Por Marco Aurélio Arrais
O ano era 1966. Estava com 18 anos, e já frequentava casa de puta. É que aqueles foram os últimos anos em que as moças de família (a maioria, pelo menos) ainda guardavam a donzelice para o casamento. Se o cabra excedesse na xamegância e comesse o vintém da menina, podia comprar um terno novo, reunir as famílias e marcar a data do casamento.
E acontecia muito, porque quando a coisa esquentava não tinha salvação. E ai do namorado que assanhasse a menina, e enfiasse a mão no bolso para tirar um preservativo, naquele tempo denominado popularmente de “camisinha”. Isso era um desrespeito danado, e motivo de término de namoro. Esse apetrecho era usado quando se ia à zona, para proteção contra gonorréia e outros males. A menina se sentia ofendida, por estar sendo igualada a mulher perdida. Logo ela, portadora de donzelice confirmada. Acho que tinham medo do sujeito cair fora depois de usufruir lá dos guardados dela. Se engravidasse, o casamento era a consequência daquela destemperança.
Meu pai, seu Gerson, era firme! Quando viu que eu tinha crescido e era dado, com a graça de Deus, para o apreciamento de xoxota, sentenciou: “Olha bem, se destroçar tampo de moça donzela, aproveitando de filha alheia, vai ter de casar”. Nunca me arrisquei a sair do limite imposto, pois pelava de medo do tal de casamento. Alguns de meus colegas se casaram no sufoco, com a menina no início da gravidez, e eu sempre ficava alerta.
Mas como ia dizendo, naquela época existiam muitas casas de mulher desimpedida, e que estavam sempre de pernas e portas abertas. Era só receber o ordenado do mês, entregar parte à minha mãe, para ajudar nas despesas da casa, e uma boa parte do que restava era investido na labuta de cama.
Certa feita, conheci um sujeito que era ledor de Bíblia, e dado a condenar quem frequentava bordel. Dizia que Deus não aprovava, e que isso só podia ser feito depois do casamento. Respondi que, se o Altíssimo não concordava com isso, porque então todo mundo nascia com os instrumentos para essa finalidade? Além do mais, as casas de tolerância, como eram chamadas, eram locais de muito aprendizado e praticância. O cabra desistiu de argumentar, alegando que eu era uma alma perdida, num corpo provido de uma mente debochada.
Bem, esse introito meio encompridado é necessário para um caso que vou contar.
Tinha um colega de nome Pedro, cabra bom, ordeiro e trabalhador. Estávamos lá pelos dezessete anos e um dia o dito Pedro chega com uma novidade. Tinha conhecido uma moça um “tantico” mais nova que a gente e se encantara com ela. Dizia que tinha encontrado a mulher da vida dele.
Ponderei que ele estava meio fora do juízo, pois não se podia chamar de mulher uma menina de quinze para dezesseis anos. Mas naquele tempo, lá pelos idos do final dos anos sessenta, era comum o casamento de gente ainda na pós adolescência.
Disse, então, que a família da menina havia feito um convite para que fosse passar o próximo domingo na fazendinha do pai da moça, e que podia estender o convite a alguns de seus amigos. Por questão de segurança, o Pedro chamou a mim, ao Tião e ao Jorge. Então, no sábado, resolvemos ir até Trindade, município onde ficava a sede da propriedade do pretenso futuro sogro do Pedro.
Lá, dormiríamos na casa da tia dele, uma senhora viúva que seria também sua madrinha. Estávamos à noite na única praça da cidade, quando apareceu um nosso conhecido, que também tinha uns parentes na cidade.
O Zé Maria, pois esse era o nome do indigitado, era um sujeito bão demais. Parceiro para todo tipo de arrumação, mas tinha um defeito que sempre causava problemas. Quando tomava umas cachacinhas (escondido do seu pai) era dado a perder a memória e isso às vezes causava uma confusão danada, pois o tal perdia a noção do tempo, do lugar e do que estava ocorrendo.
Quando ele soube do almoço, imediatamente convidou-se para ir. Mas insistiu que fôssemos com ele na casa de uma tal Edileusa, proprietária de uma casa de zona onde, segundo ele, tinha um rebanho de mulheres desvirtuadas que era uma beleza!
