Na supremacia dos idiotas, o rancor social determina os costumes e a cultura
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Nossa democracia está se desfazendo sob a polarização protagonizada por gente problemática. O risco de desfazimento das garantias da cidadania, por ação de agentes acometidos por síndromes e paranoias, parece ser maior e mais extenso do que parece.
Nelson Rodrigues identificou que os idiotas, percebendo-se maioria, perderam a vergonha – trataram de se candidatar a cargos públicos, obter mandatos populares e exercer funções executivas na mídia e em grandes empresas. Uma tragédia anunciada há tempos.
A questão é que essa hegemonia política dos ressentidos ameaça o pluralismo, que é a própria essência do regime democrático. É o ápice do regime político comandado por “gente com problema”.
Antigamente, gente ignorante, arrogante, falsa, agressiva, covarde, preconceituosa, invejosa, rancorosa, contaminada pela soberba, intrometida e dona da verdade – era vista com reserva. Tratava-se, como diziam nossos pais, de “gente com problema”.
Os mais velhos nos orientavam a tratar tipos problemáticos educadamente, sem no entanto “se deixar envolver”, quando apresentassem algum risco disfuncional.
O mundo, na geração passada, era mais cordial. Afinal, não era de bom tom discriminar ostensivamente, muito menos ser deseducado. Cautela e caldo de galinha nunca foram sinal de preconceito.
A literatura, ao longo do tempo, sempre refletiu essa observação atenta à natureza humana.
A mediocridade pedante do Conselheiro Acácio, no romance “Primo Basílio”, de Eça de Queiroz, divertia os leitores. Vilefort, o procurador covarde que traiu a confiança de Edmond Dantés na trama “O Conde de Montecristo”, de Alexandre Dumas, causava náuseas. Nutria-se raiva do ativismo justiceiro do inspetor Javert, na grande obra “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Pateta era mesmo pateta nos quadrinhos de Disney e as neurastenias do Capitão Haddock – o alcóolatra de alma limpa, amigo do repórter Tintin, de Hergé, eram toleradas e compreendidas.
Não era crime conhecer e lidar com a natureza humana.
Mas os tempos mudaram. A vida tornou-se chata e judicializada.
Não basta agora ignorar. É preciso adular e promover o problemático. Pior: insultar e “cancelar” o crítico racional.
No Brasil, o fenômeno ganhou contornos de tragédia. Somos hoje tutelados por “gente com problema”.
A chatice tornou-se constitucional e a sociopatia funcional. Até mesmo corruptos, uma vez descobertos, solicitam indenizações por terem sido “vitimados” pela lei. Terraplanismo saiu do anedotário – virou mentalidade governamental.
Psicopatas perigosos encontram-se postados em posições de mando nos poderes da República, nas carreiras jurídicas e nas esferas encarregadas de exercer poder de polícia.
O problemático agora produz jurisprudência. E essa cadeia da mediocridade é solidária; afeta o tecido social e a estrutura do Estado, do direito de família ao direito de vizinhança.
Nelson Rodrigues faleceu sem ter o desprazer que hoje temos, de testemunhar o anticientificismo imbecil suplantar a inteligência.
Fascistas rastaqueras, totalitários de quitinete, ideólogos de botequim e teóricos da conspiração de cozinha, alternam bandeiras populistas e identitárias. Como verdadeiros siris de praia – polarizam o debate zanzando da esquerda para a direita, sem nunca ousar dar um passo á frente.
Do maluco que descarta a máscara numa pandemia gritando “mito” ao militonto que acha que corrupção tem ideologia, passando pelo vegano de buffet de saladas na churrascaria e excretadores de regras em rede social, todos sublimam seus problemas pessoais destruindo o patrimônio intelectual e cultural brasileiro. Condutas imbecis tornam-se norma em função da inconfessável necessidade que muitos têm de socializar o seu rancor pessoal ou simplesmente interferir na vida alheia.
Doença crônica na política internacional, o populismo é expressão da supremacia dos idiotas. Seja polarizado à esquerda ou à direita, a paranoia resultará na mesma tragédia. O Brasil é vítima dessa sociopatia, cujos conflitos jurídico-institucionais desbordam definitivamente para o campo da psiquiatria.
No populismo, direitos tradicionais do cidadão transformam-se em crimes, inteligência é ameaça, saúde pública é “arma do inimigo” e a justiça reduz-se a válvula de escape para a tirania.
Exemplos não faltam. Basta ler o diário oficial ou ouvir a “Voz do Brasil” – um programa certamente feito para gente com problema.
Deformidade de caráter virou regra. Com a supremacia de tipos problemáticos a deformação de valores tornou-se inevitável.
Se pode haver limites à inteligência humana, parece não haver limites para a mediocridade. Aliás, jamais devemos subestimar um imbecil, pois ele sempre se supera.
Portanto, ante o estado de coisas que vivemos no Brasil e no mundo, podemos entender que a loucura não é mais um problema, é solução.
Diria Freud se estivesse vivo: “sintomático”.
Aliás, Freud, hoje, seria com certeza processado ou “cancelado” pelos idiotas.
Leia também:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “O Problema do Poder Conferido a Gente com Problema”, in Blog “The Eagle View”, 30Dez2017, in https://www.theeagleview.com.br/2017/12/o-problema-do-poder-conferido-gente-com.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “O Mundo dos Idiotas Transviados”, in Blog “The Eagle View”, 4Out2017, in https://www.theeagleview.com.br/2017/10/o-mundo-dos-idiotas-transviados.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 15/03/2021
Edição: Ana A. Alencar
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