Por Simone Silva Jardim
Das 121 companhias brasileiras de capital aberto – elas são donas das 150 ações mais rentáveis do mercado –, apenas 28* atenderam aos quesitos do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), e por isso compõem a mais nova carteira da Bolsa de Valores de São Paulo. O ISE Bovespa reúne empresas de 12 setores que promovem políticas responsáveis em quatro áreas: econômico-financeira, social, ambiental e governança corporativa.
Apesar de suas particularidades, o novo índice da Bovespa foi inspirado no precursor americano. Dow Jones Sustainability World Indexes (DJSI), criado há seis anos, e nos que vieram posteriormente, o britânico FTSE4Good e o africano Johanesbug Stock Exchange. Seu pregão inaugural ocorreu no dia 1o de dezembro último. As empresas de energia elétrica e os bancos dominam o portfólio, respectivamente com oito e cinco representantes. Até o fechamento desta matéria, as 34 ações do ISE não tinham apresentado variação expressiva em sua cotação pelo fato de estarem nessa “vitrine” da sustentabilidade.
Criado a partir de metodologia desenvolvida pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, e com o apoio financeiro do International Finance Corporation (IFC), braço “privado” do Banco Mundial, o índice da Bovespa foi precedido de um longo processo de discussão com as empresas e bancos, iniciado em meados de 2003 e que culminou com a elaboração de um extenso e multifacetado questionário. Se respondido satisfatoriamente, está garantida a pontuação necessária para a companhia de capital aberto participar do ISE Bovespa, seja ela de um setor de baixo ou alto impacto ambiental.
Polêmicas à parte, a grande novidade é que o ISE deve colocar os grandes investidores em um importante front. Serão eles, daqui para frente, os fuzileiros na “guerra” contra as empresas que ficarem de fora do recém-criado índice. Tudo em nome do lucro e da segurança do capital mobilizado no ciclotímico mercado financeiro, no entanto, quem diria, essa atitude dos grandes investidores vai angariar benefícios polpudos não só para seus próprios bolsos, mas para o meio ambiente e a sociedade em geral. Pelo menos é essa a perspectiva de Ricardo Nogueira, superintendente de operações da Bovespa. Nogueira está no comando do ISE Bovespa e revela nesta entrevista exclusiva à Ambiente Legal os bastidores da iniciativa.
Ambiente Legal – Por que foi tão baixa a adesão das companhias brasileiras de capital aberto ao ISE Bovespa?
Ricardo Nogueira – Não concordo com sua leitura. As 28 companhias de capital aberto participantes da primeira carteira do ISE Bovespa foram selecionadas dentre as 63 empresas que responderam ao questionário criado pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade da FGV. O questionário foi enviado às 121 companhias emissoras das 150 ações mais líquidas da Bovespa. Desse total, 93 abriram o questionário, sendo que oito delas não responderam e 22 não enviaram as respostas no prazo estabelecido. Nossa estimativa era que a maioria das empresas não respondeu ao questionário, tendo por base que foi baixíssimo o índice das companhias brasileiras de capital aberto que enviaram respostas ao questionário distribuído pelo Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Assim, não ficamos nada a dever ao que acontece fora de nossas fronteiras: atingimos 50% de questionários respondidos. Projetamos que, das 121 companhias selecionadas, no máximo 40 poderiam atender aos requisitos do ISE. De 63 restaram 28, acho que o resultado final foi bom.
AL: Durante o lançamento do ISE, o senhor afirmou que os nomes das empresas excluídas não seriam divulgados, mas fez questão de destacar que entre as 35 empresas que enviaram os questionários, mas foram desclassificadas, os motivos não foram as más notícias. Então, quais foram as boas notícias?
RN: Essas 35 eliminadas podem ter apresentado performance ruim em um, dois ou todos os pilares avaliados pelo ISE. A boa noticia é que essas empresas que nos enviaram o questionário estão realmente empenhadas em seu compromisso com a sustentabilidade. Elas precisam de indicadores para saber por onde começar as mudanças e o ISE permite esse feedback, pois todas as 63 empresas, classificadas ou não, receberam da FGV uma avaliação pormenorizada e também o lugar ocupado no ranking final, de acordo com a pontuação obtida. Entendemos que as companhias desclassificadas, que ficaram abaixo da média, vão se esforçar e investir onde mais precisam e no prazo de três anos é bem provável que tenham uma realidade completamente diferente.
AL: A propósito, fale um pouco da metodologia do ISE.
RN: O ISE foi formulado com base no conceito internacional do Triple Botton Line (TBL), que avalia, de forma integrada, as dimensões econômico-financeira, social e ambiental das empresas. Aos princípios do TBL foram adicionados critérios e indicadores de governança corporativa, a exemplo do índice da Bolsa de Joanesburgo. Os quatro blocos temáticos são precedidos por um grupo de indicadores gerais básicos e de natureza do produto. O TBL das empresas foi abordado a partir de quatro critérios: Política, engloba indicadores de comprometimento; Gestão, avalia planos, programas, metas e monitoramento; Desempenho, indicadores de performance; e, finalmente, Cumprimento Legal, verifica o atendimento da legislação nas áreas de concorrência, consumidor, trabalhista, ambiental, entre outras. Há que se notar que optamos por fazer dois tipos de questionários: um exclusivo para o setor intermediário-financeiro e o outro para os demais setores e esse instrumento apresentará mudanças todo o ano.
AL: O ISE tem algum mecanismo para evitar que uma companhia dê respostas parciais e até mentirosas aos quesitos?