Fomos até lá, mas não ficamos, pois o Pedro não queria que chegasse, na casa da menina, que seu pretendente tinha passado a noite em demanda de xamego com puta. O Zé Maria, então, pediu que no dia seguinte passássemos de manhãzinha e o pegássemos, para irmos então ao tal almoço.
Quando lá chegamos, no dia seguinte, o cabra estava desmaiado, dormindo, e não houve jeito de acordá-lo. Pegamos o sujeito e o jogamos na carroceria de uma camioneta velha, na qual fomos para a casa da moça.
A família nos recebeu bem, e o pai da menina até achou graça na situação no Zé Maria, dizendo que ele já havia feito aquilo algumas vezes. Mandou que arrumassem uma cama para ele, e deixassem que o tempo ia resolver aquela situação.
Como as famílias do Zé Maria e a da menina eram conhecidas, a conversa fluiu com naturalidade, com uns e outros trazendo do fundo da lembrança passagens onde parentes antigos tinham convivido, e até uns dois casamentos acontecidos entre pessoas das duas famílias, muitos anos atrás.
Além da menina namorada do Pedro, de nome Aninha, o homem era pai de mais três meninas, uma mais velha de uns dezoito anos, e outras duas, de quatorze e doze anos. Eram todas muito bonitas, e muito educadas e com uma delicadeza de uma flor.
Lá pelas onze da manhã, o almoço estava quase pronto, e da cozinha vinha o cheiro bom da galinha no molho de açafrão, do pernil assado no forno de lenha, e do feijão engrossado com pele de porco e toucinho defumado. A nossa fome era tanta, que chegava a doer, e não víamos a hora de atacar aquela comilança tão bem feita e tão cheirosa!
Exatamente nesse hora, o Zé Maria acordou. Viu no chão do quarto, na beira da cama, uma sandália de mulher. Num canto do quarto, uma pequena penteadeira, e um vestido dependurado em um cabide, nas costas de uma cadeira. Imaginou que ainda estava no puteiro da Edileusa. Morrendo de sede, com uma ressaca infernal, levantou-se e abriu a porta do quarto, que saia exatamente na sala da casa.
E o que ele viu? Nós quatro sentados na sala, conversando com as meninas e o pai delas. O Pedro, em um banco, conversava com a Aninha e eu, o Tião e o Jorge, sentados em volta de uma mesa, tomávamos uma cervejinha, juntamente como pai das meninas, que tinha a caçula no seu colo e abraçada no seu pescoço. Tudo na mais santa normalidade!
Mas acontece que na cabeça do Zé Maria, ainda no efeito da bebida e desconhecendo onde estava (já que não conhecia ninguém alí, além de nós), correu os olhos pela sala e berrou: “O que é isso. Não tem nenhuma puta pra mim?” Nesse instante a mãe das meninas entrou na sala para dar a ordem de atacarmos as panelas e ele, olhando-a, reclamou que tínhamos deixado para ele aquela puta velha. E deu um tapa no traseiro da mulher.
O trem não teve conserto! Em poucos minutos desfez-se o curtíssimo namoro do Pedro, pois rapaz que prestasse não andava com gente daquela qualidade. Não adiantou tentarmos explicar que não tínhamos nada com aquilo, e fomos postos para fora da casa, intimados a sumir na estrada. Antes disso, o Zé Maria foi trazido à realidade com uns dois tapas bem dados pelo dono da casa. Um santo remédio na cura de desaforamento!
Chegamos de volta a Goiânia lá pelas quatro horas da tarde, sem almoço. A amizade com o Zé Maria, que já era pouca, acabou nesse dia. Até hoje, quando me lembro dessa passagem, sinto o cheiro da comida nas panelas de ferro, e lamento não ter podido apreciar aquele almoço que prometia vir a ser uma maravilha!
Marco Aurélio Arrais, natural de Goiânia, advogado (PUC-GO), contador de causos, é pesquisador da história do Brasil ou, como ele mesmo se denomina, “um curioso de nossa história”.
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GOSTEI DEMAIS DO CAUSO GOSTO MUITO DESSAS HISTÓRIAS DO INTERIOR HISTÓRIAS CAIPIRAS