A ausência de articulação, de integração e de organização entre os organismos do governo federal, no tratamento do conflito, tornou-se absolutamente evidente, diz Pinheiro Pedro
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acompanhou pessoalmente uma operação do IBAMA (5.ago.2020), contra garimpos ilegais em terras Munduruku, na bacia do Rio Tapajós, no Pará.
Salles enfrentou manifestações de protesto de índios e garimpeiros na região. Ele foi a Jacareacanga (PA), onde está situada a base aérea de apoio à operação, lidar com o conflito.
“Não foi essa conversa que tivemos quando eu estive em Brasília. Disseram que não teria ter esse queima-queima [de máquinas]. Estou falando frente a frente porque foi isso que vocês disseram que não iria acontecer, como está acontecendo agora”, disse um representante munduruku que se apresentou como porta-voz dos manifestantes.
No segundo dia da operação, os helicópteros do IBAMA foram proibidos de levantar voo pelo Ministério da Defesa, e a operação foi interrompida.
Entenda o porquê, nesta análise situação feita por Antonio Fernando Pinheiro Pedro.
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Para Pinheiro Pedro, Ministro faria melhor se permanecesse em uma sala de situação, com os demais ministérios
Operação contraditória
“Os indígenas têm o direito de escolher como querem viver. Têm direito de escolher fazer várias atividades, dentre elas o garimpo, seguindo a lei ambiental”, disse o ministro. “Para isso é importante que a gente faça esse debate de maneira aberta. Pare de fazer de conta dessa história que os indígenas não querem garimpar, não querem produzir lavoura, como se isso fosse uma verdade absoluta”, declarou Salles aos manifestantes que, em protesto, chegaram a fechar a pista de pouso da base da aeronáutica.
A declaração foi contraditória, pois o ministro, após iniciar uma ação muito firme de destruição de máquinas e equipamentos, informou que é necessário legalizar a atividade de uma forma que não cause a devastação observada na terra Munduruku.
Não deu outra, o Ministério da Defesa proibiu, na manhã do dia 6, a decolagem de três helicópteros do Ibama estacionados na base aérea da Serra do Cachimbo, no sudoeste do Pará. As aeronaves integravam a operação contra o garimpo ilegal de ouro na região. Na véspera, agentes do órgão ambiental haviam destruído equipamentos para extração do mineral dentro da Terra Indígena Munduruku.
A ordem foi dada pelo major-brigadeiro do Ar Arnaldo Augusto do Amaral Neto à diretoria do Ibama, aparentemente em reação aos protestos ocorridos na base. No dia anterior, os garimpeiros chegaram a fechar temporariamente o aeroporto de Jacareacanga após o órgão ambiental federal ter destruído dez retroescavadeiras em garimpos. Cada uma das máquinas está avaliada em cerca de R$ 500 mil.
Nesta quinta, um grupo de garimpeiros mundurucus embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), rumo a Brasília, onde fariam reuniões com o governo federal sobre o assunto.
Operação “Atropelo”
A paralisação da fiscalização expõe divergências na atuação do Ibama e das Forças Armadas, responsáveis pela Operação Verde Brasil 2, de combate a ilícitos ambientais na Amazônia. Os militares têm se oposto à destruição de equipamentos de infratores ambientais, prática permitida pela atual legislação.
A operação do Ibama parece ter atropelado também outra operação, a “Bezerro de Ouro”, implementada pela Polícia Federal.
Em ação independente, a Polícia Federal de Santarém (PA) desatou a Operação Bezerro de Ouro, contra um grupo criminoso envolvido na extração ilegal de ouro na TI Munduruku. Os 30 agentes cumpriram seis mandados de busca e apreensão em Novo Progresso e em Morais Almeida, distrito de Itaituba, epicentro do garimpo ilegal na Amazônia. Além disso, a pedido da PF, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens de R$ 7,8 milhões dos investigados, todos eles não indígenas.
O garimpo ilegal de ouro tem aliciado mundurucus e provocado grande destruição nos afluentes do rio Tapajós, conhecido mundialmente pelas praias de Alter do Chão, perto de Santarém, no oeste do Pará. Uma perícia da PF calculou que os garimpos ilegais de ouro despejam no rio Tapajós o equivalente a um acidente da Samarco a cada 11 anos. Os sedimentos alteram a cor até da água nas praias de Alter, localizadas a centenas de quilômetros, na foz –o Tapajós desagua no rio Amazonas.
O garimpo e a mineração são ilegais em terras indígenas, mas a atividade tem aumentado em meio ao aumento do preço do ouro e a promessas do presidente Jair Bolsonaro de regularizar a atividade –uma proposta do governo tramita no Congresso.
A ausência de articulação, de integração e de organização entre os organismos do governo federal, no tratamento do conflito, tornou-se absolutamente evidente.
O ministro do Meio Ambiente seria mais útil à questão se em vez do jaleco de operação de campo, estivesse em uma Sala de Situação, em Brasília, ao lado do Vice-Presidente Mourão e do Ministro da Defesa, orientando as operações.
No “abraço de afogado”… marcado pela ânsia de sair do turbilhão de episódios negativos que comprometem sua gestão, o ministro acabou pondo a pique toda a operação.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. É Consultor Jurídico da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos – ABREN.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 06/08/2020
Edição: Ana A. Alencar