A estratégia vigorosa de Xi Jinping revela a visão geopolítica limitada do governo brasileiro
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O presente artigo pretende fazer uma análise objetiva e crítica do cenário geopolítico em que a relação do Brasil com a China se encerrra e os riscos, para o Brasil, das opções estratégicas adotadas pelo governo Lula em relação à grande potência asiática.
No DIA DA BANDEIRA DO BRASIL… Brasília amanheceu embandeirada de vermelho, com o pendão símbolo da China, para receber a delegação do maior parceiro comercial do Brasil, liderada pelo Presidente Xi Jinping.
A reunião decorreu da oportunidade de conciliar a agenda dos chefes de estado com o evento do G20, no Rio de Janeiro. Um evento que, segundo observadores extremamente qualificados, pareceu ser uma “expressão do mundo de narnia dos globalistas” – a tal ponto que nada de fato foi fechado a não ser uma carta de intenções sobre “Combate á Fome”, vinculada ao “Desenvolvimento Sustentado” – algo que já está consagrado entre os mesmos países nas Cartas de Princípio das Conferências de Estocolmo, de 1972, do Rio, de 1992 e 2012 e nos Tratados de Biodiversidade e Mudanças Climáticas. Ou seja, o que foi acordado… “choveu no molhado”.
O único que nada apreciou da tal reunião do G20… e saiu muito preocupado da reunião do G20, além do Presidente da Argentina, Xavier Milei, foi o próprio Xi Jinping. Ele percebeu o clima de “Baile da Ilha Fiscal” globalista – algo como um “último suspiro” antes do fator Trump, principalmente no que tange à “agenda 2030” – cujo estado moribundo restou expresso no fracasso da Conferência das Partes no Kazakistão.
Um G20 funesto e sem horizonte
De fato, bajulações à parte – e tirante as espumas produzidas por uma paródia de imprensa (que hoje é uma comédia para o jornalismo mundial), o G20 no Brasil e seus badalos paralelos formaram um verdadeiro jogo de máscaras.
Notável, por exemplo, é o caso da França, interessadíssima na proteção ambiental no Brasil, tanto quanto interessada que nosso país não explore o lençol petrolífero que ela compartilha e suga na Vizinha Guiana Francesa. Enquanto Macron era bajulado pela esquerda tupiniquim – a mesma que lhe deu toda a munição, em manifesto assinado, para contestar a assinatura do acordo com o Mercosul em 2019, o principal grupo de consumo de commodities agrícolas com rede no Brasil, o Carrefour, anunciava que não mais compraria produtos do Brasil, visando atender aos interesses do agronegócio francês e, claro, alegando ser nossa produção agrícola “insustentável”…
Os discursos ufanistas do Presidente Lula, de forma alguma refletem a realidade econômica que hoje vive o Brasil. Pior ainda foi a iniciativa de atrair, para o território brasileiro, ainda mais restrições ambientais, sob um discurso “natureba” em desarmonia com as promessas de industrialização e investimentos em infraestrutura e energia. Não à toa foi notável a omissão do Vice-Presidente e Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, do evento. Por outro lado, foi visível o constrangimento geral com a presença ostensiva da primeira dama – que não ocupa qualquer cargo executivo no governo, ao lado do Ministro da Economia, à frente do Ministro das Relações Exteriores e atrás do Presidente da República – este ladeado pela Ministra do Meio Ambiente, durante as reuniões plenárias do G20. A ostensividade, não só incomodou vários presentes, segundo fontes qualificadas da reunião, como, notoriamente, gerou um incidente diplomático que será adiante melhor avaliado.
Vivemos temos estranhos, em que entidades da indústria se omitiram em produzir ao menos uma nota, uma análise, sobre o fenômeno de consequências geopolíticas funestas e econômicas desastrosas, que as sinalizações do governo brasileiro produziram no G20 – inclusive perante um presidente norte americano nos extertores de seu pífio governo (que nada entendeu da sessão de chocalho indígena com “nativos” de tênis nike em sua passagem pela Amazônia).
