Por Alexandre Machado*
Diante do atual e crítico momento em que a saúde pública se encontra, em meio a denúncias de superfaturamento em compras, contratações emergenciais e má gestão de recursos (mesmo que amparadas legalmente, mas não moralmente), muito provocadas pelo administrador hospitalar público, e que acaba acarretando ônus extra ao Estado, atingindo diretamente o cidadão. Nesse sentido, trago uma pequena releitura do livro que escrevi em 2013 – Direito a saúde: visão da classe médica sobre terceirização do serviço de saúde público no município de Santos, onde faço uma análise do que acontece com a saúde pública na cidade de Santos – SP. Em rápida síntese, o livro destaca especificamente, as questões relativas à contratação do profissional de saúde no modelo terceirização.
Dessa forma, a terceirização é uma modalidade de inserção do particular na prestação do serviço público, que se faz por meio de contrato administrativo, sendo o terceiro um mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa com o Poder Público, uma vez que não se trata de gestão do serviço público, mas prestação de serviços. Por tais contratos ou convênios, como normalmente são designados, transfere-se, por exemplo, uma unidade hospitalar pública a uma entidade civil (“sem fins lucrativos”), entregando-lhe o próprio estadual ou municipal, bens móveis (máquinas e aparelhos hospitalares), recursos humanos e financeiros, dando-lhe autonomia de gerência para contratar, fazer compras sem licitação (as vezes); outorgando-lhe, enfim, verdadeiro mandato para gerenciamento, execução e prestação de serviços públicos de saúde.
O modelo adotado diz que o Estado tem a incumbência de prestar o serviço público de saúde, garantindo a dignidade da pessoa humana, através de serviços de cunho social e, eminentemente essencial, devidamente consolidado nos preceitos maiores da igualdade e da universalidade. Notem que a saúde, por conta do seu status constitucional relevante, não se classifica como um serviço público exclusivo, porém, a participação dos particulares, na prestação desse serviço, deverá ocorrer de forma complementar, ou seja, sempre auxiliando o Poder Público, mas nunca o substituindo. Infelizmente, tal preceito não é considerado. Observou-se que o gestor público acaba repassando sua responsabilidade a terceiros e, na maioria das vezes, de forma pouco criteriosa.
Aos que defendem essa causa, alegando a possível eficiência caracterizada pela suposta melhora do serviço após o repasse à iniciativa privada, acreditasse que este seja um frágil argumento, afinal, a premissa, de que a gestão por particulares é sempre satisfatória, é errônea, pois o que garante o sucesso da atividade é a sua gestão, pouco importando a personalidade jurídica adotada.
Ao contratar uma Organização Social – OS ou comparada, a administração pública passa a não realizar a contratação de pessoal que, efetivamente, prestará o serviço, ou seja, não haverá um procedimento idôneo para avaliar a habilidade e a capacidade técnica dos funcionários prestadores do serviço, como sua titulação por exemplo, essa titulação que seria verificada e exigida no transcurso do concurso público.
Como ensinamento, aponta a recente Resolução Nº 2.271, de 14 de fevereiro de 2020, que define as unidades de terapia intensiva e unidades de cuidado intermediário conforme sua complexidade e nível de cuidado, determinando a responsabilidade técnica médica, as responsabilidades éticas, habilitações e atribuições da equipe médica necessária para seu adequado funcionamento. A qual destaco
Anexo I – definições de unidade de terapia intensiva (uti) e unidade de cuidados intermediários (UCI):
1.2.1. Habilitação do médico diarista/rotina na UTI/UCI
Deve ter título de especialista em medicina intensiva para atuar em UTI adulto; […]
1.3.1. Habilitação do médico plantonista de UTI/UCI
[…] Recomenda-se que os médicos preferencialmente tenham título de especialista em medicina intensiva para atuar em UTI adulto. Alternativamente, recomenda-se que tenham concluído um programa de residência médica em área básica ou que tenham ao menos 2 anos de experiência clínica e, nesses casos, apresentem no mínimo três certificações atualizadas entre as descritas a seguir: a) suporte avançado de vida em cardiologia; b) fundamentos em medicina intensiva; c) via aérea difícil; d) ventilação mecânica; e) suporte do doente neurológico grave. […]
Diante do todo exposto, nota-se que mesmo não exigindo o título de especialista em medicina intensiva ao médico plantonista, recomenda-se atender as alternativas acima expostas, mas na prática estas alternativas muitas vezes não são observadas, pelo contrário, sob a justificativa da pandemia provocada pelo Covid 19, e diante de uma possível “necessidade de contratação emergencial”, observa-se que muitos profissionais sem experiência são contratados para atuar diretamente nessas unidades de extremo risco.
Vale destacar em tempo, que muito embora haja uma verdadeira “infecção generalizada” no serviço público de saúde, não é dado ao Estado o direito de praticar a sua “eutanásia”.
*Alexandre Machado é Doutor em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, possui Especialização em Direito do Petróleo e Gás e Didática do Ensino Superior, professor de Terminais Offshore, Transporte Marítimo e Comércio Exterior e Logística na Faculdade Estadual de Tecnologia da Baixada Santista (FATEC Rubens Lara/SP).
Fonte: Alexandre Machado
Publicação Ambiente Legal, 12/05/2020
Edição: Ana A. Alencar