Às voltas com a pandemia de coronavírus e diante da importância que o simples ato de lavar as mãos ganha neste contexto, nós, abaixo-assinados, micro e pequenas(os) artesãs(os) da saboaria, vimos a público solicitar atenção extrema das autoridades nacionais ao quadro regulatório para o exercício da atividade da saboaria artesanal e da cosmética tradicional. Para tanto, embasaremos nosso pedido e contaremos uma rápida história sobre sabões, sabonetes e afins.
HISTÓRIA DO SABÃO
As técnicas e o fabrico de sabão perdem-se na história da humanidade. Sua origem, provavelmente pré-histórica, pode estar ligada a descobertas acidentais, espontâneas e ocasionais. Seu processo simples de manufatura pode ser comparado aos processos culinários e artesanais para elaboração de queijo, pão, vinho, cachaça, vidro, cerâmica ou coalhada.
Cogita-se que os primeiros seres humanos, tendo cozinhado carne diretamente ao fogo, observaram no local, depois de uma forte chuva, o aparecimento de espuma em torno dos resíduos de suas fogueiras junto aos restos de carne. Escrituras relacionadas à fabricação de sabão datam de 2.800 a.C. e foram encontradas em escavações na antiga Babilônia e nas ruínas de Pompéia. Os fenícios, em 600 a.C., já usavam terra argilosa com calcário ou cinza de madeira, transformando esta mistura em uma pasta limpante. Caio Plínio, o Velho (23 – 79 d.C.), naturalista romano, desenvolveu seus sabões fervendo cinzas de madeira e sebo de cabra durante horas e dias subsequentes.
Registros históricos do sabão também foram encontrados em estudos e pesquisas sobre o Império Romano, Bizantino e Idade Média, quando surgiram os primeiros sabões feitos a partir do óleo de oliva.
Utilizado como fixador de cabelos, para limpeza de roupas, tratamento de feridas e doenças de pele, considerado um produto nobre e encontrado somente em palácios e palacetes até meados do século XVIII, o sabão se tornou popular e começou a ser produzido em escala após a extração da soda cáustica advinda do sal, descoberta feita em 1792 pelo químico francês Nicolau Leblanc (1742 – 1806). Com isso, o custo de produção do sabão foi gradativamente reduzido, tornando-o acessível a todas as pessoas.
SURGE O SABONETE
No século XIX, surgiram as primeiras grandes fábricas norte-americanas de sabão. Em 1806, William Colgate abriu uma indústria chamada Colgate & Company para comercialização de sabões em barra com pesos padronizados e, em 1878, os primos Harley Procter e James Gamble, preocupados com a invenção da lâmpada incandescente de Thomas Edison, deixaram de produzir velas e passaram a fabricar um novo tipo de sabão branco, cremoso, consistentemente homogêneo e abundantemente espumante.
Através de uma “sacada publicitária”, os soaps (sabão, em inglês) passaram a ser chamados de soaps perfumes (sabonetes) e não tardou para os novos produtos caírem no gosto popular e serem introduzidos definitivamente ao banho, competindo com produtos importados da Europa e com os sabões antes reconhecidos mundialmente como os de Castella (Espanha), Marseille (França) e Aleppo (Síria).
DIFERENÇA ENTRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E ARTESANAIS
A indústria cosmética se reinventou com o decorrer dos anos. Muitas empresas entraram no mercado e uma grande variedade de produtos está, hoje, à disposição da população em prateleiras de farmácias, drogarias e supermercados. Mas qual diferença entre produtos industrializados e artesanais?
Os sabões e sabonetes atuais foram modificados para limpeza e remoção de sujeiras e gorduras de superfícies sólidas, lisas ou porosas. Para a indústria, a massa bruta do sabão ou de um detergente são a mesma coisa. Em contato ou misturado à água quente, têm sua abrasividade potencializada. Na produção industrial, a glicerina, elemento fundamental para hidratação da pele, é retirada da massa bruta.
Já os produtos artesanais são fabricados a partir de substâncias da natureza viva (óleos, gorduras e manteigas), pela saponificação dos ácidos graxos contidos em elementos naturais e vegetais sem a retirada da glicerina. Seu uso proporciona um banho mais prazeroso, espumante, umectante, emoliente, sem trincar ou craquelar a pele, sem a deixar exposta a bactérias que levam às coceiras, alergias, descamações, dermatites e ao ressecamento.
Ou seja, aquele pequeno sabonete (detergente sintético) comercializado nas farmácias, drogarias e supermercados pode ser barato e trazer economias para o bolso do consumidor no curto prazo mas, no longo prazo, este sabonete fará a pessoa consumir cremes e loções hidratantes para tratar o estrago que ele próprio leva à pele. É um ciclo vicioso: as empresas cosméticas vendem o agressor da pele e depois vendem o restaurador.