A nota acima não é mera crítica. É uma constatação de que se repete um erro estratégico histórico. Tal qual nos primeiros governos do PT, a DESINDUSTRIALIZAÇÃO do país irá correr solta, destravada completamente por um biocentrismo incrustrado no discurso ideológico dos quadros de esquerda governamentais, como se fossemos viver doravante, todos nós, brasileiros, no “paraíso da Marina Silva”, de tanga e tênis nike… comercializando carbono suprimido por florestas em prejuízo do desenvolvimento sustentável da infraestrutura logística, da exploração racional de nossas riquezas minerais, petrolíferas e de nosso potencial de reservação hídrica e geração hidrelétrica.
Parece que ninguém ainda percebeu que o único país a perder com a manjada “agenda 2030”, extraída com viés por vias transversais do Acordo de Paris… é o Brasil. Que, por sua vez, é o único que ostenta compromissos de restrições de uso do solo a alteração de matrizes… tendo solo e matrizes disponíveis.
A falta de lógica e a submissão a um discurso vazio beira um retorno aos tempos coloniais – quando sequer papel podia ser produzido no país, para que não se cultivasse entre os nativos o hábito da leitura e da crítica.
Posto este primeiro quadro, vamos agora tratar do objetivo maior da missão chinesa no Brasil, e dos confusos interesses brasileiros apostos nas reuniões com a delegação asiática.
A estratégia política e econômica de Xi Jinping
Xi Jinping é um líder muito diferenciado. Não se alia à esquerda globalista, mas sabe como ninguém explorar as fraquezas dos súditos da “Nova Ordem Mundial” e suas aspirações “politicamente corretas”, “ecológicas” e “identitárias”.
Como primeiro líder chinês nascido após a Revolução Comunista a ascender á presidência, Xi conciliou sua formação em engenharia, pós graduação em direito e em “ideologia”, com os ensinamentos da antiga doutrina chinesa confucionista e taoísta, reconhecendo a importância da harmonia com a prática da austeridade, a importância do “ren”, das relações humanas e a virtude da educação e do caráter.
Conhecido por sua implacabilidade contra a corrupção, Xi modernizou as instituições de governança da China e retirou da pobreza mais de 600 milhões de chineses proporcionando ás pessoas a “oportunidade de prosperarem”.
Sob o comando de Xi Jinping, a política externa chinesa tornou-se assertiva.
No campo geopolítico, a China ganhou espaço no confronto com os interesses do Japão, em especial face aos conflitos de uso do “Mar da China Meridional” e implementou maior agressividade em relação á “autonomia” de Tawan. Também reforçou relações com Rússia e Coreia do Norte, sem descurar de manter relações pacíficas com a Coreia do Sul.
No campo das relações comerciais, a expansão chinesa alcança os portos da Alemanha, o continente Africano, os países lindeiros (com exceção da Índia – um rival tradicional), a linha de países muçulmanos asiáticos e do oriente médio, a África e a América do Sul, visando resgatar algo milenar sob nova roupagem e tecnologia: a “Rota da Seda” – cuja interrupção promovida por Maomé II, com a tomada de Constantinopla e a queda do Império Romano do Oriente, provocou a era mercantilista das navegações – a qual originou a globalização econômica a partir da Europa.
A doutrina comercial chinesa hoje é denominada “Um Cinturão – Uma Rota”.
Um Cinturão com o qual Xi Jinping promoveu a prosperidade das províncias fronteiriças da China – antes miseráveis, investindo pesadamente numa rede de infraestrutura logística, de forma a fortalecer o comércio por meio destas províncias com os países vizinhos.
Uma Rota que, por sua vez, reativou a “Nova Rota da Seda”, expandindo o comércio e investindo, igualmente, na infraestrutura de apoio logístico para o gigantesco abastecimento demandado pelos seus mais de um bilhão de habitantes e na expansão industrial em novos países consumidores de sua moderna tecnologia – uma contradição que Confúcio harmonizaria, pois “o que se expande industrialmente para a China… desindustrializa o beneficiário desta mesma expansão”.
