Um fenômeno criminológico com largo espectro econômico exige mecanismos complexos para o seu combate
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Neste artigo, procuro analisar o fenômeno da corrupção e as ferramentas de Estado hoje utilizadas para o seu combate. O artigo contém um histórico da evolução do fenômeno e das ferramentas criadas para reprimí-lo. Analisa, também, os mecanismos de Lei e Ordem usados hoje para conter o crime.
Nossa sociedade é totalmente corrupta, a política está à venda”.
A frase é de Gore Vidal, romancista, dramaturgo, ensaísta, roteirista e ativista político nos Estados Unidos – já falecido, para quem o famoso caso ENRON abrira “os olhos dos ingênuos que idolatram o capitalismo moderno”.
Em dezembro de 2001, o mundo, ainda abalado pelos atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro, foi surpreendido por outro evento com proporções globais: a descoberta de manipulações contábeis em uma das empresas mais conceituadas dos Estados Unidos, a ENRON.
Essa descoberta deu inicio a um efeito dominó, com a constatação de práticas de manipulação em várias outras empresas, não só norte–americanas mas sediadas no resto do mundo. O fato resultou em uma crise de confiança de níveis inéditos desde a quebra da bolsa norte-americana em 1929.
O episódio enfraqueceu o grau de confiança dos investidores, abalando o equilíbrio não apenas do mercado daquele país, mas também dos demais mercados internacionais.
Vidal – experiente político democrata, fez o link do fato com a corrupção do partido republicano e disparou: “quem levanta mais dinheiro para comprar tempo de TV será, provavelmente, eleito”. Pôs, também, o dedo na ferida da crise ao apontar que “contabilidade e auditoria se mostraram inteiramente corruptas e o governo, conivente, não dava a mínima…”
Gore Vidal disse isso de olho na realidade norte-americana. No entanto, poderia tê-lo dito no Brasil, na Argentina, na China, na Coréia, na Rússia…
Gore Vidal foi um intelectual e pensador internacional. O cerne de sua preocupação, a corrupção humana, tal como a fama de Vidal, também não reconhece fronteiras ou regimes.
Um fenômeno criminológico e econômico
Fenômeno conhecido desde os tempos de Roma antiga, a corrupção deixou de ser um aspecto criminológico marginal, secundário, na vida pública e privada. Tornou-se fator de risco à própria estrutura econômica que hoje sustenta nossa civilização.
A Câmara de Comércio Internacional estima que o impacto da corrupção nos negócios globais, atualmente, supere a marca de 5% do PIB (aproximadamente US$ 3 trilhões). Para o organismo, a corrupção aumenta os custos de se fazer negócios em 10%.
O Banco Mundial calcula que o volume de dinheiro gasto, apenas com propina, no mundo, já corresponda a US$ 1 trilhão ao ano.
Por óbvio que esses dados não inserem o incrível aumento na média mundial, ocasionado pelos números da corrupção brasileira. Em especial os valores apurados nas operações da Polícia e Justiça Federal durante os governos petistas…
O fato é que a corrupção, hoje, é o principal obstáculo ao desenvolvimento sustentável. Ela atinge desproporcionalmente os pobres e desvia recursos que deveriam ser destinados à saúde, ao saneamento, á educação e à assistência social.
A corrupção impacta moralmente e materialmente toda a sociedade, impede o crescimento econômico, compromete recursos que poderiam ter destinação produtiva ou socioambiental, distorce a livre concorrência, ameaça a reputação, relativiza a legalidade e desestabiliza governos.
Ela também tem a capacidade de retroalimentar, de forma sinérgica, a criminalidade. Uma estrutura de Estado apodrecida pela corrupção transforma-se, ela própria, numa organização criminosa tentacular…
Corrupção obstrui a sustentabilidade
O fenômeno da corrupção também atinge o equilíbrio ambiental.
O Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente estima que um investimento público ou privado anual de apenas 2% do PIB global (US$ 1,3 trilhão), em dez setores-chave (agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transporte, água e gestão de resíduos), poderia dar início à transição para uma economia verde: de baixo carbono, com eficiência de recursos e socialmente inclusiva.
Esse valor, no entanto, corresponde a menos da metade do dinheiro desperdiçado com corrupção no planeta.
Fosse, portanto esse valor desviado, gasto com o desenvolvimento sustentável, haveria verba suficiente para corrigir condutas, resolver entraves e superar desafios climáticos globais.
