exclusivamente ao centro por um período determinado trabalhariam no SinBiose. Os membros dos grupos de trabalho devem se reunir uma ou duas vezes por ano para verificar o andamento dos trabalhos e definir os próximos passos.
“Nossa ideia é que haja um espaço físico, a princípio em Brasília, onde essa interação possa ocorrer. Será necessária uma alta capacidade de informática, o que não precisa ser nesse lugar, pois hoje isso pode ser feito em nuvem. Além disso, um conjunto de pós-doutores com dois ou três anos de pós-doutorado e pesquisadores espalhados pelo Brasil que poderão convergir a esse centro no momento que quiserem”, disse Joly.
“O centro é uma forma ainda de trazer conhecimento da área de humanidades, pois não serão envolvidas apenas a parte biológica e a ecológica, mas será necessário encontrar soluções que englobem pessoas, comunidades, e para isso serão necessários profissionais dessas diferentes áreas”, disse.
Segundo Joly, os resultados se darão na forma de publicações científicas, mas principalmente em soluções de problemas práticos que as populações enfrentam. “A produção científica vai ser uma parcela pequena do resultado. Ela é necessária, mas o foco será resolver um problema de uma bacia hidrográfica onde há conflito de uso de água, por exemplo. E fazer a interface com governos e autoridades”, disse.
Modelos internacionais
Pesquisadores participantes do evento apresentaram o funcionamento de centros de síntese nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Alemanha.
O Canadian Institute for Ecology and Evolution (CIEE) se destaca por ser uma instituição sem estrutura física, que usa pessoal das próprias universidades em que os pesquisadores-membro trabalham. O centro brasileiro iniciará as atividades seguindo esse modelo “virtual”, enquanto não se decide sobre a estrutura com uma sede física.
“Nosso centro tem um bom custo-benefício. É algo bem flexível e um programa realmente nacional, pois não há uma região em que esteja localizado. Essa é uma vantagem de um programa virtual”, disse Diane Srivastana, diretora do CIEE e pesquisadora da Universidade de British Columbia.
“No entanto, há algumas limitações. Os líderes de cada grupo têm mais trabalho, em termos de logística, e não temos uma infraestrutura de pessoal para suporte computacional e financeiro. Abrimos mão de algumas coisas por conta desse modelo”, disse Srivastana.
A síntese de dados em biodiversidade no CIEE tem sempre um objetivo voltado para a solução de problemas. Srivastana deu como exemplo um programa que está recuperando a população de peixes comerciais na costa de Newfoundland, no leste do país, que pode recuperar a economia local abalada com a escassez do bacalhau.
Outro modelo apresentado foi o do Synthesis Centre for Biodiversity Sciences (sDiv), na Alemanha. Diferentemente do canadense, o centro alemão tem uma sede física, em Leipizig, e seus grupos de trabalho não buscam necessariamente um fim social para as pesquisas realizadas.
“No entanto, as propostas devem abordar o tópico determinado em um sentido amplo. Um projeto sobre biota de solo, por exemplo, não terá só biólogos e ecólogos, mas pesquisadores que vão olhar para os aspectos geográfico, da química do solo, ou mesmo usar dados novos que ainda não foram utilizados para esse tipo de estudo, por exemplo”, disse Marten Winter, coordenador científico do sDiv.
Estiveram no evento ainda Thomas Meagher, chairman do Environmental Omics Synthesis (EOS), do Reino Unido, Emilio Bruna, da Universidade da Flórida e Laura Meagher, especialista em estudos transdisciplinares. Jon Kramer, diretor de ciência interdisciplinar do National Socio-Environmental Synthesis Center (SESYNC), dos Estados Unidos, e Jerôme Chave do LABEX-CEBA (Center for the Study of Biodiversity in Amazonia), localizado na Guiana Francesa, também participaram fazendo apresentações via internet. Todos falaram dos centros de síntese que dirigem e das possibilidades de colaboração.
Foco em soluções
Uma das principais demandas dos órgãos de fiscalização hoje no Brasil é a falta de dados científicos confiáveis para fundamentar decisões políticas. Por isso, Kátia Torres Ribeiro, da Coordenação Geral de Pesquisa e Monitoramento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e Ana Paula Fioreze, superintendente adjunta de Operações e Eventos Críticos da Agência Nacional de Águas (ANA), mostraram os programas que conduzem e as principais demandas que um centro de síntese poderia suprir.
“Nossa expectativa é que um centro de síntese forneça um acesso mais fácil ao que é mais recente e mais avançado em ciência. Uma vantagem desse centro seria endereçar uma questão que não está bem resolvida, que é a interação entre a gestão de água e a gestão ambiental”, disse Fioreze à Agência FAPESP.
“São informações que não são totalmente acessíveis e precisam ser consolidadas para que isso possa de fato ser incorporado na tomada de decisão. Ciência é uma das camadas dessa tomada de decisão, mas se ela for de difícil acesso não vai ser considerada da maneira que deveria”, disse Fioreze.
André Julião | Agência FAPESP
Fonte: Fapesp