Também não se pode descurar dos pesados investimentos na indústria do Turismo de lazer, de conhecimento e de negócios – hoje um forte vetor de empregabilidade e receita para a China.
O cenho franzido de Xi, durante os regabofes do G20, por outro lado, expressaram a profunda rejeição dele ao meio em que se encontrava. De fato, não se deve nunca subestimar o que se passa por trás do diplomático sorriso e amabilidade orientais para as fotos…
Disse Xi Jinping, ainda quando governador de província, na primeira década deste século: “As pessoas, com pouco contato com o poder, que estão longe dele, sempre veem essas coisas como misteriosas e novas. Mas o que vejo não são apenas as coisas superficiais: o poder, as flores, a glória, os aplausos. Eu vejo os bullpens e como as pessoas podem soprar quente e frio. Eu entendo a política em um nível mais profundo.”
Fique claro que “bullpens” eram as casas de detenção dos Guardas Vermelhos durante a sangrenta e arbitrária Revolução Cultural na China.
Essa a razão, por exemplo, da exigência chinesa de manter distante a primeira dama lulopetista das negociações bilaterais e cerimônias que seriam tratadas com o Brasil. A China de Xi não suporta veleidades – em especial aquelas que comprometam sua estratégia diplomática com os Estados Unidos – o grande rival no comércio global e na geopolítica regional asiática.
Os factoides e o fato da reunião bilateral
Efetuadas as reuniões bilaterais, com almoços e jantares promovidos nos palácios da Alvorada e do Planalto, 37 acordos foram firmados diplomaticamente, para serem divulgados por uma comunicação oficial de proximidade política estratégica, que no entanto ainda é muito distante, em relação aos resultados comerciais que foram os efetivamente pretendidos.
Memorando de entendimentos, por exemplo, no campo do direito internacional, são meros esboços de intenções declaradas – muito distantes de um acordo ou convenção. Nada produzem de efetivo.
“Declaração Conjunta” e “Plano de Cooperação para estabelecimento de sinergias”… também nada resultam para além do papel assinado, declarando intenções.
Assim, dos 37 (trinta e sete) “acordos” firmados, apenas 11 (onze) documentos trazem compromissos concretos entre os dois países.
Senão vejamos:
Reforço ao agronegócio e à indústria pesqueira nacional
Cinco compromissos conformam o quadro comercial estratégico que realmente interessam à nossa economia, em especial à exportação de agrocomodities. Afinal, o agronegócio brasileiro continua a garantir a segurança alimentar chinesa.
O Brasil, desde 2017, é o maior fornecedor de alimentos da China. Nesse sentido, o aval chinês para exportação, pelo Brasil, de farinha de peixe, óleo de peixe e outras proteínas e gorduras derivadas de pescado para ração animal, bem como as autorizações para importação chinesa de sorgo, gergelim e uva fresca do Brasil, denominando origem dos pomares e estabelecimentos de embalagem e conservação – preferencialmente no Nordeste, configuram um ganho de grande importância para a produção pesqueira e agricultura nacionais. A harmonizaçãõ de normas técnicas entre Brasil e China, também constituiram importante via de resolução de conflitos que costumam ocorrer em meio ao cumprimento de contratos de exportação.
Os dois países não assinaram a esperada abertura de mercado chinês para miúdos suínos brasileiros por não ter ocorrido a finalização dos respectivos protocolos. Da mesma forma sobraram as autorizações para novo lote de frigoríficos exportadores de carnes.
Financiamento bancário
Há dois protocolos importantes de ordem financeira, que apontam para a introdução do Brasil no plano estratégico da “Rota da Seda” : o Contrato de Captação entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB); e o Plano de Ação para Promoção do Investimento Industrial e Cooperação 2024-2025 entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China. Mas atenção! Como já dito acima, no bojo da estratégia assertiva e do modus operandi agressivo da “grande holding” que é o complexo industrial do Estado Chinês, fica claro que a China implementará um sistema visando “financiar” a sua própria industrialização no território tupiniquim, mais próxima do mercado consumidor, no entanto, “desindustrializando” o parque brasileiro, no mesmo mercado.