Não se trata de uma retórica engajada. Trata-se de mensurar a monstruosidade dos danos causados pela corrupção.
Os danos ocasionados à saúde, á educação, aos programas sociais, são igualmente imensos. Ocasionam miséria, destruição e morte. O vínculo direto entre o estado calamitoso do atendimento hospitalar, a ausência de prevenção, a imunização deficiente e a morte de milhares de indivíduos por ausência de saneamento e atendimento só é superável pela miséria decorrente do analfabetismo funcional e incultura de milhões de excluídos por conta da apropriação criminosa de verbas e desvios ilícitos de dinheiro público. Daí porque deve a corrupção ser tratada como crime hediondo.
Outro aspecto que não pode ser esquecido é a íntima conexão entre burocracia, descontrole fiscal e corrupção.
Quanto maiores os entraves burocráticos à economia, maior é a cartelização e a concentração econômica e, por conseguinte, maior é a corrupção.
Quanto maior o descontrole fiscal do Estado, maior será a ocorrência de corrupção.
A burocratização do compliance
A imagem corporativa é a primeira vítima da corrupção. Ela é sensível e extremamente exposta, pois vigora em um mundo midiático.
A imagem corporativa torna-se vulnerável à qualquer apreciação crítica, em especial à suspeita de corrupção.
Na era do big-data, redes sociais formam um rastilho de pólvora tão explosivo quanto a imprensa tradicional. Assim, há riscos adicionais de difícil prevenção e maior dificuldade ainda para a correção da imagem. A manutenção da imagem de empresas e corporações ante escândalos virou um grande desafio.
A destruição da imagem de corporações infratoras é efeito esperado no combate à corrupção. Essa conexão é rotineiramente observada nas últimas décadas. Grandes empresas chegaram a se repaginar e mudar a razão social, visando purgar culpas e faltas. Outras tantas sucumbiram.
A busca por “uma imagem de transparência” levou grandes companhias a aderirem à cultura do “compliance” – sistema corporativo de controle de conformidades legais e éticas.
O compliance pode ser uma saída, mas também pode significar um entrave se não for implementado com ponderação. Grandes empresas se perdem no labirinto dos critérios midiáticos e procedimentais armados pelo chamado “compliance de formulário” – improdutivo e nada eficaz.
Há uma enorme confusão na implementação do compliance. Essa confusão gera desproporção de exigências burocráticas em relação à eficácia pretendida. Não raro, restrições aparentemente “transparentes”, resultam em barreiras à livre iniciativa e discriminam pequenas empresas fornecedoras e prestadoras de serviço, promovendo “cartéis” de empresas “pré-certificadas”. Geralmente, essa pirâmide de arrogância termina gerando mais corrupção.
Essa pouca eficácia do “compliance de formulário” o equipara à “maquiagem verde”, tão combatida décadas passadas. De fato, formulários cadastrais e declarações burocráticas não resolvem de per si iniciativas ilegais de dirigentes e stakeholders. Não impedem que o mau planejamento e a mediocridade administrativa originem verdadeiros desastres.
Observe-se o caso da Petrobras – campeã dos formulários e procedimentos de compliance nos contratos e na admissão de prestadores de produtos e serviços, cujo rol de exigências burocráticas não impediu a inserção da empresa no rol da corrupção mundial. O cartel dos trens urbanos em São Paulo e o desastre ambiental de Mariana, atribuído à SAMARCO (pertencente à VALE – outra “campeã” de formulários…), demonstraram que a enorme burocratização do compliance gera apenas papel.
Follow the money
De fato, o positivo combate à corrupção não está no “esforço sincero” ou na burocracia do compliance das administrações corporativas. Está nos procedimentos objetivos implementados pelos organismos de investigação, em especial a regulação do sistema financeiro.
O sucesso está vinculado à mudança de postura e articulação da ação policial com ministério público, entidades de regulação econômica, de controle financeiro e de contas nacionais. Está também expresso nos órgãos de investigação e controle financeiro multilaterais.
Bancos são ferramentas financeiras que necessitam de estreita regulação e firme auto regulação, como pressuposto de credibilidade. Nas últimas décadas, seja pelo avanço no combate ao terrorismo internacional, seja pelo combate ao crime organizado e á corrupção de estado, o cerco à lavagem de dinheiro tem apertado significativamente. Não por outro motivo dinheiro em espécie é encontrado emparedado e imóveis inteiros chegam a ser usados como “caixa-forte” de valores sem origem.