São eficazes contra o novo coronavírus? Sem dúvida, mas a assepsia do sabonete artesanal está impedida de chegar a mais pessoas…
A SABOARIA ARTESANAL
No Brasil, existem inúmeros grupos, dezenas de milhares de pequenos empreendedores e empreendedoras dedicados à produção de sabões e cosméticos naturais e ambientalmente responsáveis. São pessoas, nossas vizinhas e vizinhos, que produzem um perfume caseiro, um creme manufaturado, um sabão artesanal que nos encanta mais do que os produtos industrializados.
Na saboaria artesanal, os produtos são feitos com a utilização de elementos primários, como óleos e manteigas vegetais, óleos essenciais e álcalis (cinzas vegetais, soda ou potassa), sem uso de maquinário pesado, sem a introdução de derivados de petróleo utilizados pela grande, média e pequena indústria. Porém, as dezenas de milhares de saboeiras e saboeiros artesanais espalhados pelo Brasil sofrem com a rigidez excessiva da legislação, com o peso das normas da Vigilância Sanitária que não atendem a este artesanato milenar, a este patrimônio da humanidade que é a saboaria artesanal.
O ARTESANATO NÃO PODE SER PAUTADO POR LEIS QUE SE APLICAM À INDÚSTRIA
Microempreendedores artesãos, mal amparados pela Lei 6360/1976, devem, hoje, seguir as mesmas regras de fiscalização e obrigações sanitárias das indústrias de cosméticos.
A artesã e/ou artesão que quiserem regularizar sua atividade de saboaria deverão obter uma Autorização de Funcionamento (AFE), que exige a constituição formal de uma empresa; deverão ter um responsável técnico devidamente registrado no conselho regional da classe; deverão elaborar relatório técnico de aparelhagem, maquinários e equipamentos de que dispõe, com suas especificações de capacidade e material; deverão preparar relatório técnico contendo a descrição da aparelhagem, o controle de qualidade; deverão apresentar lista da natureza e espécies de produtos. São tantos deveres, tão desconexos com uma atividade ancestral e artesanal, que os levarão a se afastar do artesanato, ou os obrigarão a trabalhar na informalidade, sempre com medo de serem impedidos de exercer seu artesanato da noite para o dia.
A artesã e/ou artesão, mesmo não sendo uma indústria, precisarão regularizar seus produtos “após análise técnica, a depender do respectivo grau de complexidade” (Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 211 da Anvisa).
Em meio a isso tudo, há as taxas, que são exorbitantes para nós, pequenos empreendedores artesanais, embora seja pouco para os industriários.
E o cerco se fecha aos artesãos quando nos deparamos com uma das Instruções Normativas da Anvisa (IN DC 66/2020), que dispõe sobre a Classificação Nacional de Atividades Econômicas. Para a Diretoria Colegiada da Agência de Vigilância Sanitária a fabricação de sabões, detergentes sintéticos, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal oferecem mais riscos, por exemplo, do que a coleta, tratamento e disposição de resíduos perigosos (consideradas de baixo risco). E mais… na mesma IN se reconhece as diferenças entre panificação industrial (alto risco) e aquela de produção própria (baixo risco), mas não há diferenciação da atividade artesã saboeira para a industrial.
Ou seja, se a produção de sabões artesanais assemelha-se aos processos de preparação de queijo, pão, vinho, cachaça, vidro, cerâmica, cerveja ou coalhada, na prática, e comparativamente falando, é como se a Lei 6360/1976 e Anvisa estivessem proibindo a criação de panificadoras de bairro a favor da criação de grandes fábricas de pães, impedindo que pequenas vinícolas não produzissem seus vinhos, que o pequeno produtor de queijo não pudesse mais fazer sua iguaria ou que a(o) dona(o) de casa fosse proibida(o) de cozinhar uma coalhada, bater seu achocolatado ou fazer um café, leite e bolo para vender como ambulante ou de porta em porta.
Dezenas de milhares de micros e pequenos empreendedores socioambientais são considerados marginais perante uma lei descontextualizada e desatualizada. É como se artesãs e artesãos da saboaria são equiparados aos narcotraficantes, contrabandistas e comerciantes de produtos piratas. Mestres saboeiros e saboeiras do Brasil inteiro são impedidos de levarem adiante uma atividade milenar (umbilicalmente ligada à história da humanidade), assemelhada a processos culinários, potencializadora de geração de trabalho e renda, e eticamente responsável com o consumidor e meio ambiente em sua essência.
Para demostrarmos que não somos poucas pessoas dedicadas à Saboaria Artesanal, basta entrar em uma das Petições On Line que estão abertas pela internet. Clique aqui para acessar.