Alinhamento de Inteligência de Comunicação
Seguindo, com maior sucesso que a Rússia, seu plano de expansão do mercado de comunicação – envolvendo produções cinematográficas, jornalismo e expansão em rede social, a China – que já havia praticamente “adquirido” a Rede Bandeirantes de Radio e Televisão, firmou um Memorando de Entendimento entre a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e o Grupo de Mídia da China e, também, um Acordo de Cooperação Técnica entre a Empresa Brasil de Comunicação S.A. – EBC – e mesma China Media Group – CMG.
A CMG também firmou acordos com a UFRJ e a CNA, na mesma oportunidade. Mas o núcleo estratégico dessa iniciativa deve focar a aproximação do CMG com a Secretaria de Comunicação e o acordo da EBC com a CMG. A CMG é conhecida como Voz da China, em 2018, por deliberação do 13º Congresso Popular Nacional – o centro deliberativo estratégico do Partido Comunista Chinês, criou-se a holding estatal Grupo de Mídias da China, reunindo os meios de transmissão de rádio e televisão chineses com a fusão das empresas CCTV, CGTN, CNR, e CRI.
A CMG, portanto, não é apenas uma empresa comercial de mídia. Ela é a ferramenta de propaganda do Partido Comunista Chinês, destinado a articular a comunidação para milhões de chineses da China Continental, Hong Kong, Macau, Taiwan e os chamados “expatriados”, no exterior.
Assim como a Voz de Moscou gerou imenso incomodo em solo europeu ocidental e nos EUA, a CMG também atraiu a atenção dos serviços de inteligência ocidentais e asiáticos. Os EUA consideram a CMG, parcialmente, como “agente estrangeiro engajado politicamente”, nos termos da sua legislação de tutela e vigilância (FARA). Desse modo, o movimento de entes vinculados diretamente á comunicação oficial do governo brasileiro, no sentido de engajar a holding chinesa, deve ser visto com muita preocupação pelo próprio Congresso Nacional e Sistemas de Inteligência do Brasil (se é que ainda sobrou alguma coisa inteligente no sistema – hoje engolfado pelo regime juristocrata e populista que une STF e Governo num mesmo viés). Com certeza, o fato não passou despercebido pelo governo americano.
O spoiler da Janja
O que pareceu ser uma gafe grosseira da primeira dama brasileira, Janja da Silva, na verdade foi um spoiler – um adiantamento do que iria acontecer no roteiro de ações “estratégicas” do regime juristocrático-lulista – visivelmente apavorado com o fator Trump-Elon Musk a partir de 2025, nos EUA.
De fato, o governo brasileiro parece realmente querer dar uma banana para a Starlink norte-americana e, nesse sentido o “f#ck u Elon Musk” só adiantou o estrago diplomático gerado no acordo entre China e Brasil, nesse encontro bilateral.
Os países assinaram um Memorando de Entendimento entre Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras, Empresa Vinculada ao Ministério das Comunicações do Brasil (“Telebras”) e a Shanghai Spacesail Technologies Co., Ltd., Empresa Chinesa Cujo Objetivo Social é o Provimento de Serviços e Soluções de Telecomunicações via Satélite (“Spacesail”).
Nesse caso, o “memorando de entendimento” transcende as intenções, na medida em que já estabelece o propósito do acordo de forma objetiva e determina os agentes estatais que irão operar o acordo.
Esse acordo deve ser visto em conjunto com outro, sintomático, envolvendo o interesse minerário chinês no subsolo brasileiro, o “Memorando de Entendimento entre o Ministério de Minas e Energia da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China sobre Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Mineração”. Por óbvio, o geoprocessamento e a comunicação via satélite muito terão a ver com toda a logística de pesquisa, concessão de lavra, extração e transporte de material destinado a suprir as demandas industriais da China.