A integração internacional, por sua vez, estreita de forma significativa o espaço de manobra para aplicação de dinheiro proveniente de atividades suspeitas – e isso retira funcionalidade à corrupção.
A regra primeira, na investigação da corrupção é, portanto, seguir o dinheiro.
O Estado contra o crime
A reação estatal à corrupção no mundo tem sido forte. É necessário compreender o alcance de um princípio muito caro à autoridade de qualquer estrutura de governo nacional: a desproporção entre a Administração Pública e o administrado.
A corrupção é um fenômeno antigo. No entanto, na era moderna, deixou de ser um componente apenas vinculado à conduta isolada de agentes públicos e privados, para ingressar no campo das assimetrias que caracterizam os conflitos atuais – que envolvem interesses difusos e formas híbridas, integram motivações pessoais e ideológicas.
Essa desproporção, portanto, é necessária para a prevenção e repressão de um fenômeno igualmente assimétrico, que é o da corrupção sistêmica moderna.
Há um esforço de criminalização cada vez mais abrangente das condutas de corrupção ativa e passiva.
A sofisticação é contínua no combate ao fenômeno criminológico, seja pela articulação do sistema repressivo com o ambiente de regulação econômica, seja, também, pela inserção de programas preventivos e de monitoramento de atividades de risco nos organismos de controle financeiro.
Esses mecanismos sofisticados constituem uma resposta com alto grau de eficiência, dos estados nacionais ao fenômeno da corrupção.
Essas medidas devem ser vistas em uma escala de sinergia, para que possam vir a ser bem reconhecidas.
O paradigma internacional
O melhor exemplo são as regras de transparência e governança corporativa surgidas em reação à crise da ENRON, e que foram inseridas na Lei Sarbanes Oxley, de 2002 – Public Company Accounting Reformand Investor Protection Act – chamada SOX em homenagem aos seus autores: Senador Sarbanes (democrata de Maryland) e Deputado Michel G. Oxley (republicano de Ohio).
A SOX possui 11 títulos, envolvendo responsabilidades adicionais dos conselhos de administração das empresas, penalidades criminais e engajamento regulatório da Securities and Exchange Commission –SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana).
As regras aplicam-se às empresas com bens e ações negociados no mercado americano. Portanto, tiveram efeito sinérgico no resto do mundo.
Após o escândalo do Lehman Brothers, que afetou todo o mercado financeiro em 2008, mecanismos adicionais surgiram e outros países seguiram a “marola” de controle das atividades financeiras. Surgiram mecanismos de responsabilização administrativa de grandes companhias e de adoção de medidas de combate à corrupção. Essas medidas foram estabelecidas nos blocos econômicos regionais, para além dos países.
O foco de todo esse esforço de combate à corrupção é o mercado financeiro – elemento essencial à esse tipo de atividade criminosa.
O combate também afeta atividades de grandes empresas multinacionais, em especial nos chamados mercados emergentes.
A articulação, assim, se internacionalizou de forma definitiva.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) liderou, nesse campo, os esforços para a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, destinada a combater o suborno transnacional.
A convenção já abrange 30 Estados membros da OCDE, mais Brasil, África do Sul, Argentina, Bulgária, Chile, Estônia, Israel e Eslovênia. Todos os signatários trataram de implementar uma campanha de conscientização global nominada: “Quem paga o preço da corrupção? Todos nós”.
No campo financeiro, os Bancos se fecharam aos depósitos de valores “sem origem”.
O sigilo bancário vem sendo relativizado por meio da judicialização sistemática. Paraísos fiscais sofrem pressão e, como peças de dominó, cedem à regra de tornar público o que antes era o capital anônimo – representado pelas chamadas empresas off shore.
Essa ação internacional de controle público, como já dito, envolve intenso combate, não apenas à corrupção, mas ao crime organizado e ao terrorismo (de toda forma, conexos).
Hoje, é praticamente impossível a fuga de corruptos e de seu dinheiro, sem deixar rastros. Seja em busca de guarida em país estrangeiro, seja por meio da lavagem de dinheiro, pois o nível de integração de informações e cooperação internacional sofre aperfeiçoamentos em velocidade inimaginável há duas ou três décadas.