NECESSIDADE DE PROCEDIMENTOS SIMPLIFICADOS PARA A SABOEARIA ARTESANAL
Mas a coisa poderia ser diferente…
O PL 7816/2017, que determina que a Saboaria Artesanal seja enquadrada pela Lei do Artesanato (13180/2015), está tramitando no Congresso com a agilidade de um bicho-preguiça e sua morosidade na tramitação só ajuda a diminuir o número de trabalhadores e trabalhadoras da nossa economia. Ele está na Comissão de Seguridade Social e Família e, na sequência, passará pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Depois o documento irá para o Senado e, por lá, não sabemos por quantas Comissões tramitará. Até lá, no mínimo 2 anos decorrerão.
Há também o PL 3123/2020 (com o mesmo objetivo do Projeto de Lei 7816), determinando enquadramento emergencial da Saboaria Artesanal na Lei do Artesanato devido à Covid-19, porém, aguarda Relator.
Com as aprovações destes PLs:
• saboeiras e saboeiros do Brasil poderiam negociar seus produtos com hotéis, pousadas, lojas de lembranças turísticas de suas cidades e valorizar a identidade e afirmação cultural de uma determinada localidade ou região;
• grupos associativos para geração de trabalho e renda poderiam ser formados e proliferar uma cultura de empreendimento socioambiental país adentro;
• lojas de artigos e matérias-primas para saboaria artesanal abririam pelo Brasil e nova dezena de milhares de empregos diretos e indiretos seriam formados; e
• a cultura do sabão artesanal poderia ser melhor divulgada e fiscalizada.
Nada disso ocorrerá, porém, pois sofremos com a rigorosa estrutura burocrática sanitária e seus procedimentos “documentais”.
Precisamos que os procedimentos para a saboaria artesanal sejam simplificados, como acontece, aliás, com os procedimentos simplificados para o setor de alimentação no Brasil e, a título de exemplo, como já ocorre com a saboaria artesanal britânica, na União Europeia e nos Estados Unidos.
Por fim, estamos abertos ao diálogo com Corpo Diretivo e Técnico da Anvisa, a fim de construirmos o futuro promissor, ético e seguro da saboaria artesanal brasileira, para juntos termos mais liberdade, protagonismo cidadão e produtos locais que, inclusive, mostram-se tão urgentes nesta pandemia da Covid-19.
Subscrevemo-nos com abraços fraternos,
Adriana Gouvea Fajardo de Campos, RG 216696559, Nova Friburgo/RJ
Aline Magina Ferreira, RG 12.987.734-6, Rio de Janeiro/RJ.
Ana Lucia Bilro de Araujo, RG 633.730, Natal/RN.
Ana Luiza S. V. Araujo, RG 20.867.730, São Paulo/SP.
Ana Paula B. Silva, não repassou a complementação de dados.
Ana Paula Francisco Kunde, RG 19.284.917-7, São Paulo.
Ana Paula Machado Soares, RG 8.670.090, Juiz de Fora/MG.
Andreia de Jesus Alves, RNM V8802034, Rio de Janeiro/RJ.
Angela Tereza Savastano, RG 04.835.544-0, Rio de Janeiro/RJ.
Arlete Ramos, 12.372.880-0, Rio de Janeiro/RJ.
Beatriz Araujo Valle, RG 755.594, Goiânia/GO.
Beatriz Corrêa de Freitas, RG 21.042.832-2, Rio de Janeiro/RJ.
Beatriz de Alcântara Peres, RG 23.476.374-7, São Paulo/SP.
Camila Coelho Amorim, RG 21.761.402-3, Paraty/RJ.
Camila do Lago, RG 500400-3, Ilhéus/BA.
Carolynne Mello von Hülsen, RG 36.174.873-5.
Cassia Regina Caldas Tojal, RG 4860154, Rio de Janeiro/RJ.
Charlene Daniel de Andrade, RG 12.412.593-1, Paracambi/RJ.
Claudia Patrícia Costa de Macedo, RG não informado, Natal/RN.
Cristiane Bispo dos Reis Di Iorio, RG 07681706-3, Araruama/RJ.
Dânia Mara Meirelles, RG 15.159.327, São Paulo/SP.
Daniela da Cunha Souza Patto, RG 22.511.238-3, Cotia/SP.
Daniela Scartezini, RG 26.545.508-X, São Paulo/SP.
Daniella Miwa Kakazu, RG 48.695.047-5, São Paulo/SP.
Deborah Pedrosa Vianna, RG 10.370.916-8, Rio de Janeiro/RJ.
Denise Paiva Monteiro, RG 21.449.079-9, Rio de Janeiro/RJ.