Por outro lado, o Brasil ensaia ocupar um espaço hoje preenchido pela rede Starlink no espaço brasileiro, No entanto, irá trocar um sistema que atualmente opera com mais de 6000 (seis mil) satélites, sendo 5000 (cinco mil) em órbita baixa, com a finalidade de comunicação, por uma empresa que hoje opera 36 (trinta e seis) satélites e, talvez, chegue a 640 em dois anos…
Imaginemos o quadro de emergência do Rio Grande do Sul, vítima da tragédia das chuvas intensas, cujo espaço de comunicação foi suprido com a transferência de alguns satélites da starlink, provisoriamente para cobrir a área.
Num futuro… que satélite teremos se houver avanço no protocolo, visando ceder o espaço orbital brasileiro ao sistema chinês? Desvistiríamos a amazonia para cobrir o Rio?
Mas o problema estratégico é muito mais grave. E, nesse sentido, aqui precisamos avançar do infantilismo ideológico para o quadro geopolítico, militar e estratégico.
Vamos analisar os riscos:
Consequências com a Starlink a partir da opção chinesa
A troca dos serviços da Starlink por um sistema chinês de menor capacidade pode trazer diversas consequências para o Brasil.
A qualidade de Serviço seria afetada
A Starlink, compõe uma plataforma de internet via satélite desenvolvida pela SpaceX, com alta capacidade de banda larga e baixa latência. Tecnicamente, isso é crucial para atividades que dependem de conexão rápida, como streaming de vídeo, telemedicina e educação à distância. Ademais, o Brasil se encontra dentro de uma anomalia magnética do atlântico sul, que o sujeita a chuvas e tempestades, raios e maior sujeição aos fenômenos solares. Nesse caso, um sistema ainda em fase de “instalação”, portanto de menor capacidade, pode resultar em riscos de qualidade graves com consequências as mais variadas.
A cobertura e acessibilidade seriam prejudicados
A Starlink tem um compromisso com a cobertura global, incluindo áreas remotas e rurais do Brasil, onde o acesso à internet é limitado. Um sistema chinês menor pode não ter a mesma abrangência ou pode concentrar-se em áreas urbanas, deixando regiões isoladas sem acesso adequado à internet. A própria iniciativa – decididamente “curiosa”, da CNA, em avançar um protocolo com o grupo de mídia chinês, poderia correr em enorme desgaste para a entidade junto ao seu público, com o risco de perda de cobertura.
Independência tecnológica e inovação
A dependência de sistemas providos por países monolíticos em sua estrutura de decisão, como a China, pode levantar questões de ordem estratégica muito sensíveis sobre controle de dados, segurança e soberania digital. Uma empresa americana, como são as nossas empresas, nos moldes ocidentais, prezam pela segurança jurídica no campo contratual – mais que o político, com meios de resolução de conflitos democraticamente alinhados em nível internacional.
Nesse caso, a mudança de rumo pretendida pelo governo brasileiro pode alinhá-lo num “bloco monolítico”, que será visto em termos geopolíticos como mudança de eixo, com todas as consequências advindas disso. Um exemplo é o conflito com a Venezuela, que busca o mesmo serviço com a China – seria curioso ver como ficaria a definição do provedor – uma vez que visivelmente submetido a um alinhamento político ditado pelo governo do país onde está sediado.
Por outro lado, a Starlink está na vanguarda da tecnologia de internet via satélite e tem um modelo de negócios que está em constante evolução. Trocar para um sistema nitidamente inferior pode limitar o acesso do Brasil a inovações futuras nesse campo. A capacidade de ter uma internet mais rápida e confiável impulsiona a economia digital, criando oportunidades em tecnologia, comércio eletrônico e startups. Um sistema menos eficiente e com viés… pode limitar esse crescimento.
Parcerias e Diplomacia
Não bastasse a deselegância já acima citada… A escolha do sistema vai afetar as relações diplomáticas do Brasil com o ocidente. Optar por um serviço norte americano fortalece laços estratégicos com os EUA, enquanto um sistema chinês irá gerar preocupações e desconfiança sobre a influência do chamado “Eixo do Mal” na soberania das comunicações do Brasil.
