Por um Mercado Nacional de Compensação de Emissões
Um Estudo do Banco Mundial
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O BANCO MUNDIAL elaborou, alguns anos atrás, em parceria com a BM&F – BOVESPA e FINEP, um Projeto de Infraestrutura e Fortalecimento das Instituições do Mercado de Carbono, visando a Organização do Mercado de Créditos de Carbono no Brasil.
O estudo foi coordenado por mim, Antonio Fernando Pinheiro Pedro (Pinheiro Pedro Advogados) e Ricardo Gustav Neuding (ATA Ativos Técnicos e Ambientais Ltda). Contamos nessa empreitada com uma equipe desenvolvedora extremamente qualificada.
Em que pese o esforço de construção de uma proposta concreta e factível, lapidada em forte base teórico-conceitual, o estudo seguiu o caminho de outros tantos projetos festejados no lançamento, remunerados pelas organizações e…. ignorado pelas autoridades e instituições responsáveis pelo mercado de valores mobiliários no Brasil.
Mas o que seriam os créditos de carbono?
Os créditos de carbono são uma contribuição do mercado de valores mobiliários para a redução da pegada de carbono das atividades econômicas, cujo valor é determinado a partir do momento em que no limite do controle de emissões, não se pode controlar as opções de fornecimento de energia. É então que, por meio de créditos de carbono, permite-se na faixa limítrofe o investimento em outros projetos que estejam de fato reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Em outras palavras, estabelece-se uma compensação das emissões de gases de efeito estufa.
Os projetos apoiados por créditos de carbono são absolutamente variáveis – desde parques eólicos e usinas de energia solar, substituição de combustível fóssil por biocombustíveis, recuperação do gás metano emitido por depósito de resíduos, troca motores a diesel por gás natural liquefeito ou de automóveis a gasolina por células de hidrogênio, etc…
Via de regra, o padrão de compra dos créditos de carbono se faz por tonelada – fazendo-se por equação matemática uma correspondência-padrão com o volume equivalente em tonelada de gás carbônico. Portanto, o primeiro passo de uma relação de troca, de compensação, é determinar o tamanho da pegada de carbono da atividade a ser compensada. O cálculo é de importância fulcral, pois é a partir desse sistema que se estabelece uma uniformidade que irá conferir certeza e liquidez ao processo de compensação, conferindo segurança ao comércio dos títulos mobiliários – caso contrário, não haveria obediência aos princípios da cartularidade aplicados aos títulos de crédito, na forma do direito comercial que os rege equitativamente.
Assim, o cálculo por incluir inventários complexos, que incluam número de milhas versus consumo versus emissão em toneladas/ ano, ou emissão correspondente ao volume de calorias necessárias para geração de certa quantidade de energia por tempo definido. Tais cálculos devem estar clara e objetivamente estabelecidos, para definição dos projetos que deverão corresponder aos certificados que serão emitidos para compensar as emissões que motivam a compra daqueles.
O mercado de créditos de compensação de emissões é absolutamente dependente, portanto, de valores referenciais e limites de emissão dispostos em lei, regulamentos e diretrizes emitidas pelos países, sem os quais não há valor atribuível aos títulos. Como qualquer outro mercado de títulos e ações, a variação dos valores – ainda que baseados em limites e prazos legalmente atribuídos, irá variar conforme a saúde geral do mercado de capitais.
O valor também será determinado conforme for aferida a eficácia pretendida pelo esforço global de redução de emissões. Não por outro motivo, de acordo com a EPA – a Agência Ambiental dos EUA, as emissões de gases de efeito estufa ocorridas em 2013 foram 9% inferiores aos níveis de 2005. Somente em 2010, a EPA observava que os programas voluntários e climáticos haviam reduzido mais de 345 milhões de toneladas métricas de gases de efeito estufa – o que equivale a emissões de 81 milhões de veículos e uma economia para consumidores e empresas de cerca de US $ 21 bilhões.
No mercado de compensação, também se contribui para o esforço global de redução de poluentes com a compra dos chamados certificados de energia renovável, ou CERs, que ajudam a apoiar o desenvolvimento da geração renovável. A principal diferença entre certificados de energia renovável e créditos de carbono é o que eles compensam. Onde os créditos de carbono ajudam a reduzir as emissões de gases de efeito estufa por compensação em relação a limites estabelecidos por normas e metas nacionalmente aferidas, os certificados de energia renovável expressam a substituição de fontes não renováveis por fontes renováreis, compensando não propriamente o carbono, mas, sim, os quilowatts-hora produzidos pela nova rota tecnológica adotada.
Ambos os mecanismos de certificados atuam de forma similar no mercado, Um bom exemplo seria o do parque eólico, que recebe um crédito de energia renovável, com base na relação de 1.000 kWh de eletricidade produzida – esse certificado é comercializado conforme se instituam programas de incentivo à substituição de matrizes energéticas articuladas em redes de distribuição, com políticas tarifárias diferenciadas, atendendo a uma estratégia comum de economia.
