Estudo conduzido por pesquisadores da Unesp, de Portugal e de instituições mineiras analisou pela primeira vez fatores geomorfológicos que podem contribuir para colapso de estruturas de contenção. Foram cadastradas seis barragens na microbacia do ribeirão Ferro-Carvão situadas em lugares de risco. Objetivo é tornar mais seguro processo de seleção de áreas para futuras construções.
Por Marcos do Amaral Jorge
Cinco anos atrás, o Brasil se chocava com o rompimento da Barragem B1 da mina Córrego do Feijão, localizada no município de Brumadinho, MG. A barragem servia como depósito de rejeitos das atividades de mineração da mineradora Vale S.A., e o resultado foi a morte de 270 pessoas, além de dezenas de desabrigados. Agora, um estudo conduzido por pesquisadores da Unesp e de instituições universitárias de Minas Gerais e de Portugal identificou, na mesma região da microbacia do ribeirão Ferro-Carvão onde ocorreu o desastre, outras barragens com características que sugerem a possibilidade de futuros acidentes.
Há bons motivos para que os cientistas se dediquem ao tema da segurança de barragens no Brasil. Afinal, no mesmo estado de MG, em 2015, ocorreu o rompimento de uma destas estruturas na região do município de Mariana. Na ocasião, o total de mortos foi de 18 e uma pessoa desaparecida. Já no acidente de Brumadinho, os 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério que foram liberados após o rompimento misturaram-se a uma enxurrada de lama e atingiram diretamente o centro administrativo da companhia mineradora, a comunidade Vila Ferteco e algumas casas situadas na região rural. E parte dos rejeitos alcançou o ribeirão Ferro-Carvão e seguiu até sua confluência com o rio Paraopeba, configurando assim um dos maiores desastres socioambientais da história do Brasil.
Ainda há barragens em áreas de risco
Segundo o novo estudo, quatro das seis barragens de rejeitos que existem hoje na região da bacia do ribeirão Ferro-Carvão, na cidade de Brumadinho, estão instaladas em regiões de alto risco geomorfológico. É o que diz o artigo Geomorphologic risk zoning to anticipate tailings dams’ hazards: A study in the Brumadinho’s mining area, Minas Gerais, Brazil, publicado na revista Science of The Total Environment.
No artigo, os cientistas apresentam uma metodologia desenhada especialmente para a avaliação da vulnerabilidade geomorfológica do terreno, uma abordagem que, segundo os autores, é frequentemente negligenciada pelos engenheiros no momento da escolha dos pontos para instalação das barragens e até mesmo pela literatura científica que se dedica a estudar os perigos que ameaçam essas estruturas. Ao aplicar a metodologia de análise à região onde estava localizada a barragem que se rompeu cinco anos atrás, os pesquisadores constataram que ela também estava em uma área de alto risco geomorfológico.
Uma das autoras do artigo é Maria Teresa Cristina Pissarra, docente do curso de Engenharia Agronômica do campus da Unesp em Jaboticabal, onde atua principalmente na área de engenharia da água e do solo. Ela diz que atualmente o processo de seleção das áreas mais adequadas para o estabelecimento de novas barragens de rejeitos leva em consideração a sua proximidade das atividades de mineração e certos critérios geotécnicos, que incluem a resistência do solo e das rochas para o recebimento do volume de rejeitos a ser depositado no interior da barragem. “A proposta do artigo é que, ao selecionarem uma área para o estabelecimento de uma nova barragem, os engenheiros passem a considerar também, além dos aspectos geotécnicos, a geomorfologia da área e, principalmente, da bacia em que está inserida”, diz ela.
A docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), em Jaboticabal é uma das líderes de um grupo de pesquisa que se dedica ao estudo de políticas em uso do solo. Entre os temas investigados pela equipe está a análise dos efeitos das ações antrópicas sobre os recursos hídricos e as unidades territoriais de uma bacia hidrográfica. Desde 2021, o grupo, que inclui pesquisadores do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Portugal, sob a supervisão do MP-MG e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), tem realizado pesquisas e monitorado a qualidade da água e dos sedimentos no rio Paraopeba, o principal curso de água afetado pelo rompimento da barragem, em 2019.
“Entre os trabalhos desenvolvidos pela nossa equipe está uma explicação geomorfológica de como se deu o rompimento. Um aspecto que pudemos identificar é a existência de várias nascentes naquela região onde estava a barragem que se rompeu. Resolvemos então trabalhar na microbacia do Ferro-Carvão e compreender melhor os aspectos geomorfológicos da área”, diz ela.
