Por Jorge Abrahão*
Cerca de 25% dos recursos propostos no Plano Plurianual irão considerar índice de vulnerabilidade dos distritos para a alocação das verbas
A idade média ao morrer nos distritos pobres de São Paulo é de aproximadamente 58 anos. Nos ricos, é de 81. Ou seja, a diferença de tempo de vida é de 23 anos dentro da mesma cidade, a mais rica da América Latina. Ao analisar os números da pandemia, comprovou-se que morreram mais pobres do que ricos em São Paulo. Os dados não dão margem a dúvidas: a desigualdade é vingativa e cobra com vida o seu desprezo.
A razão para esse descalabro é a desigualdade no acesso à saúde, à educação, à habitação, à água e ao esgotamento sanitário, à renda, além da maior mortalidade infantil e homicídio de jovens, especialmente jovens negros.
Para reduzir a desigualdade —parece óbvio, mas não é— muitas entidades têm defendido que é necessário investir mais nos locais com maiores necessidades e que o orçamento regionalizado muito contribuiria para melhor entender para onde vão os recursos.
Por incrível que pareça, São Paulo, em pleno 2021, ainda não tem um orçamento que permita identificar quanto está sendo investido em cada distrito e, com isso, saber o investimento per capita nas diferentes regiões da cidade. A partir daí, poderiam ser justificados investimentos maiores nos locais mais vulneráveis visando à redução das desigualdades.
Nas eleições municipais de 2020, a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Tide Setubal criaram uma proposta chamada Reage SP —entregue a todos os candidatos à prefeitura— que compreendia 50 metas para a cidade ser mais justa e sustentável até 2030 (desdobradas para cada gestão de quatro anos), além da redistribuição do orçamento considerando a vulnerabilidade do distrito e a participação da sociedade nas decisões.
Na falta de um critério claro para distribuição dos recursos públicos e sem um histórico do volume de recursos recebidos por cada região da cidade, foi, então, criado um índice para redistribuir os recursos de investimento dos próximos anos. Esse índice, proposto no projeto da Rede Nossa São Paulo em parceria com a Fundação Tide Setubal, foi aprofundado no diálogo entre a Fundação e a Prefeitura de São Paulo, por meio de acordo de cooperação técnica. Assim, temas como acesso à renda, emprego formal, saneamento básico, habitação e incidência de violência letal foram determinantes para priorizar as regiões mais vulneráveis.
Agora, no final do mês de setembro, a Prefeitura de São Paulo tomou uma decisão inédita no Brasil: um quarto do volume de recursos de investimento propostos no PPA (Plano Plurianual) enviado à Câmara vai considerar o índice de vulnerabilidade dos distritos para a alocação dessas verbas. Em outras palavras, significa que os distritos com maiores necessidades irão receber mais recursos. Ou seja, os investimentos tratarão desigualmente os desiguais, o que é um primeiro e importante passo para a redução das desigualdades na cidade.
A efetividade da correta destinação desse volume de recursos, da ordem de R$5 bilhões para os próximos quatro anos, será aferida pela sociedade e é apresentada como um compromisso da gestão municipal, podendo ser (por que não?) ampliada para além desse montante inicial de investimentos.
Ações como essa dão a medida da importância do protagonismo que as cidades podem ter mesmo em um momento como o que vivemos, com um claro retrocesso nas políticas públicas voltadas à redução de desigualdades em nível federal.
Com isso, São Paulo pode inspirar outras cidades brasileiras a enfrentar a raiz de tantos problemas que temos e o maior desafio de nosso país: a desigualdade.
E, quem sabe, poderemos daqui a alguns anos promover o direito à equidade de vida e dizer que a idade média ao morrer na cidade independe do lugar em que se mora.
*Jorge Abrahão – Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.
**Conteúdo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo.
Fonte: Rede Nossa São Paulo
Publicação Ambiente Legal, 14/10/2021
Edição: Ana Alves Alencar
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