Los Hermanos
A Argentina começou a utilizar os serviços da Starlink neste ano de 2024 e… sim, a escolha do Brasil em relação ao sistema de internet via satélite pode ter consequências significativas para a competitividade com a Argentina, e isso poderá se manifestar de várias maneiras:
1. Optar por um sistema de internet inferior, irá impactar a qualidade do acesso à internet no país e irá afetar a competitividade das empresas brasileiras em comparação com as argentinas – inclusive quanto à permanência ou instalação de novas plantas americanas, asiáticas não satelizadas á China e Europeias. A obstrução ocorrerá no campo dos investimentos em tecnologia e inovação.
2. Um robusto sistema de internet via satélite é um diferencial para atrair investimentos estrangeiros e fomentar o empreendedorismo local. Um sistema menos eficiente e com viés, no Brasil, transferirá o potencial para a Argentina, que pode se tornar um destino mais atraente para empresas que buscam uma infraestrutura digital mais avançada.
3. Desenvolvimento de Setores Estratégicos, como tecnologia da informação, comércio eletrônico e serviços financeiros verão a Argentina como uma sede mais confiável para sediar seu sistema primário de comunicações, e propiciar avanço tecnológico.
4. Educação e capacitação sofrem com um sistema inferior enviesado, e isso pode prejudicar iniciativas de e-learning e desenvolvimento profissional, afetando a qualificação da força de trabalho brasileira em comparação com a argentina. Ademais, se o Brasil não conseguir fornecer acesso eficiente, pode estagnar em inovações tecnológicas.
5. As cidades inteligentes dependem de uma infraestrutura digital robusta. Ainda que a China hoje seja uma referência em vários aspectos do novo urbanismo, uma escolha pelo seu novo sistema, em um ambiente ainda impreciso de concorrência de mercado, poderá limitar o desenvolvimento do planeejamento urbano e tecnológico em várias cidades brasileiras. Nesse ponto, a Argentina pode avançar em relação ao Brasil.
O Risco Geopolítico
A opção geopolítica e econômica por um sistema chinês de internet via satélite pode potencialmente levar a perdas significativas para a indústria nacional do Brasil. Face ao sistema monolítico de decisão Chinês, ainda que vantajoso para o Brasil quando nosso país para lá exporta, não o é de forma alguma quando o usuário do produto somos nós, Ao optar por tecnologia chinesa, o Brasil permanecerá dependente de um único fornecedor. Isso irá limitar a capacidade do país de desenvolver soluções tecnológicas próprias, ainda que se crie linhas de cooperação com a China. Geopoliticamente, isso irá gerar vulnerabilidades no controle e segurança de informações no ambiente ocidental em que o País se encontra (a menos que alguém ainda acredite no linguajar “briciano” de “sul global”…).
O sistema chinês, como já dito e repetido, produz industrialização para si, e esmaga o parque industrial local – mesmo porque a China age e pensa como uma grande holding, detentora de formatos cartelizados e verticalizados de produção e provimento de serviços. O sistema de governança dela assim o permite, pois ela adota hoje uma forma capitalista de estado meritocrática – embora não o admita. Mas quando esse formato avança para o sistema de iniciativa privada e mercado aberto praticado no ocidente – e mesmo na ásia capitalista, ele irá criar vieses que poderão afetar a livre concorrência e prejudicar indústrias nacionais, levando a um estancamento no desenvolvimento tecnológico local.
Se a adoção de tecnologias de empresas estrangeiras, especialmente em setores estratégicos, pode prejudicar a indústria nacional, imagine quando a tecnologia adotada está inteiramente subordinada à projeção estratégica de Estado do país sede do provedor. A depender da tecnologia, do processo geopolítico e circunstancial e do suporte de empresas estrangeiras, o Brasil pode se ver em uma situação onde a manutenção e o suporte técnico serão controlados “de fora”.
