Em meio ao desgoverno ambiental, as péssimas gestões dos três poderes da República forjam um factóide que pactua o óbvio
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Enquanto dez estados da federação sofrem com a fumaça dos incêndios florestais que dominam parte da Amazônia e Pantanal e o governo federal afunda em crise sem precedentes na governança do IBAMA, os piores quadros dirigentes da história da República se reúnem em convescote para anunciar um novo Pacto de Transformação Ecológica entre os Três Poderes.
Anunciado com o alarde de sempre, o novo pacto de transformação ecológica entre os três poderes da República no Brasil foi uma iniciativa proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – premido pela óbvia falta de governança diante do quadro de desastres decorrentes da imprevisibilidade, ausência de prevenção, inexistência de contingência e falta de planejamento e má estratégia em face aos eventos climáticos em curso.
O pacto tem como objetivo promover ações conjuntas entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para enfrentar os desafios ambientais, buscando uma governança mais integrada e efetiva na proteção do meio ambiente e na promoção do desenvolvimento sustentável. Pretende articular políticas e ações que envolvam todos os níveis de governo e a sociedade civil, reconhecendo a importância da colaboração entre os poderes para a construção de um futuro mais sustentável. Embora tenha objetivos nobres e essenciais, a carta de intenções aponta para adoção de medidas óbvias, que de fato integram o rol de obrigações institucionais do Poder Público, em obediência aos princípios de eficiência, proporcionalidade, publicidade e economia processual – legislativa, judiciária e administrativa.
O objetivo deste artigo é dissecar de forma objetiva e sistematizada a questão, expor os problemas e, também, apontar diretrizes.
O problema do Pacto é o governo Lula
O Pacto, em verdade, terá que enfrentar problemas nele próprio já vislumbrados, como:
1. Falta de comprometimento real, ou ausência de compromisso efetivo por parte dos diferentes poderes, levando a uma execução ineficaz das medidas propostas.
2. Conflitos de interesse, especialmente entre o governo e setores econômicos, face à necessária exploração de recursos naturais, mal fiscalizada ou desproporcionalmente obstruída, por conta de gestões reativas implementadas a título de proteção ambiental.
3. Burocracia e lentidão, decorrente da falta de articulação entre diferentes esferas de governo – que resulta historicamente em processos burocráticos lentos e judicialização; fenômeno responsável pelo atraso e indefinição na tomada de decisões e execução de ações necessárias.
4. Dificuldades de integração e comunicação por conhecida falta de um sistema eficaz de comunicação e integração entre os poderes; fato que gera contínua desarticulação nos esforços e compartilhamento de informações.
5. Recursos limitados, devido à falta de alocação de recursos financeiros e humanos adequados para implementar as ações previstas no pacto – problema real que compromete sua efetividade e alcance.
6. Falta de monitoramento e avaliação, por evidente ausência de indicadores claros e mecanismos concretos para monitorar e avaliar o progresso do pactuado; daí porque será difícil identificar falhas e necessidade de ajustes nas políticas e ações anunciadas. Esses problemas, acima elencados, demandariam planejamento cuidadoso e forte compromisso político e social, para que o pacto de transformação ecológica anunciado prossiga adiante.
Mas é evidente que isso demandaria, também, uma outra governança que não a atual. Senão vejamos:
O atual governo Lula enfrenta uma progressão de desastres, com destaque para:
1. Aumento do desmatamento na Amazônia e em outros biomas, decorrentes justamente pela ineficácia das políticas de combate até aqui adotadas.
2. Conflitos setoriais evidentes entre posicionamentos políticos do governo e demandas dos setores agrícolas e industriais, dentre eles a “redemarcação” de áreas indígenas e rediscussão do marco legal, conflitos de entendimento legal sobre autorizações de exploração nos biomas do pantanal e amazônia, nenhum avanço na política de recursos hídricos e absoluta inação na implementação de um sistema integrado de prevenção a desastres naturais.
3. Infraestrutura e projetos controversos, como a eterna indefinição na implementação de estradas, hidrelétricas, hidrovias, portos, estações de geração de energia renovável e linhas de transmissão, originando conflitos na avaliação de impactos, licenciamento ambiental e confrontos com demandas locais comunitárias, fatalmente judicializados.
4. Falta de recursos e fiscalização, por não haver sequer previsão de investimentos suficientes no sistema de fiscalização ambiental e licenciamento. Não por outro motivo, o governo enfrentou desde o início de seu mandato, uma sucessão de greves no IBAMA e ICMBio, praticamente destruindo a já precária estrutura de monitoramento e controle de atividades ilegais, como desmatamento, mineração e exploração madeireira.
5. Falta de políticas consistentes, decorrentes do excesso de proselitismo, diretamente proporcional à ausência de um planejamento estratégico, coeso e transparente, que articule as diversas iniciativas ambientais, hoje claramente desarticuladas e, portanto, ineficazes.
6. Desafios na articulação política interna, por evidente conflito de interesses entre o biocentrismo crônico do Ministério do Meio Ambiente e demais ministérios de causas identitárias e sociais… com o setor de gestão da economia e da infraestrutura. Nesse campo, as gestões petistas sempre empurraram os problemas para adiante, aguardando que algum evento desastroso demandasse uma atitude reativa que pusesse fim ao conflito.
Esses pontos destacam a complexidade dos desafios que o governo Lula enfrenta no contexto atual.
De fato, a falta de governança ambiental no atual governo tem gerado preocupações, a ponto de tornar a relativizar a soberania nacional sobre o bioma amazônico.