Um mercado de indefinições no Brasil
É difícil entender o porquê de não haver, até agora, interesse sério do governo e das instituições de valores, em instituir um mercado de compensação de emissões no Brasil.
O estudo apresentado pelo Banco Mundial, demonstra ser absolutamente possível e factível construir esse mercado. E mais: o mercado pode abranger títulos vinculados à Convenção Quadro de Mudanças Climáticas e títulos outros, incluso os voluntários.
Falta apenas um esforço sério e organizado de implementação de regras – e o estudo também tratou disso.
De fato, a ausência de regras claras não se deu por acidente, as omissões, ao longo dos últimos anos, foram sendo milimetricamente apostas em nossa legislação, de modo a praticamente impedir a construção do mercado de compensações.
Ao que tudo indica, o fato decorreu do interesse inconfessável do setor, de concentrar investimentos, ao par das tradicionais apostas nos Bancos, companhias de energia e indústrias, em uma única cesta diferenciada: a do mercado imobiliário.
Por conta dessa miopia, o Brasil perdeu o bonde do mercado de carbono e não desenvolveu, até o momento, o mercado de compensações de emissões e commodities ambientais – embora o assunto regue o jardim de palpiteiros, especuladores, organizadores de eventos e teses acadêmicas.
A oportunidade perdida, no entanto, ainda pode ser resgatada.
Todos os interessados devem proceder á leitura atenta do sumário do estudo do Banco Mundial, reproduzido abaixo, e do texto integral, cujo link para acesso encontra-se ao final do texto.
Espero que esse resgate do estudo – perdido nos escaninhos virtuais das instituições que o patrocinaram, possa reavivar o debate sobre o tema.
Sistemas e Mercados de Carbono
A preocupação global com a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) resultou na implementação de sistemas de controle de emissões ao redor do mundo, originando mercados de carbono de abrangência internacional, regional ou nacional.
Os ativos negociados nestes mercados são genericamente denominados “créditos de carbono”. A negociação desses créditos pode resultar em sistemas mandatórios com estruturas denominadas cap and trade (limite e negociação) e baseline and credit (linha de base e crédito), em que esses ativos são utilizados como ferramenta básica de flexibilização para facilitar o cumprimento de metas ou compromissos de redução de emissões.
Além disso, também pode resultar em mercados voluntários onde corporações e outras entidades contemporâneas, buscando atender às expectativas de seus stakeholders e conferir segurança e valorização aos negócios, adotam conceitos análogos e implementam, voluntariamente, iniciativas e projetos de redução de emissões geradores de créditos de carbono.
Organização do Mercado de Créditos de Carbono.
1. Carbono e Brasil
A evolução dos diversos sistemas de controle de GEE, com características ainda bastante indefinidas, poderá impactar fortemente o mercado mundial de carbono e sua estrutura, influenciando a formação do mercado brasileiro. É preciso aprender com as experiências internacionais, observar as barreiras encontradas e adotar soluções já testadas.
O Brasil tem grande potencial para contribuir com esforços globais de combate ao aquecimento global, seja por meio da geração de créditos de carbono em seu território, seja por meio da exportação de soluções para redução de emissões de GEE em outros países.
A Política Nacional de Mudança do Clima, instituída pela Lei Federal 12.187, de 29 de dezembro de 2009, está alinhada com o desenvolvimento de soluções de mercado para o cumprimento do compromisso nacional voluntário, de reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas até 2020. O mercado doméstico resultante, também mencionado na lei, terá característica voluntária, ao menos de início, podendo evoluir para um sistema mandatório ao longo do tempo. Esse mercado deverá considerar as peculiaridades de cada setor da economia e a assimetria característica de nosso sistema federativo.
A criação de um mercado brasileiro de carbono, para atender à demanda local pelos créditos, deverá operar com regras próprias e com plataforma de negociação adequada. Esta é a perspectiva para a plena realização do potencial de redução de emissões de GEE no País.
2. Sistema Brasileiro de Controle de Carbono
Com base na Política Nacional de Mudança do Clima, nas experiências internacionais e nas características da demanda local, este estudo propõe a criação de um sistema privado, autorregulado e de adesão voluntária, denominado Sistema Brasileiro de Controle de Carbono (SBCC).
A partir da adoção de metas de redução de emissões de GEE consolidadas nacionalmente, o SBCC as alocaria às fontes individuais de emissão mediante negociações setoriais.
O SBCC daria origem ao Mercado Brasileiro de Carbono, permitindo aos seus membros cumprir com suas metas através da comercialização de ativos ambientais na forma de dois títulos transacionáveis:
- Direito de Emissão de Carbono (DEC);•
- Obrigação de Remoção de Carbono (ORC).
