Instrução da Funai articulada com o Incra libera centenas de áreas rurais “embargadas” no papel por análises de demarcação de áreas indígenas ainda não resolvidas
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Em articulação com o Ministério da Agricultura, a FUNAI libera do Cadastro Fundiário do INCRA centenas de áreas rurais gravadas por procedimentos incompletos de análise, conferindo segurança jurídica a um território equivalente ao tamanho do estado de Pernambuco.
Articulado com a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, a Fundação Nacional do Índio baixou a Instrução Normativa 9 de 16 de abril de 2020 – publicada em 22 de abril de 2020, alterando as regras sobre a manifestação da entidade quanto à incidência e confrontação de imóveis rurais em terras indígenas tradicionais. A nova instrução determina que a entidade se manifeste nessa matéria, junto ao sistema fundiário, somente no que tange às áreas já homologadas e às reservas indígenas e terras dominiais de comunidades indígenas reconhecidas com fundamento na Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio) e no Decreto 1.775 /1996,.
A normativa interfere diretamente no Sistema de Gestão Fundiária administrado pelo INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária, jurisdicionado à pasta da Secretaria de Assuntos Fundiários do MAPA.
Com essa medida, a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, que se destina a fornecer aos proprietários ou possuidores privados a certificação de que o imóvel respeita os limites das terras indígenas, não mais incluirá os estudos de identificação e delimitação ou análises em andamento para constituição de reservas indígenas.
Esta decisão foi tema de minha análise no programa Notícias Agrícolas, em conversa com o editor do Portal, João Batista Olivi.
Para assistir ao vídeo, basta clicar aqui ou na imagem abaixo:
João Batista Olivi e Antonio Fernando Pinheiro Pedro, analisando a medida da FUNAI-INCRA no Notícias Agrícolas
Disciplinando um terreno indisciplinado
O documento informa que as próprias comunidades indígenas que se tornem, por seus próprios meios, proprietárias de imóveis rurais ou urbanos, deverão comunicar os limites desses imóveis para que a FUNAI possa contemplá-los na análise de emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites. Determina, também as análises de sobreposição efetuadas pela FUNAI e seus servidores credenciados no SGEF do INCRA, deverão se limitar a apontar o que já foi homologado por decreto.
A medida é um divisor de águas. Espalhadas por todo o território nacional, muitas propriedades rurais estiveram por vários anos interditadas por antropólogos da Funai, enquanto se desenrolava o processo que provaria que aquelas terras tinham antecedentes indígenas e que, portanto, estariam aptas a se transformarem em reservas. Essa espada de Dámocles colocada sobre a cabeça de milhares de proprietários rurais, estava imobilizando terras economicamente aproveitáveis, em área equivalente ao estado de Pernambuco – algo em torno de 9 milhões de hectares.
O ato normativo, editado pelo presidente da FUNAI, foi articulado pelo Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabham Garcia, que agora irá retirar da SIGEF (Sistema administrado pelo Incra/Funai) milhares de processos pendentes, restituindo a posse legal das áreas aos seus proprietários, para fins de uso, gozo, garantia, cessão, venda e parcelamento.
Essa medida, por outro lado, não altera em nada o prosseguimento de análises e estudos, que continuará sendo desenvolvido pela Funai, mas sem as interdições das propriedades.
Por óbvio que entidades ambientalistas e indigenistas protestaram. Mas o protesto constitui mais um indício de que a confusão até agora existente tinha por função gerar conflitos fundiários e estimular uma relativização do direito de fruição da propriedade com finalidade exclusivamente proselitista.
Destinando a ferramenta ao seu uso devido
A medida normativa é relevante e emblemática, pois encerra um período em que ficamos à mercê do ativismo antropológico que muito prejudicou a questão fundiária em nosso País.
Em vídeo comunicando a edição da medida, o próprio Secretário Nabhan Garcia, refere-se à inclusão no sistema dessas áreas em análise como “aquela chamada ‘lista suja’ do Sigef”, denominando o sistema como um “órgão que insere as propriedades e qualifica (como) propriedades rurais, terras indígenas, quilombolas em todo Brasil.”
Por sua vez, o presidente da FUNAI, Xavier, informou que “a partir de agora, somente estarão no Sigef as áreas indígenas homologadas por decreto presidencial. Isso traz segurança jurídica, pacifica conflitos no campo. E o papel da Funai, enquanto instituição defensora da legalidade e dos interesses indígenas, é do cumprimento da Constituição federal, do direito da propriedade, dar dignidade aos indígenas”. “Nós agora vamos tentar e com certeza vamos minimizar em muito a conflituosidade no campo”, completou Xavier.
O Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) é uma ferramenta eletrônica desenvolvida em 2013 pelo Incra e pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para subsidiar a governança fundiária do território nacional. Quando terras indígenas a serem demarcadas são incluídas no sistema, propriedades rurais nesses locais podem ser embargadas, com suspensão de crédito e financiamentos. O SIGEF, porém, no período de Dilma, abria espaço para caminhos pouco republicanos, quando não terminava judicializado.
A inclusão no Sigef, apenas de limites homologados ou com sentença transitada em julgado na hipótese de judicialização, permitirá restituir o sistema ao seu objetivo original – que é o de conferir segurança jurídica ao sistema fundiário nacional. Isso, somada à orientação de que o INCRA terá um prazo máximo de 30 dias para emitir o certificado de cadastro de imóvel rural, conferirá um enorme passo no sentido de pacificar as relações jurídicas no campo, garantindo o acesso ao crédito, à regularização ambiental e até mesmo reduzindo os conflitos gerados pela burocracia impregnada pelo ativismo na seara ambiental e antropológica.
Notas:
Matéria aposta originalmente no Site Notícias Agrícolas, 28Abril2020, in https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/politica-economia/257938-incra-libera-237-areas-rurais-ameacadas-de-virarem-terra-indigena-analise-da-noticia.html#.Xql1oWhKhhE
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 29/04/2020
Edição: Ana A. Alencar