Por óbvio, a informatização do sistema e a integração via internet, compõe o grande fator disruptivo.
“Lei e Ordem” – doutrina desembarca no Brasil
O Brasil, hoje, está no centro das atenções.
É no Brasil que se trava a grande queda de braço entre agentes responsáveis pela implementação da legislação anti-corrupção e todos os outros interessados na manutenção do fenômeno criminológico.
A implementação da Lei da Ficha Limpa, da Lei de Acesso à Informação Pública, da Lei de combate ao Crime Organizado, da Lei Anticorrupção, de medidas de saneamento nos contratos públicos e de controle do fluxo de dinheiro não declarado, exercida pelos órgãos de controle multissetoriais, varre, hoje, o ambiente político e empresarial brasileiro. Esse esforço expõe envolvidos à luz da sociedade e ao crivo da Justiça.
O julgamento do Mensalão, as Operações Lava-Jato, Zelotes, entre outras, tamanho o impacto na vida cotidiana das pessoas, contribuíram para a redução da tolerância moral da sociedade brasileira em relação ao fenômeno da corrupção. Demonstraram o que muitos (inclusive este subscritor) clamavam desde os anos 90: a formação de forças-tarefa especializadas – envolvendo magistrados, procuradores, auditores e policiais, é o meio de combate eficaz ao crime organizado, em especial à corrupção e lavagem de dinheiro.
Porém, grande parte dos operadores do direito penal no Brasil, incluso nos tribunais superiores, ainda não se deu conta do fato. Em verdade a grande maioria desconhece a doutrina.
Não são raras manifestações de espanto com a proximidade entre investigadores, persecutores e julgadores, em equipes especializadas, a adoção de diligências “casadas” e a quebra de trâmites burocráticos em favor da presteza das investigações.
Há também quem confunda, no exercício da atividade especializada, engajamento ideológico na aplicação da lei com parcialidade. Essas confusões podem gerar injustiças, abusos e impunidade – e advém a ignorância do mecanismo assimétrico de repressão do Estado, voltado para a resolução de um conflito igualmente assimétrico, que é a corrupção.
O sistema penal brasileiro, nesse campo, também não ajuda. Magistrados que acompanham a investigação também julgam no processo de conhecimento. Embora o Ministério Público seja regido pelo princípio da unicidade, criou-se um segundo princípio nocivo à justiça, do chamado “promotor natural” – que termina por personalizar a persecução penal. Por outro lado, a execução penal é totalmente desconectada com a realidade e circunstâncias políticas – gerando verdadeira sensação de impunidade, tamanho o volume de “saídas” para a abreviação do tempo e mitigação das medidas punitivas.
Mas, é fato, já ocorreu o desembarque da doutrina “Lei e Ordem” nas praias do judiciário brasileiro, e essa doutrina cativou a nova geração de magistrados no Brasil. Será preciso observar o que doravante irá ocorrer no sistema.
A introdução gradativa das novas táticas e estratégias de combate ao crime organizado, foi sendo implementada discretamente, mediante normas legais mais restritivas.
Importante compreender as assimetrias.
Essas normas legais exigem alto nível de especialização dos agentes implementadores, visto admitirem certo grau de “compressão dos direitos individuais” – termo ainda inédito em nossa doutrina pátria, porém usual nas doutrinas italiana, francesa e norte-americana.
O juízo “garantista” e a doutrina “abolicionista”, ainda em voga no Brasil, há muito foram superados no resto do mundo como posturas deontologicamente aceitáveis no direito penal. O mundo demanda hoje a doutrina da “Lei e Ordem”.
Aliás, a falta de compreensão desse choque de doutrinas é que tem atordoado parcela do judiciário e dos criminalistas no Brasil.
A “compressão” dos direitos e garantias
“Comprimir” – fique bem entendido, não significa reduzir ou mutilar. Diz respeito à aplicação metódica e motivada de medidas de restrição procedimentais – tais como as tutelas assecuratórias da investigação, como a prisão temporária e provisória, buscas e apreensões, conduções coercitivas, o monitoramento por escuta telefônica, a colaboração voluntária, etc.
Essas medidas de compressão ocorrem no contexto de uma dinâmica de investigação focada na celeridade – afinal, os elementos envolvidos (pessoas e entes econômicos), costumam prezar pela sofisticação e celeridade, visando fugir à tutela da Justiça.
