Falta energia à Agência Internacional de Energia…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Introdução
O relatório World Energy Outlook 2025 (WEO-2025) da Agência Internacional de Energia (AIE) foi lançado como a principal referência global em análises energéticas. Contudo, apesar de sua abrangência, ele já nasce limitado diante da revolução tecnológica e estrutural que se impõe ao setor energético.
Parece mesmo faltar “energia” à Agência Internacional de Energia…
Este artigo apresenta uma análise crítica das lacunas do relatório e propõe uma visão alternativa para o futuro da energia.
1. A Era da Eletrônica na Eletricidade
O relatório fala em “chegada da era da eletricidade”, mas isso é impreciso. Afinal, estamos na era da eletricidade há mais de 120 anos!
O que vivemos agora é a era da eletrônica aplicada à energia, marcada pela digitalização, pelo controle avançado e pela integração de novas tecnologias.
O grande avanço obtido na atual transição do final do século XX para o atual século XXI, foi o domínio sobre o movimento de elétrons nos sistemas de baixa potência para processamento de dados, avançando de forma disruptiva na tecnologia do uso da geração e distribuição de energia – incluso a de alta potência, controlando processos, processando informações, gerando sinais e possibilitando o avanço sobre novas formas de gerar mais energia.
O WEO-2025 falha absolutamente ao não reconhecer plenamente essa transição.
2. O Paradoxo da Rede Elétrica
Na verdade, apesar da evolução na geração e no consumo, a infraestrutura de transmissão e distribuição permanece praticamente inalterada desde a passagem do século XIX para o XX.
Linhões e cabos de força continuam sendo a espinha dorsal, enquanto as chamadas smart grids apenas adicionam camadas digitais sem alterar a estrutura física.
No momento em que nos deparamos com grandes desafios de ordem ambiental e geoclimática em todo o mundo, nos preocupamos em ampliar nossa resiliência e adaptabilidade buscando “fontes limpas e renováveis” de energia, ignorando que o maior desafio estratégico é modernizar toda a logística de geração e distribuição.
Mantemos o avanço de nossa civilização apoiado num fóssil tecnológico que, paradoxalmente, absorve a revolução digital para manter-se funcional.
3. O Legado de Tesla e a Via Eletromagnética
Nikola Tesla antecipou a possibilidade de transmissão de energia sem fios. Retomar sua visão, agora, é vital para superar gargalos de distribuição em países continentais e áreas inóspitas.
A transmissão eletromagnética deveria ser o grande foco dos esforços internacionais. Ela permitiria:
- Cobertura universal sem cabos físicos.
- Flexibilidade para atender comunidades isoladas.
- Resiliência contra desastres naturais.
- Integração com hubs e redes inteligentes.
É necessário para tanto superar os entraves conceituais para assimilar a assimetria contida nessa nova articulação logística – não-linear e caracterizada por intensa colaboração de novos atores, antes impensáveis para a tarefa.
4. Transmissão Não-Linear: da Terra ao Espaço
A nova arquitetura energética deve ir além da linearidade.
Fontes solares no espaço cósmico poderiam enviar energia por feixes eletromagnéticos diretamente à Terra.
Essa nova arquitetura já está em análise pela Agência Espacial Europeia – pois o continente- hoje, sofre enormemente com um sistema de distribuição congestionado e pouco espaço para disposição de novas fontes. Faz sentido buscar a energia solar com paineís solares que otimizariam sobremaneira a absorção da energia no espaço, desde que a transmissão remota fosse possibilitada.
Drones e proto-satélites, em grande altitude, também funcionariam como retransmissores, criando uma rede atmosférica capaz de triangulação entre origem, destino e pontos intermediários. Esse sistema superaria todas as limitações hoje encontradas na transmissão por linhões.
5. Hubs como Núcleo da Rede Energética
Os hubs – Technical Energy Hubs, seriam o verdadeiro núcleo do sistema, superando a centenária arquitetura atual, composta de redes primárias, subestações (transformadores, disjuntores), linhas aéreas/subterrâneas (cabos, postes, isoladores), redes de média/baixa tensão, e dispositivos de proteção/controle (relés, chaves).
Os Hubs formam Núcleos de Energia Colaborativos que passam a compor um sistema local e integrado por diferentes fontes de produção (renováveis ou não), sistemas modernos de armazenamento (como baterias), de forma a atender demandas de consumo coordenadas de forma inteligente.