RN: Fizemos auditoria aleatória nos questionários, mas todos os dados factuais foram checados por nós. Se apenas para ganhar pontos uma empresa informou que só tem ações ordinárias ou que pratica uma boa política com os acionistas minoritários, nesse caso hipotético ela teria se dado mal, pois tais dados foram conferidos em nosso banco de informações. Outros exemplos de checagens que realizamos: reclamações no Procon, existência de ações judiciais, inquéritos na Comissão de Valores Mobiliários, CVM, problemas na Fazenda, Ibama etc. O que também anulou a possibilidade da mentira é que a condição para avaliarmos os questionários respondidos era que os mesmos fossem assinados pelo DRI, o diretor de relações com os investidores, que informa à Bovespa tudo o que se refere ao valor econômico-financeiro da companhia, sob pena de responsabilidade civil e penal. Neste caso, o DRI assumiu responsabilidade legal pela totalidade do que nos foi informado no questionário.
AL: E em caso de qualquer das 28 empresas do ISE Bovespa vir a se envolver em acidentes ambientais, provocar danos a consumidores, ter problemas com a saúde de seus trabalhadores ou até estar associada a esquemas de corrupção. Todas essas situações chocam-se com os princípios da sustentabilidade. A companhia seria automaticamente excluída do ISE Bovespa?
RN: Em situações que alteram significativamente os níveis de sustentabilidade e responsabilidade social da companhia, o Conselho Deliberativo do ISE vai ser imediatamente convocado para avaliar a melhor solução aplicável ao caso concreto. Pode optar por se colocar em estado de alerta, observando o desdobramento de fatos de menor gravidade ou decidir pela exclusão imediata das ações da companhia pela maior gravidade do ocorrido (conheça as oito entidades com poder de voto em assembléia no site www.bovespa.com.br).
AL: Quando da divulgação das 28 empresas classificadas no ISE Bovespa, causou no mínimo surpresa não o fato de três companhias representantes dos setores siderúrgico e petroquímico, de alto impacto ambiental, participarem da nova carteira, mas sim da Embraer estar no time, já que a companhia produz uma parcela de aeronaves exportadas para uso exclusivo em combates. Então as companhias de capital aberto que produzem cigarros, bebidas alcoólicas e armas podem ter a esperança de também fazer parte do índice?
RN: O ISE Bovespa não penaliza, de antemão, produtos ou setores, pois temos critérios rigorosos e realmente capazes de bloquear a entrada de empresas que estão poluindo o ar, o solo, jogando resíduos nas águas, não dando máscaras protetoras para seus empregados. O paradigma de sustentabilidade entrou para valer na Belgo Mineira, na Braskem e na Copesul, por isso estão no ISE Bovespa. Os grandes investidores vão forçar que outras siderúrgicas e petroquímicas de capital aberto, nas quais aplicam seus capitais, atinjam essas marcas de excelência ambiental. Na atualidade, a indústria de cigarros é 100% prejudicial à saúde, só vai entrar no ISE se mudar o produto a ponto de torná-lo inofensivo às pessoas. A indústria de armamentos também está na contramão dos princípios da sustentabilidade. O setor de bebidas é um caso a parte. Se numa empresa o percentual de produtos alcoólicos for muito pequeno e seus resultados em todas as áreas do questionário forem altos, não há porque exclui-la do ISE. O percentual de aeronaves exportadas para combate é ínfimo na Embraer, mas em todos os quesitos de nosso questionário ela alcançou pontuação exemplar. O mesmo aconteceu com os bancos, temos cinco instituições. Sabemos que o setor é alvo de reclamações no Procon, mas esse número é insignificante se comparado à carteira de clientes beneficiados. As teles lideram as reclamações nos órgãos de defesa do consumidor e apresentam outros problemas. Não por acaso nenhuma delas está em nossa nova carteira.
AL: A partir do ISE Bovespa, os grandes investidores podem vir a assumir um papel até agora inimaginável para esse segmento, o de ativos promotores da causa socioambiental?
RN: Esses investidores têm o poder de fazer isso, sim, por meio de seu capital e da articulação política com seus pares. Acredito que, em cinco anos, especialmente investidores ligados a fundações e fundos éticos, não vão mais comprar papéis de companhias que estejam de fora do ISE Bovespa. Também vão começar a exigir que as empresas dessa carteira mostrem sua classificação no ranking geral e se a última colocada estiver muito longe da pontuação das primeiras, dificilmente conseguirá negociar suas ações.
AL: O ISE Bovespa vai ser anualmente revisto. Ano que vem os ativos ambientais vão estar entre os quesitos? A versão atual só engloba os passivos ambientais e dá mais pontos para as empresas que provisionam em seus balanços recursos para saná-lo. Outra reclamação ouvida da sociedade civil organizada: a falta de acesso público aos questionários respondidos pelas empresas classificadas. Não é uma afronta ao princípio da transparência, basilar da sustentabilidade?
RN: Muito provavelmente os ativos ambientais devem entrar na próxima versão do ISE, de forma a valorizar, por exemplo, empresas que tenham RPPNs, Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Quanto ao acesso público aos questionários, o Conselho Deliberativo do ISE acatou o argumento de que as empresas que acessam o questionário e não o respondem ou deixam de enviá-lo seriam beneficiadas. Por ora, deixamos essa decisão para cada uma das companhias, classificadas ou não. Esse ponto ainda desperta muita resistência, mesmo entre as empresas que integram o ISE Bovespa, pois cada uma delas obteve uma pontuação diferente, tendo em comum apenas o fato de terem superado a nota mínima estabelecida.