Já sofremos esse problema com o programa nuclear brasileiro, e a insuportável capacidade que temos, por aqui, de nos boicotarmos e nos jactarmos pelo fracasso obtido…
Assim, a escolha de um sistema de internet de um país com o qual existem tensões geopolíticas, ainda mais promovida sob o temos de “retaliações” da “direita” trumpista, face à sucessão de bobagens que nossas “otoridades” produziram por aqui nos últimos tempos, irá claramente impactar a percepção internacional do Brasil, influenciando parcerias e colaborações com outros países.
A escolha do governo brasileiro em termos de alinhamento geopolítico, considerando a dinâmica atual das relações internacionais, incluindo o novo quadro político nos Estados Unidos e o avanço de governos conservadores na Europa.
O “Eixo do Mal” e o risco militar
O Eixo do Mal descreve países considerados antagonistas aos interesses ocidentais, especialmente os dos EUA. Um alinhamento excessivo com potências não ocidentais irá esfriar as relações do Brasil com países ocidentais, como de fato já está a ocorrer.
O Brasil, como membro da ONU e do Mercosul, tem compromissos a manter com organismos internacionais e com aliados tradicionais. Um forte alinhamento com países como a China ou a Rússia em termos de defesa militar pode complicar esses compromissos e gerar desconfiança entre aliados tradicionais. E isso inclui não só as opções de inteligência de comunicação como também o gerenciamento espacial sobre o território brasileiro.
Nesse sentido a relação com os EUA e a Europa se expressa no acesso a tecnologia de defesa moderna. Um afastamento dessas parcerias vai limitar as opções de aquisição e modernização de equipamentos militares, bem como acesso a suporte técnico e manutenção.
Se o Brasil for percebido como parte de um “eixo do mal”, pode enfrentar sanções ou embargos comerciais de países ocidentais, o que pode prejudicar gravemente sua economia. Isso poderia afetar não apenas a indústria de defesa, mas também outros setores críticos, como cadeias de suprimentos essenciais para a manutenção e modernização das forças armadas, dificultando a operação eficaz do material militar.
A política externa do Brasil tem se baseado no “softpower”. No entanto, o aquecimento do clima de tensões irá demandar investimento e desenvolvimento nas indústrias de defesa doméstica. Um alinhamento com economias em desenvolvimento pode abrir oportunidades, mas a qualidade e a tecnologia podem ser prejudicadas pelas escolhas geopolíticas erradas. A China, assim como a Russia, podem adotar posições com independência porque se tornaram potências militares capazes de produzir seus suprimentos. Já no Brasil, a sucessão de desastres de governança nos levaram a perder a capacidade moderada que já tinhamos de produzir nossos suprimentos de defesa e desenvolver uma respeitada indústria para as demandas militares. Relações de cooperação militar, que incluem treinamento, exercícios conjuntos e troca de informação, serão prejudicadas, o que afetará nossa prontidão operacional e a eficiência das forças armadas brasileiras (embora já tenhamos notícia que forças especiais, segundo nossa ativista juristocracia – além de imprimirem esquemas em impressora de repartição, operam de taxi…).
Conclusão
Assim, as escolhas do governo brasileiro em termos de alinhamento geopolítico estão deformando não apenas a percepção diplomática do Brasil, mas também sua soberania, defesa militar, compromissos comerciais, capacidade de modernização e manutenção de seu já quase moribundo parque industrial.
Nos parece clara a ausência de um sistema de planejamento e consultoria técnica em assuntos estratégicos, substituída por palpites com vies ideológico.
A natureza das escolhas deve ser cuidadosamente avaliada para evitar consequências negativas nos planos diplomáticos e de segurança do país.
O resultado da missão chinesa no Brasil, assim, pode ter marcado um ponto importante para o competente Xi Jinping. Porém, expôs a fragilidade do sistema de governança em curso no Brasil.
Trump e Elon Musk… mais ao norte, estão observando – e isso diz respeito também á doutrina de defesa integrada do Comando Sul do Continente Americano.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é Diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, membro do IBRACHINA Smart City Council e Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX. Pinheiro Pedro preside a tradicional Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, e é Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Como jornalista é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 21/11/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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