Por Paulo Figueira*
A Constituição da República Federativa do Brasil Federal (CRFB), notadamente no Título III, que trata “Da Organização do Estado”, o preceito insculpido no inciso VIII, do seu artigo 23, dispõe que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de um lado, fomentar a atividade agropecuária e, de outro, organizar o abastecimento alimentar.
Consoante artigo 187 da CRFB, a definição de uma política agrícola nacional deve ter por base, especialmente, a criação de instrumentos creditícios e fiscais que beneficiem o produtor, preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização, seguro agrícola, incentivos à pesquisa, à assistência técnica, o ao cooperativismo, entre outros.
Por sua vez, o artigo 73, da Lei Federal n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) reforça as diretrizes acima elencadas, prescrevendo, ainda, que todo o incentivo à produção agropecuária atenda não só ao consumo nacional, mas que seja possível também a obtenção de excedentes exportáveis.
Vale enfatizar, entretanto, que embora o Capítulo III da Lei Agrícola comece com o título Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, o texto constitucional abrangido pela temática trata fundamentalmente da questão agrária, ficando a política agrícola restrita ao artigo 187.
Ainda no que diz respeito à CRFB, esta trouxe em seu texto, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu artigo 50, a previsão de que fosse promulgada uma lei que dispusesse “sobre os objetivos e instrumentos de política agrícola, prioridades, planejamento de safras, comercialização, abastecimento interno, mercado externo e instituição de crédito fundiário”.
Em decorrência dessa previsão constitucional, no plano infraconstitucional, em 17 de janeiro de 1991, foi editada a Lei n°. 8.171, de 17 de janeiro de 1991, conferindo eficácia plena à norma insculpida no artigo 187 da CRFB. De acordo com a redação de seu artigo 1º, o referido diploma tem por objetivo definir os objetivos e as competências institucionais, além de prever os recursos e estabelecer as ações e instrumentos da política agrícola.
Desta forma, no dia 17 de janeiro deste ano, a política pública agrícola brasileira, Lei n°. 8.171, de 1991, ainda vigente, com 108 artigos, que incide, adicionalmente, sobre aspectos selecionados do Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, que engloba os artigos 184 a 191, do Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, da CRFB, promulgada em 1988, completará seus 30 (trinta) anos no ordenamento jurídico pátrio, mas o que está legislação pode trazer para as atividades agropecuárias, agroindustriais, de planejamento das atividades pesqueiras, do setor florestal, e para a inclusão da Amazônia Legal passado 30 (trinta) anos como possibilidade de desenvolvimento econômico e social?
A Política Agrícola Nacional tem por objetivo garantir ao produtor rural os meios para desenvolver a atividade agropecuária, de modo a alcançar o seu sustento e de sua família e, em última análise, o desenvolvimento social e econômico do país. A própria lei no artigo 1°, parágrafo único, enfoca que “[…] entende-se por atividade agrícola a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais”.
Vale ressaltar, que nosso Estatuto da Terra, em seu artigo 1º, §2º, definiu a política agrícola como “o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país”.
É importante frisar que essa norma que disciplina a política agrícola permanece, depois de passado 30 (trinta) anos, portanto, deve ser analisada, revista, e atualizada para que a Administração Pública no âmbito federal, estadual e municipal possa ser um eixo orientador para o desenvolvimento do setor produtivo do campo, neste sentido, podemos citar, por exemplo, como eixo orientador: i) o crédito rural; ii) a precificação compatível com os custos de produção e a garantia de comercialização; iii) a pesquisa e a tecnologia; iv) a assistência técnica e extensão rural; v) o seguro agrícola; vi) o cooperativismo; vii) a eletrificação e irrigação; viii) a habitação para o trabalhador rural; com a sugestão da inclusão de temáticas novas regionalizadas, como: i) a Bioeconomia baseada na biodiversidade (Pesquisa e LA), ii) o crédito de carbono com pagamentos por serviços ambientais; iii) Produtos cosméticos e farmacêuticos (flora), iv) agrobiodiversidade, v) educação para o homem do campo, itens importantes para inclusão da Amazônia Legal.
Portanto, a política agrícola depois de passado 30 (trinta) anos urge a necessidade de adequação às novas tecnologias e para as próprias normativas elaboradas e aplicadas no pais, do Direito Ambiental, do Direito Florestal, e do Direito Agrário, principalmente pela própria exigência internacional para expansão do mercado e ocupação territorial da Amazônia Legal com foco no desenvolvimento sustentável. Assim, os tempos atuais demonstram que o atual modelo agrícola requer a utilização de programas e instrumentos que reconheçam novos direitos e situações não previstos expressamente nessa legislação.
Desta forma, o ordenamento jurídico agrário brasileiro deve oferecer instrumental para a adoção de uma política agrária eficiente e sustentável, capaz de promover o desenvolvimento regional do país, além de propiciar o progresso social e econômico do produtor, tornando-se realidade o preceito contido no artigo 85, §1º, do Estatuto da Terra, que lhe prevê o lucro mínimo de 30% em sua atividade produtiva.