Assim, a manutenção de prisões temporárias, prisões preventivas, buscas e diligências ostensivas, exposição dos implicados em depoimentos de colaboração premiada, saem da excepcionalidade para se tornarem mecanismos de rotina nesses processos de investigação; e costumam ser eficazes justamente por isso.
Vários projetos de lei visando modificar a execução das penas e permitir o cumprimento eficaz da condenação, em curso no parlamento brasileiro, buscam também ampliar o cerco e eliminação da sensação de ineficiência do sistema judiciário. O fato é que, com a adoção da Lei e Ordem, o ambiente de impunidade, antes reinante na Administração Pública brasileira, está ruindo.
O alvo maior desse combate é a cultura da arrogância-tolerância, instalada no serviço público, na burocracia e nas relações cartelizadas.
A soberba típica de quem se julga acima da lei, a prática da propina e demais atos relacionados à corrupção, sempre constituíram práticas “rotineiras”. São práticas comuns, infelizmente, no ambiente empresarial e nos órgãos públicos.
Porém, nos últimos anos, essa cultura da arrogância-tolerância vem enfrentando obstáculos e sofrendo repressão efetiva, tornando-se postura de alto-risco para os envolvidos.
Bem ou mal, há hoje uma maior transparência provinda do judiciário nacional, quando o assunto é a apuração de crimes de corrupção.
O risco, no entanto, está na tentação por ações midiáticas, e no estreitamento da persecução com o juízo de instrução – esse risco de promiscuidade é vivido desde os tempos da santa inquisição e já levou ao descrédito operações internacionais importantes, como foi o caso da Operação “Mãos Limpas”, na Itália.
Esse “ovo da serpente” sempre permanece incubado nos pacotes e medidas de combate ao crime organizado, oferecidos como ponte para encurtar distância entre a repressão e a tutela judiciária. Deve ser evitado a todo custo, estabelecidos limites claros de aproximação e tutela nas forças-tarefa anticorrupção.
O linha que separa as condutas abusivas das regulares é muito tênue na Doutrina Lei e Ordem. A proximidade do magistrado com a persecução e a investigação, nesse campo, é grande, e visa justamente compensar a igualdade de armas face ao fenômeno criminológico, que transcende poderes e fronteiras.
Importante anotar que o modelo italiano propicia ainda maior proximidade, pois o juiz praticamente acompanha a ação policial, autorizando as ações a cada minuto. Afinal, na Itália, constitucionalmente, o trabalho de investigação policial está subordinado ao judiciário.
No Brasil, a burocracia e a invenção cartorial do Inquérito, reduzido a termo como se outro processo fosse, dificulta a dinâmica desejável da tutela judicial, demandando maior interação entre as partes e o juízo, na valoração de evidências – algo típico do funcionamento de forças-tarefa, que incluem, obviamente, o judiciário – e necessitam conviver com defensorias e defensores (até mesmo por conta da hipótese de delação premiada).
A infraestrutura está no alvo dessas instituições.
Estudos elaborados pela polícia italiana, já na década de 90, no final do século XX, apontavam que os maiores fluxos na lavagem de dinheiro sujo ocorriam em obras públicas, gestão de resíduos e mineração.
Se observarmos os fatos ocorrentes nos últimos anos, verificaremos o expressivo número de processos, investigações e denúncias envolvendo atividades vinculadas justamente a obras públicas, mineração e gestão de resíduos.
O elemento “Administração Pública”, como se sabe, é uma constante nessa salada de equações. Isso significa não apenas que há um incremento econômico na atividade da corrupção mas, principalmente, que os organismos de repressão estão muito mais atentos ao que se passa nesses setores e, com isso, têm desbaratado em muito maior número as quadrilhas usuárias dos fluxos apontados.
O monitoramento, assim, procura concentrar-se no fluxo do dinheiro, na origem e destino do capital.
Como se diz na gíria policial: “follow the money” (siga o dinheiro)…
A tolerância para com a corrupção, portanto, deverá ser ZERO.
A intolerância ao malfeito seguirá na proporção direta do nível de consolidação dos regimes democráticos e das estruturas de repressão, fiscalização e transparência.
Esse combate é medida efetiva de desenvolvimento nacional. É razão, também, de reconhecimento do Estado Democrático de Direito em todo o mundo.
*colaborou Danielle Thame Denny
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e foi Consultor do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 30/04/2016
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.
Excelente.