GEOLOGIA DE ENGENHARIA, O QUE É, COMO TRABALHA E SUAS RELAÇÕES COM A ENGENHARIA GEOTÉCNICA
Por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
Mesmo constituindo-se em uma das geociências aplicadas de maior e crescente importância para o sucesso dos empreendimentos humanos no planeta, e para o sucesso da própria Humanidade como espécie, a Geologia de Engenharia ainda é pouco conhecida do grande público e até de setores técnicos próximos, especialmente no que se refere à sua conceituação, sua vinculação científica principal e seu raio de ação.
Entre os campos de aplicação da Geologia destacam-se a Geologia Econômica, que tem por missão a busca e a lavra de todos os recursos minerais de interesse do Homem (aí inclusos todos os tipos de minérios, o petróleo, o gás natural, a água subterrânea), e a Geologia de Engenharia, cuja missão maior é compatibilizar tecnicamente toda intervenção do Homem no planeta com as características geológicas naturais de cada região ou local afetado.
Para o atendimento de suas necessidades (energia, transporte, alimentação, moradia, segurança física, saúde, comunicação…), o Homem é inexoravelmente levado a ocupar e modificar espaços naturais das mais diversas formas (com cidades, indústrias, usinas elétricas, estradas, portos, canais, agropecuária, extração de minérios e madeira, disposição de rejeitos ou resíduos industriais e urbanos), fato que já o transformou no mais poderoso agente geológico hoje atuante na superfície do planeta.
Caso esses empreendimentos não levem em conta, desde seu projeto até sua implantação e operação, as características dos materiais e dos processos geológicos naturais com que vão interferir e interagir, é quase certo que a Natureza responda através de acidentes locais (o rompimento de uma barragem, o colapso de uma ponte, a ruptura de um talude, por exemplo), ou problemas regionais (o assoreamento de um rio, de um reservatório, de um porto, ou a contaminação de solos e de águas subterrâneas, por exemplo), conseqüências extremamente onerosas social e financeiramente, e muitas vezes trágicas no que diz respeito à perda de vidas humanas. Fornecer informações para que essas ações humanas levem corretamente em conta o fator geológico, garantindo então seu êxito técnico/econômico/social e evitando as graves conseqüências referidas, constitui o objetivo essencial da Geologia de Engenharia.
De uma forma concisa, podemos entender a Geologia de Engenharia como a Geociência Aplicada responsável pelo domínio tecnológico da interface entre a atividade humana e o meio físico geológico.
É indispensável, nesse contexto, que o Geólogo conheça exatamente quais os tipos mais comuns de solicitação que os diferentes empreendimentos (barragens, estradas, minerações, cidades, metrôs, aterros sanitários, fundações, agropecuária, etc.) impõem aos terrenos, o que lhe permitirá orientar e objetivar as investigações que se seguirão e a comunicação de seus resultados.
De outra parte, é fundamental para o sucesso das operações de engenharia que estas se apóiem em um perfeito casamento entre a solução adotada, as características geológicas dos terrenos e materiais afetados e os processos geológico-geotécnicos naturais ou eventualmente provocados pela implantação de um pretendido empreendimento. Daí a essencial importância da exatidão do diagnóstico fornecido pelo Geólogo de Engenharia, no âmbito do qual devem estar descritos todos os fenômenos que podem ser esperados da interação entre solicitações típicas do empreendimento e o meio físico geológico. Ou seja, a GE tem uma abordagem técnica essencialmente fenomenológica.
Por outro lado, a GE só conseguirá cumprir cabalmente essa responsabilidade, e assim ser útil à Engenharia e à sociedade em um sentido mais amplo, na medida em que não se descole de suas raízes disciplinares, de sua ciência-mãe, a Geologia, o que significa exercitar e priorizar como seu principal instrumento de trabalho, o raciocínio geológico. Essa precaução a fará sempre ter como ponto de partida a consciência de que qualquer ação humana sobre o meio fisiográfico interfere, não só limitadamente, em matéria pura, mas significativamente, em matéria em movimento, ou seja, em processos geológicos, sejam eles menos ou mais perceptíveis, sejam eles mecânicos, físico-químicos ou de qualquer outra natureza, estejam eles temporariamente contidos ou em pleno desenvolvimento.
A Geologia de Engenharia, por outro lado, integra, com a Mecânica dos Solos e com a Mecânica das Rochas, alimentando-se reciprocamente, o grande campo da Geotecnia, o qual reúne todo o ferramental científico e tecnológico para o mais correto equacionamento, dimensionamento e execução de obras de engenharia no que diz respeito às suas relações com os terrenos e materiais naturais com os quais interferem.
Extremamente importante em sua prática profissional e em suas relações no âmbito do sistema CONFEA/CREAs que geólogos e engenheiros comunguem perfeito entendimento sobre a natureza e fundamentos de suas responsabilidades específicas no desenvolvimento de projetos de engenharia. Será sempre a mais exata compreensão dessas diferentes responsabilidades que permitirá o indispensável convívio harmonioso entre as duas categorias profissionais.
Em sã consciência não há hoje quem ponha em dúvida a fundamental importância dos projetos de engenharia, ou quaisquer outras intervenções humanas sobre o planeta, levarem em plena consideração as características geológicas dos terrenos por eles afetados.
Entretanto, são ainda comuns no ambiente geotécnico brasileiro dúvidas e desencontros muito grandes sobre como deve desenvolver-se na prática profissional real essa indispensável interação entre a Geologia e a Engenharia; em nosso caso, mais precisamente entre a Geologia de Engenharia e a Engenharia Geotécnica.
