A essência da polícia é a legalidade. A indisciplina a torna desnecessária. Museus estão lotados de estruturas que foram substituídas quando tornadas disfuncionais.
Por Luiz Eduardo Pesce de Arruda – Cel PM*
Policiais Militares são essencialmente legalistas. Todos fazem um juramento público de honra (que não são constrangidos a firmar), pública e voluntariamente. Pelo juramento o policial militar promete cumprir as ordens das autoridades a que estiver subordinado, tratar com afeição os irmãos de armas e com bondade os subordinados, e dedicar-se inteiramente ao Serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderá, se preciso com o sacrifício da própria vida. É exatamente isso que vemos no cotidiano, onde tantos heroicos PM tombam para defender a lei e as pessoas vulneráveis contra a ação de delinquentes.
O governador – e não a pessoa física do João Doria, do Bernardino de Campos, do Adhemar de Barros, do José Maria Marin ou do Paulo Maluf – é o Comandante da Polícia Militar. Isso é mandamento constitucional, segundo o art 139, parágrafo 1° da Carta Estadual. Essa relação hierárquica remete à própria criação das PM, no período regencial (1831).
As ordens são cumpridas pelos policiais militares enquanto são legais e morais. Nem sempre são agradáveis, nem fáceis de cumprir. Todo policial já teve o desprazer de cumprir alguma ordem que o desagradou. Mas a Policia é essencialmente disciplinada – o braço armado do Estado, auxiliar da Justiça, a quem foi conferida a exclusividade do uso da força letal, ou o monopólio da violência ( Max Weber) para compelir os recalcitrantes ao cumprimento das leis.
A Polícia, desde a Revolução Francesa, corporifica a “Força Pública” – termo usado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão – a serviço da Lei e da Justiça. Para julgar a legalidade e a moralidade das ordens de um governador, em um Estado Democrático de Direito, existe o Poder Judiciário. Se o governador exorbitar, pode sofrer um processo de impeachment, pelo Legislativo, nos termos da lei.
Alguns radicais têm cometido o despautério de, pelas redes sociais, comparar policiais a jagunços, como se todo policial fosse miliciano (tema que essa gente conhece bem). Isso foi profundamente desrespeitoso e evidencia o caráter de quem posta – e de quem paga e incentiva tais postagens. O jagunço cumpre ordens por temor reverencial, por lealdade canina ao seu patrão, por medo de represália ou por dinheiro, muito distante do comportamento dos policiais militares, profissionais e comprometidos com a legalidade. A PM não obedece pessoas, mas a autoridade de que estão publicamente investidas, nos termos da lei. Têm por dever fazer cumprir a lei.
Por isso, em 1842, a PM paulista, sob direto comando de Caxias, combateu a Revolução Liberal de Sorocaba. Entre os oponentes, seus dois ínclitos fundadores, naquele momento adeptos do movimento rebelde: Feijó e Tobias.
Vivemos um tempo em que alguns policiais militares, que ocuparam cargos importantes quando no serviço ativo e se portaram com bravura, probidade e disciplina, têm reverberado, apoiado e estimulado pelas redes sociais a prática de atos de indisciplina por policiais da ativa – a ponto de exaltarem a desobediência a ordens legais emanadas de autoridades competentes. Nisso são estimulados por políticos irresponsáveis, alguns inclusive ex-PM, expulsos das fileiras de suas instituições por atos incompatíveis com a dignidade da função. Eles acenam respeitar e defender os interesses dos PM, mas na verdade só estão preocupados com seu próprio espaço.
Policiais Militares, em geral, padecem de baixa autoestima – convictos que os governantes não os respeitam nem se importam com eles, sabendo que não têm amigos e que são abandonados à própria sorte no meio do caminho. Assim, ficam comovidos com pequenos gestos de manifesto afeto, como governantes que desviam seu itinerário para cumprimentar a viúva de um policial heroico tombado no cumprimento do dever.
No entanto, a realidade é dura. Nenhum ato concreto em favor das polícias militares é tomado por quem se propõe a liderar a mudança da legislação. A lei não foi modificada para preservar a vida dos policiais, hoje tão expostos – para combater o crime organizado, a impunidade de adolescentes autores de atos infracionais gravíssimos. No entanto, modificaram a Lei para a ampliação de armas de fogo em mãos da sociedade, que tem sido insistentemente defendida baseada em falácias . A mudança, na verdade, somente contribuirá para o aumento dos ganhos da indústria bélica e da violência fruto de conflitos interpessoais, crimes de trânsito, brigas de casal, suicídios e homicídios – praticados por acidente no interior dos lares,. Armas que cairão em mãos de criminosos- e ocasionará morte de mais policiais.
O motivo determinante da reforma levada a cabo por Feijó, como ministro da Justiça da Regência, em outubro de 1831, foi a indisciplina das polícias fardadas e armadas que então existiam, e que foram simplesmente extintas para a criação das atuais polícias militares.
Polícias de estrutura militar são necessárias à sociedade. Mas não necessariamente as atuais PM.
A teoria dos benefícios – muito aplicada em marketing, ensina essa lição há décadas: a sociedade não precisa de organizações, mas dos benefícios que elas trazem.
Ora, se uma organização armada ceder ao canto da sereia e seus membros começarem a agir com indisciplina, deixando de atender com confiabilidade à missão que lhes foi confiada, outra organização assumirá e cumprirá seu papel.
Os museus estão cheios de extintas corporações policiais. E nós, policiais militares, queremos que as nossas polícias militares sejam respeitadas e presentes, não apenas uma saudosa memória que o tempo esmaecerá.
É necessário manter o profissionalismo, a disciplina, o equilíbrio. Manter a política fora dos quartéis. Não dar ouvidos a oportunistas e a fake news, que são produzidas abundantemente na cornucópia da instabilidade e da mentira.
Talvez esteja na hora de reforçarmos ainda mais nossos valores – e o compromisso com a verdade é o primeiro deles. É preciso nos inspirarmos mais nas forças armadas ao invés de dar ouvidos a aventureiros sem ética ou responsabilidade.
Aventureiros só querem alcançar seus objetivos pessoais inconfessáveis – e usar as quase bicentenárias Polícias Militares para isso.
*Luiz Eduardo Pesce de Arruda é Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Publicitário e bacharel em direito, professor universitário, Arruda é pesquisador da historia paulista, tem cinco livros publicados e 16 canções policiais militares compostas. Autor da música do Hino do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e da Escola Paulista da Magistratura (em parceria com o poeta Paulo Bonfim).
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 05/04/2021
Edição: Ana A. Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.