A característica dessa nova logística é:
a. Gerenciar a produção e o consumo localmente para maximizar a eficiência energética e minimizar as perdas na rede de distribuição.
b. Integrar por vias não lineares recursos energéticos distribuídos (como painéis solares residenciais e veículos elétricos), de forma flexível, direcionando-os ou não à rede principal, garantindo maior resiliência a interrupções.
c. A integração de Múltiplos Vetores podem gerenciar não apenas eletricidade, mas também outros vetores de energia, como calor ou gases (hidrogênio), otimizando o sistema energético de uma área (um bairro, um campus industrial, uma cidade) de forma holística.
Em resumo, enquanto os componentes tradicionais formam a infraestrutura física da distribuição, o conceito de hubs de energia representa uma abordagem inteligente e sistêmica para gerenciar a infraestrutura de forma mais eficiente na era das “redes inteligentes” (Smart Grids).
Enfim, o sistema inovador permitirá:
- Integração de macro e micro sistemas.
- Bidirecionalidade plena da energia.
- Eficiência e redução de perdas.
- Transição justa, incluindo comunidades isoladas.
6. O Papel Subestimado da Inteligência Artificial
A IA é o catalisador da revolução energética. Sem IA, a rede continua sendo apenas infraestrutura física digitalizada. Com IA, torna-se um organismo vivo, capaz de aprender e evoluir.Senão vejamos:
Algoritmos de aprendizado de máquina podem exercer com eficiência a Previsão de Carga e Geração; analisam dados históricos de consumo, clima e mesmo eventos sociais para prever com precisão a demanda de energia (carga) e a produção de fontes variáveis. Isso permite que as operadoras equilibrem a rede de forma proativa.
A Gestão de Fontes por IA otimiza a integração de energia de fontes múltiplas na rede, gerindo intermitências e ajustando outras fontes de geração para garantir a estabilidade.
O Monitoramento e Manutenção Preditiva processa dados de sensores e sistemas de monitoramento para identificar precocemente potenciais falhas antes que ocorram. Com isso a IA reduz custos e interrupções.
A Resposta a Falhas (Self-Healing Grids) tais como as sentidas no recente vendaval que assolou a Região da Grande São Paulo, como quedas de árvores e interrupções em larga escala, seria extremamente otimizada neste novo quadro. A reconfiguração da rede pode isolar áreas afetadas e restaurar o serviço para o maior número de clientes possível.
O fluxo de energia na rede,em tempo real, redireciona a eletricidade para onde é mais necessária, aumentando a eficiência e evitando sobrecargas.
A Gestão de Microrredes por IA pode gerir pequenos sistemas de energia localizados, muitas vezes com geração solar própria e armazenamento por baterias.
Por fim, a Resposta à Demanda (Demand Response), interage com dispositivos inteligentes em residências e empresas (como termostatos e carregadores de veículos elétricos) – introduzindo logística colaborativa para ajustar automaticamente o consumo de energia em horários de pico ou para estabilizar a rede.
7. O Acordo de Paris e o Termostato de Papel
Em termos técnicos, geológicos e físicos, mudanças climáticas constituem um pleonasmo.
Nesse sentido, o Acordo de Paris falhou completamente quando estabeleceu metas termostáticas antrópicas, para prevenir alterações na temperatura média do planeta.
De fato, o Acordo de Paris muito tem interferido no planejamento energético global, gerando conflitos institucionais sob o manto de um consenso político travestido com verniz científico. Isso cria entraves ao avanço de uma arquitetura energética mais dinâmica e emgessa o avanço da modernização no uso das matrizes disponíveis por conta de metas voluntárias de redução de emissões locais, com resultados absolutamente imprecisos. Definitivamente, um modelo institucional atropelado pelos fatos.
Metas voluntárias, desprovidas de mecanismos eficazes de sanção e desacompanhadas de métodos econométricos de aferição de resultados, jamais poderão conferir segurança ou interromper a dependência estrutural do sistema por combustíveis fósseis.
O entrave climático – constatado na fracassada COP de Belém, deveria ter sido avaliado pela agência de Energia.
8. Conciliação, não Substituição
A transição energética não deve jamais ser pensada como uma forma de substituição, mas como um caminho dinâmico para a conciliação entre diferentes matrizes.