A questão da governança
A governança ambiental demanda solução estrutural. Sem isso, tornou-se um problema crônico em todo o SISNAMA. Sobre isso, já apontei soluções estruturantes e sistêmicas em várias ocasiões¹, razão pela qual entendo importante anotar aqui apenas os problemas genéricos:
1. Fragmentação da governança ambiental, afetada pela fragmentação de políticas públicas, ocasionada pela descoordenação entre diferentes setores e ministérios, dificultando a implementação de estratégias integradas e eficazes.
2. Indefinição de prioridades, acarretando a inevitável priorização de interesses econômicos reativos, sem a devida sustentabilidade ambiental. O conflito não raro leva à impressão de conivência com atividades que prejudicam ecossistemas e comunidades locais.
3. Redução da autonomia dos órgãos ambientais, com intervenções que reduzem a autonomia de órgãos reguladores e de fiscalização.
4. Baixa transparência e participação social, não raro substituída pelo assembleísmo e atendimento a demandas ocasionais precedidas de manifestações barulhentas. Por óbvio que a governança ambiental requer transparência e participação da sociedade civil – porém, essa integração deve ocorrer de forma transparente, eficiente, disciplinada, com diálogo e accountability. Nesse sentido, não raro a militância acaba prejudicando a confiança nas decisões governamentais.
5. Recursos insuficientes e a falta de investimento nos órgãos ambientais, compromete a capacidade de atuação efetiva.
6. Desconsideração do conhecimento local, substituído por uma idealização conformada ideologicamente. Sintoma típico do biocentrismo que contamina ativistas inseridos nos três poderes da Nação.
Nesse campo, a gestão de Marina Silva no atual governo, vem enfrentado críticas e revelando claras falhas. A saber:
1. Combate ao desmatamento ineficiente e ineficaz;
2. Conflitos de interesses econômicos e ambientais, que frequentemente resultam em concessões que comprometem as ações de preservação e desmoralizam o discurso da ministra.
3. Burocracia excessiva, retroalimentada com o atropelo de novas regulamentações, que geram ainda mais burocracia, atormentando setores sensíveis e dificultando a própria execução de projetos sustentáveis.
4. Pressão setorial de setores industriais e agropecuários, face à indefinição de políticas importantes, como por exemplo a disputa entre eletrificação de frotas, em claro conflito com o estsímulo ao uso de biocombustíveis, ou o interesse na exploração de petróleo no Norte do País, em conflito com o zoneamento ecológico e a agenda climática adotada pelo país sem qualquer salvaguarda à própria soberania.
5. Limitação de recursos para órgãos ambientais, estão prejudicando a fiscalização e o controle territorial – em grande parte por não haver uma estratégia clara, evidente, sólida e planejada, por parte do Ministério.
Esses pontos refletem os desafios significativos que Marina Silva enfrenta, sem no entanto, ter a humildade de reagir proativamente, no contexto complexo de enfrentamento a deseastres sem precedentes no sul do país, no litoral do sudeste, no pantanal e região amazônica.
Somado a todo esse problema, a inatividade do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) no atual governo tem gerado diversas deseconomias e contribuído para o aumento dos danos ambientais e à própria saúde pública.
As deseconomias vêm afetando os investimentos estrangeiros, a imagem do Brasil no exterior, a gestão de multas e compensações com redução de receita.
Soluções práticas dispensam “pactos”
Deseconomias evidenciam a importância de uma governança ativa e eficaz, que não se resolve com festejos palacianos e troca de afagos em tons aveludados entre personagens desprovidas de brilho por integrarem uma geração de dirigentes a ser esquecida pela história.
A falta de ação, portanto, não é apenas uma questão ambiental, mas também social e econômica, impactando diversas esferas da sociedade.
Para restabelecer e fortalecer a governança ambiental no atual governo brasileiro, deveriam ser adotadas medidas urgentes, tais como:
1. Fortalecimento administrativo e operacional do IBAMA – concentrando recursos, reformulando sua estrutura operacional, reciclando os quadros e contratando mais servidores. Há necessidade de investimento imediato em tecnologia para fiscalização e monitoramento ambiental, assegurando a efetividade das suas funções.
2. Desenvolvimento de políticas integradas, com a edição de um plano estratégico de governança ambiental que una diferentes ministérios e setores, promovendo a articulação entre políticas de meio ambiente, clima, desenvolvimento econômico e social.
3. Aumento da transparência e participação social, com mecanismos que garantam a transparência nas decisões ambientais e participação da sociedade civil e especialistas, nas discussões sobre políticas públicas, sem “assembleísmos”.
4. Reforço nas ações de combate ao desmatamento, com campanhas e ações específicas – operações de fiscalização e a aplicação rigorosa de multas e penalidades para infratores, precedidas do devido planejamento, ação de inteligência e integração de forças de segurança. Parece óbvio, e parece que já ocorre… no entanto, o que se vê, é reação teatral, não estrutural.
5. Promoção real de educação ambiental, com investimentos em programas de educação e conscientização que atendam aos anseios da sociedade, incentivando práticas sustentáveis, prestigiando a técnica e a criatividade, seja nas comunidades, seja nas atividades econômicas.
6. Mudança radical na forma de governança do gabinete, com a instalação de uma sala de situação, um grupo operacional de gabinete integrado ao CEMADEN – Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais e CENSIPAN – Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia – para o planejamento de ações estratégicas. Ou seja, menos discurso, mais ação.
Tudo isso pode ajudar a criar um ambiente mais sustentável, com uma governança ambiental que funcione de maneira eficaz e articulada, contribuindo para a preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável no Brasil. Nada disso necessita de “pactos transformadores” ou factoides similares, pois a ação proativa e propositiva demanda tão somente inteligência, competência e… vontade política.
Nota:
1 – PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Notas Sobre o Sisnama e sobre a estrutura do Ibama”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2019/01/notas-sobre-o-sisnama-e-sobre-estrutura.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental – AICA, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator – Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 31/08/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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