Uma perspectiva geomorfológica
A geomorfologia se dedica ao estudo dos elementos que compõem a superfície terrestre, considerando os fatores que levaram à formação do relevo. Para empregá-la na avaliação de risco de barragens, os autores consideraram, por exemplo, a presença de corpos hídricos na região das barragens, a variação do relevo em que a estrutura é instalada e a capacidade de drenagem do terreno, entre outros pontos.
Os resultados da análise das vulnerabilidades geomorfológicas da bacia mostraram que quatro das seis barragens ainda presentes na região estão localizadas em regiões de alto risco. Outras duas foram classificadas como de baixo risco. O trabalho se concentrou na avaliação apenas das barragens instaladas na bacia do ribeirão Ferro-Carvão. Os pesquisadores, porém, chamam a atenção para o fato de que na bacia do rio Paraopeba como um todo existem mais de 50 barragens que também podem estar sujeitas aos mesmos riscos geomorfológicos.
Para elaborar a metodologia de análise de risco proposta no artigo, os pesquisadores dividiram os 3.265 hectares da bacia do ribeirão Ferro-Carvão em 36 Unidades de Resposta Hidrológica, a fim de identificar os parâmetros do comportamento da água em cada setor. Essas subdivisões da bacia levaram em consideração características do terreno, como cobertura do solo, os fundos de vale (talvegue), que podem ou não ser preenchidos por cursos de água, e os pontos de maior elevação da bacia.
O levantamento dessas características do terreno, em combinação com o cálculo de parâmetros morfométricos, orientou a análise da vulnerabilidade geomorfológica de cada uma das unidades. Entre os parâmetros considerados pela metodologia está a densidade de drenagem do terreno. Esse dado ajuda a compreender o comportamento do escoamento da água na bacia durante eventos extremos de cheia, uma vez que solos impermeáveis favorecem o escoamento superficial da água. A análise também incluiu outros parâmetros, como a taxa de relevo, que fornece informações sobre o nível de inclinação do terreno, ou o coeficiente de rugosidade, que ajuda a entender a resistência no escoamento da água nos canais de drenagem.
Os indicadores de vulnerabilidade foram então analisados e ranqueados de 1 a 5 de acordo com a sua gravidade para cada uma das 36 unidades de resposta hidrológica. A comparação entre elas vai indicar aquelas áreas com maior vulnerabilidade geomorfológica, com atenção especial àquelas que abrigam barragens de rejeitos, mas também apontar áreas potencialmente segu
Construir em área de nascentes amplia riscos
Alguns elementos da geomorfologia da região, diz Pissarra, são mais sensíveis para o aumento do risco da construção de uma barragem. A professora destaca, por exemplo, a construção dessas estruturas sobre áreas de nascente. O risco decorre do fato de que essas regiões costumam naturalmente apresentar fendas geológicas que colaboram no acúmulo de água. Nesse sentido, os pesquisadores recomendam a instalação desses empreendimentos à jusante e em áreas de baixo declive.
“A declividade tem o potencial de aumentar consideravelmente a velocidade do escoamento natural das águas da chuva. Um risco que tende a se agravar considerando o aumento dos eventos extremos de chuvas decorrentes das alterações no clima”, alerta a professora. Em dezembro de 2019, o Relatório do Painel de Especialistas sobre as causas técnicas do rompimento da Barragem I do Córrego do Feijão indicou como uma das causas do rompimento da barragem B1 a liquefação do interior da barragem relacionado ao acúmulo de água das chuvas que ocorria desde 1976, quando a barragem foi desativada, e das chuvas intensas ocorridas na região em 2018. Mais recentemente, em 2021, uma revisão de 63 episódios de deslocamento de massa decorrentes de rompimentos de barragens concluiu que os riscos climáticos e problemas na drenagem foram os principais fatores que contribuíram para esses eventos.
Para Polyana Pereira, doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Agronomia, Programa Ciência do Solo e primeira autora do trabalho, a contribuição científica trazida pela pesquisa é um entendimento mais profundo sobre o desastre ambiental. “É um alerta à comunidade sobre a necessidade da implementação de medidas sólidas de prevenção e de mitigação. Precisamos cobrar mudanças e soluções eficientes para que seja possível evitar novas tragédias envolvendo barragens de rejeitos”, diz.
“De forma geral, é importante que os profissionais que avaliam os espaços para construção de barragens de rejeitos levem em consideração as áreas de nascente, as densidades de drenagem dessas superfícies e o relevo dessas superfícies”, diz Pissarra. Os autores do artigo recomendam ainda que as dezenas de barragens localizadas na bacia do rio Paraopeba passem quanto antes por uma avaliação sobre o risco geomorfológico, e que sejam adotadas as medidas preventivas ou mitigadoras adequadas.
Fonte: Jornal Unesp
Publicação Ambiente Legal, 25/01/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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