Uma análise fria dos riscos que corremos e da interconexão da crise de confiança nas instituições da justiça e dos militares
A toga e a farda exigem honra, dedicação, mérito, discrição e despojamento. Esse é o segredo de sua técnica e de sua legitimidade. Se uma é manchada, a outra se rasga.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A civilização humana se distingue de qualquer outra forma de vida animal por se desenvolver com base em valores morais, conquistados deontologicamente. A moral é a grande arma humana na milenar e constante batalha travada pela civilização entre o bem e o mal.
Na luta pela construção da civilização humana, os hipócritas fazem da mentira escudo para a própria covardia moral e conduzem os seus em direção ao que é mau. Já os autênticos lutam pela verdade e buscam, por meio da coragem moral, fazer o bem. Estes últimos, ainda que sofram perdas, conduzem os seus em direção ao que é bom. Essa vitória histórica da moral em prol do bem, nos trouxe a cultura, a civilidade, a religiosidade, a filosofia, a ciência, a pluralidade e a democracia – colunas que sustentam a arquitetura da sociedade aberta.
Nessa batalha, distinguem-se os dois guardas costas subordinados à Sociedade Politicamente Organizada, para atuarem na defesa da Soberania, da Lei e da Ordem e, nas Modernas Nações imersas no Estado de Direito, sobretudo na defesa da Soberania Popular e do cidadão – razão de ser desta, contra o arbítrio.
Essas instituições sempre foram interconectadas, seja pela submissão à Política – seja pela sua funcionalidade histórica na resolução de conflitos humanos, dos interpessoais aos internacionais.
Me refiro ao organismo da Justiça e às Forças Armadas, Instituições eminentemente técnicas e intimamente dependentes da legitimidade política, da força moral e do prestígio popular, para exercerem sua atividade.
De fato, a Política é uma ferramenta civilizatória. Fruto do artifício humano; meio de instrumentalizar a razão, a legitimidade, o senso de justiça e a responsabilidade nas relações e trato dos conflitos que inspiram causas em torno do poder do Estado e entre os Estados. Nesse sentido, esses dois “guardas” – o Organismo da Justiça e as Forças Armadas, constituem elementos indissociáveis no estudo das conexões, propósitos e resultados nos eventos relacionados aos Conflitos de Poder, e destes com e entre as pessoas, no campo jurídico, militar, geopolítico, geoeconômico e social.
Tal qual em Roma Antiga…
Em Roma, a espada das Legiões exercia a conquista e defesa da Civilização – constituída pela União do Senado com o Povo romano – daí o famoso termo SPQR – Senatus Populusque Romanus. Assim a força garantia a Soberania.

Já a espada da Justiça exercia a defesa dos quatro princípios do direito civilizatório romano: a Vida, a Liberdade, a Propriedade e a Segurança – princípios esses adotados na relação dos Estados Modernos. A Lei Romana era feita pelo Senado, e sua aplicação se fazia no Fórum, pela doutrina dos advogados e decisões dos pretores – cuja reação química resultava na Jurisprudência. Assim, a Soberania garantia a força. Essa construção do Direito se faz, hoje, pela Soberania Popular, seguindo os mesmos padrões de relação orgânica do Parlamento com o Povo e da aplicação da Lei pelo judiciário, integrado pela advocacia.
Ou seja, se uma espada cai, a outra sucumbe. E essa relação de absoluta interdependência vige até os dias de hoje, obviamente mais evoluída e proporcionalmente mais complexa. Isso torna o sistema de defesa da Soberania ainda mais necessário.
O quadro da interdependência no Brasil
No quadro atual, o quadro político do Brasil corre enorme risco de sucumbir, levando consigo os quatro princípios civilizatórios… e sua defesa soberana. E isso se dá por conta da perda efetiva e notória da credibilidade nas instituições da Justiça e das Forças Armadas… e profunda desconfiança na vigência da necessária e vital interdependência.
Irei me abster de vieses. Tratando de analisar friamente os efeitos dessa quebra de confiança.
Observemos os riscos:
A crise de confiança nas Forças Armadas
Uma crise de confiança nacional em relação às forças armadas pode levar a uma crescente desconfiança pública, afetando o moral e a motivação dos soldados.
Se a população não acredita na legitimidade ou na integridade das forças armadas, isso pode resultar em um descrédito institucional.
O abismo entre a população civil e as forças armadas conduz á desconexão, levando a uma percepção negativa do papel militar e dificultando a cooperação em situações de emergência ou desastres.
A falta de confiança reduz o interesse da juventude na assunção de carreiras militares, cria dificuldades para o recrutamento e a manutenção de efetivos, essenciais para a segurança nacional. Em contrapartida, a queda de qualidade leva à introdução de quadros subalternos e desprovidos dos valores necessários à funcionalidade da institituição e disciplina militares, consolidando a desconexão.
Valores são essenciais para a motivação militar na defesa da Pátria. Sua ausência conduz a força militar a agir CONTRA ela e seu povo.
De fato, forças armadas são garantidoras da estabilidade nacional. A perda de credibilidade gera incertezas políticas e consequências imprevisíveis na hipótese de intervenção militar em crises políticas face à periclitação da Ordem, ainda que legalmente prevista.
