Theresa anula 850 casamentos infantis e envia meninas de volta para a escola
Por Ana Alencar
O Malawi é um pequeno país, encravado no sul da África, entre Moçambique, Zambia e Tanzania, banhado pelo grande lago Nyasa. Sua população, de aproximadamente quinze milhões de habitantes, é formada em sua maioria por cristãos (90%).
Na zona rural, habitam comunidades tribais, como os Nyanja (11.6% da população), the Kokola (1.7%), Nyungwe (0.1%), e outros pequenos grupos. Neles, costuma-se praticar a religião tribal, embora haja também cristãos.
Há, porém, uma minoria muçulmana no país, os Yawo – cuja etnia transborda as fronteiras tradicionais. Os Yawo formam três milhões de pessoas que vivem no Malawi e Moçambique.
Theresa Kachindamoto, supervisora do distrito de Dedza, na zona rural, com cem mil habitantes, sempre se destacou como líder feminista, ajudando mulheres e garotas de sua comunidade ainda quando secretária da principal escola de Zomba.
Em sua luta, Theresa liderou um movimento que culminou na proibição, por lei, no Malawi, em 2015, de mulheres se casarem antes dos 18 anos (ainda que haja consentimento dos parentes).
Em verdade, tanto pelos costumes tribais, como por conta da religião muçulmana, crianças e adolescentes eram obrigadas a se casar conforme a vontade dos parentes. Assim, mais da metade das mulheres em Malawi acabaram se casando antes dos 18 anos.
Por ser uma região muito pobre, é grande a incidência de famílias que arranjam casamentos para meninas a fim de aliviarem os gastos da casa, deixando as despesas para o futuro marido. E as consequências de comportamentos como esse, diminuem a voz feminina na sociedade.
As consequências são drásticas. Uma em cada cinco mulheres são vítimas de abuso sexual. O fato é extremamente preocupante, uma vez que os índices de HIV só crescem no país.
Para mudar esse cenário, Theresa se dedicou em ir pelas vilas da região para alertar os pais sobre os riscos e consequências de crianças casando, principalmente em relação à iniciação sexual precoce. Com muita habilidade, Theresa articulou um acordo oficial com 50 sub-chefes tribais e líderes religiosos, estabelecendo um consenso quanto à não permissão de casamentos com crianças. Com isso, ela reuniu condições políticas para combater os líderes recalcitrantes e radicais muçulmanos.
O fato é que, nos últimos 3 anos, ela já anulou mais de 850 casamentos forçados, colocou meninas na escola e começou uma luta para abolir rituais tribais que iniciam crianças sexualmente.
O trabalho é surpreendente, ainda mais em um país tão isolado e detentor de baixo Índice de Desenvolvimento Humano.
É por essas e outras que o trabalho de Kachindamoto é paradigmático, e restitui a crença no Estado de Direito em toda a região.
Theresa já trabalha na área há 27 anos e ainda assim não para de conquistar vitórias para sua sociedade. Sua meta, agora, é elevar a idade para o casamento, para os 21 anos…
Por conta de sua conduta e postura, Theresa já foi ameaçada de morte. No entanto, o Estado de Malawi está engajado na aplicação da Política Pública em causa.
O Malawi, com a lei de proibição do casamento infantil, dá importante passo em direção à valorização da igualdade de gêneros no continente africano. Sua formação predominantemente cristã, e sua estrutura de administração, ainda fortemente influenciada pela estrutura britânica, por óbvio, representa um forte apoio à iniciativa.
O exemplo é paradigmático para Moçambique, país cujo governo “socialista” lida com problemas relacionados ao avanço da religião muçulmana e à gestão dos costumes tribais.
Theresa, no entanto, segue em frente e deixa uma mensagem: “se elas (os mulheres) forem educadas, podem ser o que quiserem”.
Ou seja, poderão se tornar até esposas e mães. “Mas se elas quiserem”.