Ciro Gomes domou bancada de jornalistas amestrados, disse a que veio e confirmou os temores do establishment à esquerda…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A Globo News reuniu um time de jornalistas de primeira linha. Todos foram reunidos em torno de Ciro Gomes como se ele fosse o próximo cristão a cair no covil dos leões. No entanto, Ciro soube fazer uso de sua posição central na arena. Conduziu-se muito bem, sem deixar de ser ele mesmo.
O candidato à presidência da república pelo PDT soube controlar seu conhecido gênio, e não abriu mão de sua natural arrogância. Demonstrou, no entanto, que ele realmente é aquilo que arroga ser.
Demandado por uma bancada de entrevistadores que se pretendia mais arrogante que o entrevistado, Ciro terminou pautando os jornalistas, apresentando bom domínio dos fatos e conhecimento doutrinário em vários campos essenciais da governança.
Ciro reforçou todos os temores da esquerda petista – pois está preparado para engolir todo o dispositivo proto-bolivariano armado em torno de Lula e, assim, assumir em bloco a liderança da esquerda no Brasil.
Essa foi a razão da rasteira aplicada em Ciro, às custas da desmoralização do Partido Socialista, pela direção do Partido dos Trabalhadores. O objetivo da manobra era retirar o palanque do candidato do PDT nos redutos eleitorais que os petistas julgam ainda de Lula.
Ciro, assim, está para o PT como Bolsonaro está para o PSDB. Ambos ameaçam o establishment. A diferença, talvez, seja o fato da possibilidade de Ciro chegar a um segundo turno ser muito menor que a do candidato do PSL.
Tucanos e petistas formam hoje o establishment brasileiro, em sua pior safra. Chafurdam na lama da pocilga em que transformaram o Brasil – e onde em algum momento cruzaram, dando cria a bacuris que compõem os quadros burocráticos das instituições permanentes, ou seja, poluem os becos do deep state – o “estado profundo” brasileiro.
O termo “estado profundo” é usado na ciência política para descrever os órgãos de decisão nas instituições permanentes de Estado, capazes de influenciar ou coagir governos, e cujas ações, planos, políticas de poder e metas corporativas, geralmente de longo prazo, não são afetadas pelas mudanças nas administrações. Esses órgãos costumam atuar paralelamente ao sistema representativo, desafiando a soberania popular, como que formando um governo das sombras (*1).
O estado profundo, porém, não serve a ele próprio – pois isso é conversa mole para burocratas auto-iludidos. Serve ao establishment.
O establishment gera e cria, também, com boa ração, os bacurotes que hoje pululam na mídia mainstream.
Essa mídia amestrada está, hoje, encarregada de barrar a todo custo os “outsiders” do sistema que poderão gerar “pontos fora da curva” – que impeçam o dissimulado processo de progressiva entrega do controle territorial e da soberania nacional ao deep establishment euro-americano (*2).
A pressa, no entanto, tem sido inimiga da perfeição. Parece que o desastre jornalístico ocorrido com os entrevistadores do programa Roda Viva, em face de Bolsonaro, não foi ainda assimilado ou apreendido pela equipe de jornalistas da Globo News.
Começaram a entrevista buscando despersonificar Ciro, usando com clássica afetação o termo “candidato”.
O recurso de tratamento verbal “uniformizante” é manjadíssimo na imprensa tupiniquim. Costuma reduzir o tamanho de quem deveria estar no centro do programa, transferindo os holofotes ao jornalista-perguntador. Isso, no entanto, é muito ruim para a liturgia do jogo democrático.
Os jornalistas, depois, trataram de desviar o assunto toda vez que sentiam expostas, pelo entrevistado, as entranhas não queridas da matéria posta em pauta.
De fato, a forma assertiva de Ciro assustou a banca.
Ao se referir a perturbações reais ocasionadas ao Estado Democrático de Direito pelas interferências indevidas do Ministério Público na eleição de prioridades dos governantes eleitos, às más escolhas dos governos tucanos no campo da economia e da segurança pública, à venda da Embraer à Boeing e à gangorra jurisprudencial do STF, Ciro espantava os perguntadores, e obrigou os jornalistas globais a desviarem o assunto, ocasionando interrupções que deixaram lacunas nos assuntos tratados.
Ponto para o candidato presidencial do PDT, a quem este articulista conheceu ainda estudante, em Fortaleza, escolhendo-o para compor como vice-presidente a chapa “Maioria na UNE”, encabeçada por Marcos Paulino, nos idos de 1979, na primeira e única eleição direta para a recém reconstruída União Nacional dos Estudantes.
O jeitão assertivo do então filho do prefeito de Sobral, ao que tudo indica, permaneceu íntegro todas essas duras décadas de batalhas travadas no ambiente eleitoral brasileiro.
O fato, ao fim e ao cabo, é que as lideranças “fora da curva”, apesar de todo o esforço do establishment, começam a se consolidarem no horizonte em transformação da política brasileira – à esquerda e à direita.
Notas:
*1 – O termo “deep state” foi originalmente cunhado para apontar os aparatos estatais “invisíveis”, existentes na Turquia e na Rússia pós-soviética – onde militares e agentes de inteligência conspiravam até mesmo com traficantes de drogas. O conceito evoluiu e foi trazido aos Estados Unidos, desenvolvido em vários trabalhos publicados por importantes scholars da ciência política, como Kevin Shipp, Michael Tomasky, Michael Wolff, Marc Ambinder, David W. Brown, Peter Dale Scott e Mike Lofgren. Donald Trump abraçou o conceito e fez uso dele, para denunciar a “conspiração” das estruturas permanentes de estado às suas iniciativas de transformação no governo americano.
*2 – deep establishment é o apelido dado pelo ministro da fazenda da esquerda radical grega, Yanis Varoufakis, ao esquema de poder traçado pelos países que pregam a Nova Ordem Mundial, e que dominam o FMI, juntamente com Barack Obama. O desafio da Grécia tornou-se, de fato, objeto de alegria e intimidação pelas grandes potências. O mandato de seis meses de Yanis Varoufakis, naquele período de aguda crise financeira, foi uma história de confrontos quase diários com o FMI e, acima de tudo, com um governo alemão que aparentemente o desprezou. “Adultos na sala”, foi um termo usado pejorativamente por Christine Lagarde, chefe do FMI, ao se referir à uma reunião dos globalistas, deixando de fora o governo da Grécia.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor – Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.