Em não raros casos essa dificuldade explica-se ainda em visões limitadas e preconceitos menores de parte a parte, mas não há dúvida que fundamentalmente é o desconhecimento teórico sobre como devem metodologicamente interagir essas duas geotecnologias aplicadas que se impõe como o principal fator limitante de um trabalho mais rico e resolutivo entre os profissionais envolvidos.
De início, importante firmar alguns conceitos de partida. O grande campo da Geotecnia é composto basicamente pela Engenharia Geotécnica (EG) e pela Geologia de Engenharia (GE). Partem, portanto, dessas duas geotecnologias os conhecimentos necessários a levar a bom termo qualquer empreendimento humano que interfere diretamente no meio físico geológico, ou que usa materiais geológicos naturais como elementos construtivos.
Importante nesse contexto interdisciplinar entender que ainda que em todas as fases de um empreendimento deva existir sempre um sadio e eficiente espírito de equipe, uma ação continuamente colaborativa e interdisciplinar entre as diversas modalidades profissionais atuantes, é fundamental que nunca se perca de vista a responsabilidade maior que uma modalidade deva exercer, e por ela responder, em cada atividade e em cada fase de trabalho.
Nas investigações geológico-geotécnicas que antecedem o Projeto e o Plano de Obra e se prolongam no período de obra e na própria operação do empreendimento, essa responsabilidade maior é da GE.
No entanto, é preciso que fique muito claro a todos que a missão da GE não se reduz a entregar à engenharia um arrazoado sobre a geologia local, a posição do NA, um punhado de perfis e seções geológicas e outro punhado de índices geotécnicos relativos aos diversos materiais presentes. Como já vimos, o trabalho da GE transcende essa limitada e apequenada visão meramente descritiva e parametrizadora, ainda infelizmente bastante comum entre geólogos executantes e engenheiros geotécnicos demandantes.
A abordagem da GE é essencialmente fenomenológica. Todos os dados e informações anteriormente mencionados são muito importantes, mas o produto final e essencial das investigações geológico-geotécnicas na fase anterior ao Projeto e ao Plano de Obra é um Quadro Fenomenológico onde todos esses parâmetros não estejam soltos ou isolados, mas sim associados e vinculados a esperados comportamentos do maciço e dos materiais afetados pelas futuras solicitações da obra. Ou seja, a missão maior da Geologia de Engenharia está em oferecer à Engenharia (lato sensu) um quadro completo dos fenômenos geológico-geotécnicos que podem ser esperados da interação entre as solicitações típicas do empreendimento que foi ou será implantado e as características geológicas (materiais e processos) dos terrenos por ele afetados. A esse quadro fenomenológico a GE junta suas sugestões de cuidados e providências que projeto e obra deverão adotar para ter esses fenômenos sob seu total controle .
Assim, todo o esforço investigativo da GE deve ser orientado, desde o primeiro momento, a propor, aferir, descartar e confirmar hipóteses fenomenológicas, de forma a, ao final, obter seu quadro fenomenológico.
A partir desse ponto a GE entrega o bastão de comando (e responsabilidade maior) para a Engenharia Geotécnica, passando a assumir, nesta nova fase, o papel de apoio e complementação. Lembrando que a frente de obra sempre constituirá um lócus privilegiado para a confrontação das hipóteses levantadas, para as investigações complementares que se mostrem necessárias e para o monitoramento dos parâmetros geológicos e geotécnicos envolvidos nos fenômenos identificados como possíveis.
Por seu lado, a Engenharia Geotécnica, entendida como a engenharia dedicada à resolução dos problemas associados às solicitações impostas pelos empreendimentos humanos ao meio físico geológico, tem como sua missão maior a definição final, em âmbito de Projeto e Plano de Obra, das soluções de engenharia e seus exatos dimensionamentos físicos e matemáticos, zelando, juntamente com a GE, pela plena compatibilidade e solidariedade entre as soluções adotadas e os fenômenos geológico-geotécnicos a que se relacionam.
Dentro desse entendimento, ainda que sempre no âmbito de um trabalho permanentemente solidário e colaborativo, será de total responsabilidade da Geologia de Engenharia qualquer problema que venha a acontecer e que decorra de fenômeno geológico-geotécnico que não tenha sido previsto, ou corretamente descrito, em seu Quadro Fenomenológico. Como será de total responsabilidade da Engenharia Geotécnica qualquer problema que ocorra pelo fato do projeto e/ou do plano de obra não ter levado em conta, e da maneira adequada, algum fenômeno potencial incluído no referido Quadro.
PODCAST
A revista Fundações e Obras Geotécnicas, da Editora Rudder, está iniciando uma série de depoimentos técnicos sobre temas de fundo mais permanentes na Geotecnia brasileira. Esse registro é feito através da gravação em “Podcast” com o link dessa gravação divulgado no site da Revista.
O primeiro piloto dessa série, sob o título “GEOLOGIA DE ENGENHARIA, O QUE É, COMO TRABALHA, E SUAS RELAÇÕES COM A ENGENHARIA GEOTÉCNICA” é do geólogo Álvaro Rodrigues.
Ouça o podcast clicando aqui.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
• Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
• Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções” e “Manual Básico para a Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”
• Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
• Prêmio Ernesto Pichler da Geologia de Engenharia brasileira
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O texto “Uma aula sobre Geologia de Engenharia e Engenharia Geotécnica” é excelente e seus conceitos esclarecedores são pertinentes às minhas aulas de “Mineralogia Industrial, Energética e Ambiental” do curso de Química Industrial da Escola de Química e “Tratamentos QUímicos de Resíduos Industriais” do curso de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da UFRJ. Falta indicar a data de sua divulgação.
Seus livros aparentam ser pioneiros.