Edina Cristina Pereira Cavalcanti, RG 42.590.649-8, São Paulo/SP.
Elen Duarte Silveira, RG M 8.522.771, Divinópolis/MG.
Elisabeth Vianna Bacchini, RG 4.673.938-5, São Paulo/SP.
Fátima P. de Melo Azevedo, RG 13.704.549, São Paulo/SP.
Fausto Nóbrega Villas-Bôas, não repassou a complementação de dados.
Fernanda Delmondes, RG 1.708.832-1, Palmas/TO.
Gláucia Aragão Torquato, RG 11.8082.43-7, Rio de Janeiro/RJ.
Grazielle Grabowski, RG 4.054.898, Curitiba/PR.
Iara Ito, RG 8.539.939-5, São Paulo/SP.
Isleid Vaiano, não repassou documento, São Paulo/SP.
Izilda Maria Teixeira Costa Araújo, RG 20.929.539-9, São Paulo/SP.
Janaína di Paula Cipriano, RG 1333.794, Vitória/ES.
Juliana Menezes Pinto, RG 020.388.373-1, Rio de Janeiro/RJ.
Karin Cristina Gutierrez, RG 22.609.135-1, São Paulo/SP.
Laila Valois Chucre, RG 29.327.943-3, São Paulo/SP.
Leandro dos Santos Souza, RG 32.397.935-X, São Paulo/SP.
Lilliam Fernandes de Oliveira, RG 20307900-9, Rio de Janeiro.
Livia Cristina Barreto de Magalhães, RG 24.294.840-4, Rio de Janeiro/RJ.
Luciana Rodrigues de Souza Ramos, RG 097302418, Rio de Janeiro/RJ.
Luiza de Almeida Monteiro, RG 39.408.638-7, São Paulo/SP.
Luna Machado Pereira Freitas, RG 21.747.972-4, Rio de Janeiro/RJ.
Luz Yamila Gonzalez Torres, RG não informado, Rio de Janeiro/RJ.
Lyandra Vieira da Motta, RG 07420103-9, Rio de Janeiro/RJ.
Marcéli Aragão Torquato, RG 12.128.584-5, Rio de Janeiro/RJ.
Márcia Goulart de Souza, RG 07341005-2, Rio de Janeiro/RJ.
Marcílio Luiz da Silva, RG 22.428.449-6, São Paulo/SP.
Margarida Coelho de Amorim, RG 2.277.784-9, Paraty/RJ.
Maria Aparecida Gatti, RG 11.502.614-9, Salvador/BA.
Mariana Roberta da Silva, RG 1501-710, Brasília/DF.
Maristela Brito Gava, RG 10.223.107-3, Rio de Janeiro/RJ.
Patrícia Alcalá, RG 19.185.535, São Paulo/SP.
Priscila Araújo, RG 020.370.133-9, Queimados/RJ.
Raquel Brabec, não repassou documento, Aracaju/SE.
Raquel Guimarães de Melo Alfonso, RG 22.993.770-6, São Paulo/SP.
Regiane Yoshida, RG 32.623.282-5, São Paulo/SP.
Renata Eni Ferreti Lorenzoni, RG 1928553SSPES, Campos dos Goytacazes/RJ.
Renato Novas, RG 515.585, São Paulo/SP.
Samantha Soares Rodrigues, RG 09257942707, Rio de Janeiro/RJ.
Sarah Vasconcellos de Castro, RG 10.767613-2, Valença/RJ.
Simone Gallina, RG 202.140.912-9, Canoas/RS.
Suzana Rezende Barroso, RG 3.225.144, Rio de Janeiro/RJ
Sylvia Borges da Fonseca, RG 03624897, Rio de Janeiro/RJ
Sylvia Florinda Pereira Rodrigues, RG 4.267.122-X, São Paulo/SP.
Telma Regina S Almeida, RG 17.482.485-3, São Paulo/SP.
Téca Carvalho, RG 10.837.829-9, São Paulo/SP.
Terezinha de Jesus Santos Barroso Pereira, RG 03822280-8, Rio de Janeiro/RJ.
Thaís Olitta, RG 30.915.389-X, Piracicaba/SP.
Tyfé Fessel, RG 34.003.904-8, Piracicaba/SP.
Vanessa Soares, RG 17.865.450-4, São Paulo/SP.
Walquiria Molina, RG 16.354.058-5, São Paulo/SP.
Wanessa G. Pires, RG 12.479.843-0, Rio de Janeiro/RJ
E…
Associação Brasileira de Aromaterapia e Aromatologia
Ensaboa – Saboaria Artesanal do Brasil
Fonte: Saboeiras e saboeiros artesãos
Publicação Ambiente Legal, 26/04/2021
Edição: Ana A. Alencar
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