É importante salientar que tramita um Projeto de Lei n.° 2.963 no Congresso, de 2019, que regulamenta a aquisição, posse e o cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, desta maneira se aprovado e transformado em lei, permitirá a compra de terras rurais por estrangeiros até o limite de 25% do território do município, devendo respeitar o artigo 186 da CRFB, que estabelece que a propriedade deve cumprir com a sua função social; por conseguinte, esta estrutura fundiária oriunda da década de 60, pós-Estatuto da Terra que é de 1964, deve ser também adequada, pois faz parte de uma época passada à tamanha modernização do agronegócio e integração das etapas de suas cadeias produtivas, demandando que as normas e políticas agrícolas, da mesma forma, acompanhem este desenvolvimento evolutivo.
Destarte, a legislação pátria da política agrícola deve, por conseguinte, estipular linhas de atuação da ação estatal relativamente ao incentivo e incremento da atividade agrícola em todas as etapas de todas as cadeias produtivas, possibilitando o progresso da ciência e tecnologia, o incremento de capital humanos adequado a realidade regional, possibilitando desenvolvimento econômico, social e inclusão regional, aproveitando ao máximo sua especificidade local.
Se não observados esses preceitos, teremos uma legislação de cunho puramente ideológico, genérica, não obrigatória, diluindo funções entre os entes públicos sem responsabilidade, supondo ideias postas em prática por meio de ações determinadas para atingir o bem-estar social; também aquele tipo de legislação como atividade ordenadora de vida social envolvendo um grupo de pessoas e instituições, sem olvidar daquelas leis que, no decorrer do tempo, acabam superadas por outras questões ideológicas nem sempre embasadas em dados técnicos para formulação, implementação e execução de políticas públicas, como se observam as tendências ambientais internacionais sobre o pais sobrepondo a atividade agrária e o uso de recursos naturais principalmente na Amazônia Legal.
O Brasil como celeiro de produção mundial, com legislação rígida e maior cobertura mundial de floresta não existente em nenhum país, deve rever sua política agrícola principalmente para contrapor aos países que mantêm intenso discurso ambiental sobre nosso País, e mais, até mesmo os estudos da Administração Nacional da Aeronáutica (NASA) já comprovou a inexpressiva área cultivada em terras brasileiras, cujo potencial de crescimento ainda é enorme, principalmente se ousar implementar politica agrícola para a Amazônia Legal com eficaz processo de regularização fundiária e processos céleres de licença ambiental.
Claro que também não devemos deixar de ter um olhar ambiental e extrair essas vantagens competitivas que nenhum país possui, já que a evolução ambiental é caracterizada por uma grande oportunidade aberta ao Brasil para liderar uma pauta de economia verde e do menor carbono, por meio das referidas certificações e dos pagamentos por serviços ambientais, estimulando a produção de maior escala com menores áreas, reduzindo perdas, que, na maioria das vezes atribuídas à falta de gestão e investimentos em ciências e tecnologias, sem olvidar de conhecimento destes atuais instrumentos legais criados pelas políticas públicas ambientais.
Desta forma, as políticas agrícolas necessitam obrigatoriamente equilibrar dados obtidos do próprio território por meio de zoneamento agrícola, agroclimático, e ainda particularidade do homem rural regional para que sejam realmente eficientes e adequadas a cada bioma.
Portanto, deveremos descontinuar esse comportamento de que o Estado deve tornar o produtor/investidor, seu eterno dependente e incrementador, mas sim lhe proporcionar meios para garantia da produção principalmente quanto a sua regularização fundiária, padronização de uma leia nacional de licenciamento ambiental, com sua respectiva concessão de licenciamento ambiental, garantindo segurança jurídica para quem faz investimentos na terra, lembrando ainda que o setor agrícola não se baseia apenas em questões de posse, ocupação, e propriedade, necessitando, por isso, de modernização e ferramentas estruturais com apoio estatal principalmente em ciência e tecnologia, segurança jurídica em todo processo produtivo de regularização fundiária, de licença ambiental, de transparência em todo processo decisório, de educação, e o direito dos agricultores.
*Paulo Sérgio Sampaio Figueira – Advogado com atuação em Direito Ambiental, Agrário e Administrativo. Professor Universitário de Direito Ambiental. Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental, Mestre em Direito Ambiental; Técnico em Agropecuária em que atuou em extensão rural, graduado em Administração de Empresas, Arquivologia, Ciências Agrícolas. Foi duas vezes Secretário de Estado de Meio Ambiente, sendo Presidente da ABEMA Região Norte e Consultor da Anamma. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, ocupando a função de Vice-Presidente da Comissão Nacional de Regularização Fundiária da UBAU.
Fonte: Direito Agrário
Publicação Ambiente Legal, 16/02/2021
Edição: Ana A. Alencar
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