Diante de uma desconfiança pública crescente, torna-se inevitável a pressão por mudanças nas políticas de defesa e segurança, incluindo a demanda por maior transparência e responsabilização das forças armadas. Essa percepção negativa impacta a imagem internacional da Pátria, fragilizando sua soberania e prejudicando alianças estratégicas, bem como a cooperação em áreas de defesa.
O risco de tensões sociais se amplia, ampliando a possibilidade efetiva de protestos e conflitos entre civis e forças armadas, especialmente se estas passarem a ser vistas como opressivas ou abusivas. O efeito é devastador sobre a capacidade das forças armadas atuarem nas situações de crises internas, como conflitos civis ou desastres naturais, comprometendo a própria segurança nacional.
É da verve militar contar, na retaguarda de sua atividade, com a confiança popular e resguardo de seus atos. Transparência e responsabilidade são fundamentais e, quando o respeito não mais advém da farda, é sinal que a instituição não mais responde à sua finalidade.
A crise de confiança no Judiciário
Já a quebra de confiança em relação ao Poder Judiciário, pode ter efeitos profundos e abrangentes na sociedade e no funcionamento do sistema legal sob o qual ela vive e sobre o qual se organiza.
A queda na confiança no Judiciário gera uma percepção generalizada de que decisões judiciais são tendenciosas, injustas ou influenciadas politicamente. O resultado é a crise de legitimidade.
Quando o público não mais confia no Judiciário, ocorre baixa adesão à autoridade de suas decisões. O fenômeno conduzirá ao desrespeito e à desconsideração do decisum – no âmbito público, civil e criminal. Geralmente, o mecanismo de disfuncionalidade se inicia pela própria burocracia implementadora da autoridade – atos judiciais tornam-se lentos, imprecisos, inefetivos e ineficazes, abrem espaço para privilégios e tratamentos desiguais na aplicação da lei e no cumprimento das sentenças.
A sensação de impunidade leva ao descrédito. No campo penal, o cidadão buscará formas alternativas de resolver conflitos, incluindo a autodefesa ou atos de violência. Nenhum discurso enfadonho evitará que a Ordem Pública termine minada pela descrença e, com isso, a segurança social fica comprometida.
A crise de confiança desencoraja o indivíduo a buscar proteção de seus direitos no Judiciário, resultando em queda na busca por justiça e no acesso a serviços jurídicos. Essa queda pode resultar até mesmo na ação inversa: a judicialização em excesso, como forma de procrastinação de inadimplentes e da própria jusburocracia de Estado – desmoralizada e qualitativamente degradada, visando postergar a prestação de serviços públicos ou ampliar a carga financeira às custas do contribuinte indefeso.
Nesse patamar de degradação, a percepção sobre a independência e a imparcialidade das instituições democráticas vai literalmente para o ralo, deslegitimando o sistema político como um todo. A jusburocracia, responsável, cúmplice, afetada e degradada pelo fenômeno, tenderá a se comportar como um dos elementos da aristocracia no antigo regime dos “Estados Gerais” – não mais se apercebendo da realidade ameaçadora instalada à sua volta.
A percepção de injustiça não tarda a gerar manifestações públicas e protestos. Decisões judiciais vistas como injustas ou abusivas promoverão maior polarização social.
A falta de confiança no Judiciário do País, irá afetar as relações internacionais, especialmente em áreas relacionadas ao direito e à justiça, dificultando a cooperação em matérias de direitos humanos e justiça criminal internacional. Foragidos e refugiados terão asilo automático, bastando o reconhecimento factual do estado de coisas inconstitucional vigente no país de origem, cuja soberania passará a ser relativizada.
A desconfiança impulsiona a pressão por reforma judiciária, seja no campo positivo quanto negativo. Se reformas forem vistas como tentativa de interferência política, o fato irá agravar ainda mais a situação.
Advogados e juristas são as primeiras vítimas da crise de confiança na Justiça. Enfrentam crise econômica, perda de credibilidade no mercado e enormes desafios para o exercício da prática profissional.
Com a organicidade comprometica e a diminuição da credibilidade e da valorização profissional, o exercício do direito torna-se uma aventura dispendiosa e desmotivadora.
Conclusão
A quebra de confiança no Judiciário, tanto quanto do exercício da atividade das Forças Armadas, é interrelacionada. As duas instituições devem se destinar ao exercício técnico de tutela do Estado e garantia do exercício da Soberania, popular e nacional.
Por isso mesmo, a crise de credibilidade nessas instituições demanda esforço conjunto – não dos agentes afetados pela perda de legitimação e credibilidade, mas, sim, dos poderes detentores de mandato popular – do Parlamento e do Executivo.
A reação dos poderes de soberania popular deverá ocorrer com transparência e legitimidade, por meio de consulta á cidadania, para restaurar, com reformas devidas, a credibilidade da justiça.
O processo, seja por via de ruptura institucional ou reforma estrutural, deverá se processar com transparência. Implicará na responsabilização dos agentes, ajustes que destruam privilégios indevidos e restaurem a autoridade, a equidade e a efetividade das Forças Armadas e do Sistema Judicial.
Isso implicará no reexame e reforma de nossa quase moribunda Constituição Federal.
A ver.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é Diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, membro do IBRACHINA Smart City Council e Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX. Pinheiro Pedro preside a tradicional Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, e é Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Como jornalista é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Artigo atualizado em Julho/2025
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 12/12/2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.