O Mercado Brasileiro de Carbono operaria em plataforma de comercialização dotada da dinâmica e da credibilidade adequadas para seu crescimento e consolidação.
O SBCC visaria o desenvolvimento de ações que agregassem valor aos seus participantes, por meio dos mercados de consumo, financeiro e de capitais. A articulação com o Poder Público poderia assegurar aos participantes, adicionalmente, benefícios como prioridade em compras públicas e renúncias fiscais. Um selo SBCC identificaria as empresas, produtos e serviços que tivessem aderido ao esforço nacional para redução de emissões de GEE.
Esse sistema promoveria a oportunidade de ingresso no mercado brasileiro de carbono de todos os setores industriais, das atividades relacionadas ao agronegócio e à preservação florestal. Seria a realização do grande potencial ambiental brasileiro.
3. Mercado internacional
Embora o Brasil seja hoje importante exportador de créditos de carbono, as negociações destes ativos têm sido desenvolvidas fora do País, exceção feita aos leilões realizados pela BM&FBOVESPA.
O País posiciona-se como um dos maiores potenciais fornecedores de soluções para redução de emissões de GEE, através da exportação competitiva de combustíveis e matérias-primas renováveis, para atender à demanda crescente nos países desenvolvidos.
Esses países já têm sistemas de controle de emissões e mercados de carbono consolidados (a vista, a termo, por opções e outros derivativos), que, embora influenciados pela oferta brasileira de soluções de baixa emissão de carbono, não têm seus ativos negociados no mercado nacional.
A oferta de uma plataforma brasileira e de produtos de negociação de carbono tem, portanto, do ponto de vista dos autores do estudo, interessante potencial, se vista em combinação com o crescente comércio internacional de combustíveis e matérias-primas renováveis.
Verifica-se, assim, uma oportunidade de se estabelecer mecanismos de mitigação de riscos ou de maximização de resultados, vinculados à venda dos produtos físicos em questão.
Outro aspecto considerado neste estudo é a oportunidade de impulsionar o financiamento de empreendimentos que reduzam GEE no Brasil ou no exterior, através de produtos relacionados com os mercados de carbono.
O estudo propõe estruturar adequadamente as receitas futuras desses empreendimentos para que possam lastrear os investimentos em novas tecnologias e ativos reais.
5. Plataforma única de negociação
Dada a existência de diversos contratos padronizados em bolsas ao redor do mundo, o estudo propõe a criação de contratos similares no Brasil.
O SBCC daria origem aos ativos negociáveis no País (DEC e ORC), transacionados inicialmente em operações a vista. Sendo tais ativos base de precificação dos potenciais mercados derivativos, o primeiro passo seria a criação de mercado a vista transparente, líquido e eficaz, no qual os agentes pudessem negociar em ambiente de confiança e bem regulado.
Atingida esta maturidade, o estudo propõe uma segunda fase, com implementação de Mercados Derivados do Ativo, espelhando não apenas a ampla experiência internacional, mas também os instrumentos semelhantes em operação no Brasil para outras commodities:
• Mercado Futuro;
• Mercado a Termo;
• Swap sobre o Ativo;
• Opções sobre o Ativo;
• Opções sobre o Futuro;
• ETFs (Exchange Traded Funds);
• Leilões Extras de DEC e ou ORC.
Em relação aos ativos já consolidados no exterior, particularmente as European Union Allowances e as Reduções Certificadas de Emissões (RCE), o estudo propõe a criação de contratos futuros e derivativos negociáveis no Brasil, que poderiam ser implementados independentemente dos produtos aplicáveis aos ativos originados no SBCC, com a mesma estrutura mencionada acima.
Com esse conjunto, seria possível estabelecer, ao longo do tempo, um ambiente brasileiro único de negociação de ativos ambientais, originados no sistema brasileiro ou no exterior, que fosse dinâmico, completo, líquido, confiável e dotado de projeção internacional, a ser operado por entidade brasileira de alta qualificação.
Equipe responsável pelo estudo:
Alexandre da Costa Soares (ATA)
Antonio Fernando Pinheiro Pedro (PPA)
Daniela Stump (PPA)
Débora Ly Rolino Novaes (ATA)
Francisco Silveira Mello Filho (PPA)
Lourdes Alcântara Machado (PPA)
Ricardo Audi Filho (ATA)
Ricardo Gustav Neuding (ATA)
Link para o PDF do Estudo Completo:
Nuvem Adobe Acrobat-
https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:US:6738b876-d338-495b-9dae-3736e160e769
Perfil Pinheiro Pedro LinkedIn-
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, foi fundador e presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB, declarado membro emérito pelo Conselho Seccional, foi membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Foi o primeiro Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Sócio Diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, preside a ONG UNIÁGUA – Universidade da Água e é Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 03/12/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.