O futuro está na integração de matrizes energéticas – de fósseis, renováveis, nuclear e novas tecnologias em uma rede dinâmica, flexível e justa.
O objetivo do próprio Tratado Quadro de Mudanças Climáticas é a adaptação e a resiliência – vinculado à garantia alimentar e segurança energética para a população do planeta, respeitadas as diferenças e assimetrias nacionais.
Nesse sentido, o debate parece ter se perdido na última década, desmoralizando o discurso climatista.
9. Novos Paradigmas da Energia Nuclear
A energia nuclear é um exemplo dessa “perda de sentido” na arquitetura energética.
A trilha tecnológica nuclear é vinculada à própria razão determinante da entropia quemarca a relação do Sol com nosso planeta. Deve, portanto, ser vista como conciliadora, não substituta.
Na perpectiva de uma nova rede não linear, os SMRs (Small Modular Reactors), compactos e escaláveis, tornam-se ideais para hubs locais.
A Fusão nuclear – grande objetivo estratégico desta trilha, conferirá geração limpa e praticamente ilimitada nos próximos anos, e já possui protótipos sendo testados.
Os Reatores de 4ª geração já atuam com maior eficiência, menor geração de resíduos e uso de combustíveis alternativos.
Posto isso, a Integração com IA e hubs, tendo a energia nuclear como âncora de estabilidade dentro da rede fractal, mostra-se um caminho disruptivo.
Ademais, no momento em que a rota do hidrogênio verde se depara com custos quase intransponíveis – face à escala demandada, a produção do H2 Rosa apresenta-se como extrema.ente viável.
Waste & sewerd to Energy
A Recuperação de calor do esgoto (sewer heat recovery), envolve extração da energia térmica das águas residuais para aquecimento ou resfriamento de edifícios, e o aproveitamento energético do lodo de esgoto – por meio de processos de digestão anaeróbica para produzir biogás, ou termo-tratamento em usinas de recuperação energética (URE), devem demandar maior esforço por parte dos atores empenhados no setor de Waste-to-Energy (WtE).
Na verdade, o caminho da economia circular tem rendido muito discurso e pouca efetividade quando o assunto avança para o campo da gestão hídrica do saneamento.
Conclusão
O relatório da AIE 2025 é sólido dentro da lógica atual, mas obsoleto diante da revolução estrutural necessária.
O futuro da energia demanda postura institucional muito mais dinâmica que a atualmente ofertada. Exige:
- Reconhecimento da era da eletrônica na eletricidade.
- Modernização da infraestrutura de transmissão.
- Resgate da visão de Tesla.
- Transmissão não-linear via espaço e atmosfera.
- Hubs como núcleo da rede.
- Inteligência Artificial como catalisador.
- Conciliação de matrizes energéticas.
- Inclusão dos novos paradigmas da energia nuclear.
Somente assim será possível construir uma arquitetura energética resiliente, inclusiva e preparada para os próximos séculos.
Referências
- International Energy Agency – IEA. “World Energy Outlook 2025 – IEA”. In https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2025
- Associação dos Reguladores de Energia dos Países de Língua Oficial Portuguesa – RELOP. “Lançamento do WEO-2025”. In https://relop.org/news/plano-de-atividades-2025/
- Sigma Earth. “Riscos crescentes na era da eletrificação”. In https://sigmaearth.com/pt/category/renewable-energy/nuclear-energy/
- Pedro, A.F.P. – “Saindo da Zona de Conforto Ecologista Para Derrubar Mitos”. In https://www.theeagleview.com.br/2017/04/saindo-da-zona-de-conforto-ecologista.html
- Pedro, A.F.P. – “O Imperativo Econômico da Recuperação Energética dos Resíduos”. In https://www.theeagleview.com.br/2020/08/o-imperativo-economico-da-recuperacao.html
- Pedro, A.F.P. – “O Apagão da Logística Reversa”. In https://www.theeagleview.com.br/2013/04/lei-de-residuos-solidos-risco-de-apagao.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor estratégico e ambiental, com serviços prestados e estudos publicados junto a organismos multilaterais como a ONU (Unicri e Pnud), Banco Mundial, IFC, Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, governo brasileiro e grandes corporações. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados e diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, é membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Presidente da UNIÁGUA – Instituto Universidade da Água e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 16/12/2025
Edição: Ana Alves Alencar
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