Por Gustavo Ioschpe
Presidente, serão necessários cadáveres nas ruas para que a senhora renuncie? Nunca antes na história deste país um presidente teve popularidade tão baixa, gestou uma crise econômica tão profunda nem presidiu um governo envolvido em episódios de corrupção tão gigantescos.
Além desse “legado”, a senhora gostaria também de ser a responsável por uma inédita convulsão social que já começa a se degenerar em violência física entre compatriotas? Essa será a consequência inevitável de sua permanência em uma função que já não tem a menor condição de exercer.
A maioria da população brasileira percebeu que a sua reeleição foi fruto de uma fraude tripla. Política, porque a senhora se elegeu em uma campanha torpe de destruição de seus adversários, e no dia seguinte à vitória passou a tentar implementar as medidas por eles defendidas.
Financeira, porque o dinheiro que financiou boa parte de sua campanha era roubado. E econômica, porque a senhora manteve, por interesses eleitoreiros, um sistema que já em 2014 dava claros sinais de estar levando o país à bancarrota.
Com origem assim comprometida, seu mandato dificilmente seria recuperável. Em uma recessão aguda, menos ainda. Seria preciso muito arrependimento e humildade para recuperar nossa confiança.
Mas a senhora e seu partido, mesmo nessas circunstâncias, continuam a fazer o oposto, na melhor tradição bolchevique. Quando criticados, atacam. Quando pegos em flagrante delito, acusam o Judiciário, a mídia, as elites.
Depois da maior passeata política de nossa história, o que a senhora faz? Traz para o poder a pessoa sob investigação pelo escândalo que nos levou às ruas. Já nos sentíamos decepcionados e indignados com seus desmandos. Agora, nos sentimos achincalhados.
A senhora cospe na nossa cara e apequena o Brasil. Não há possibilidade de conciliação.
A senhora pode se agarrar ao poder. Não creio que consiga sobreviver ao processo de impeachment, já que não conta mais com os instrumentos de cooptação de aliados.
Com seu orçamento falido, não há verbas para o convencimento legal; com seus financiadores na cadeia, fecharam-se também os caminhos alternativos. Se escapar do impeachment, duvido que passe do processo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), especialmente com as delações premiadas que estão por vir.
Mesmo que nenhum desses caminhos dê resultado e a senhora consiga terminar o mandato, presidirá um país paralisado por uma crise de confiança insanável e destroçado por conflitos internos que causarão a ruptura do nosso tecido social.
Caso sofra o impeachment, nossa vida política será poluída por décadas de acusações delirantes de “golpe”, revanchismo e raiva. O caminho mais indolor para todos é a sua renúncia.
Presidente, qualquer que seja o seu projeto para o Brasil, ele não poderá ser implementado pela senhora. Poupe-nos de anos de empobrecimento e polarização.
A senhora já disse e repetiu que não é de renunciar ou resignar-se, que já passou por coisa pior. Quem se importa? A Presidência da República do Brasil não é lugar para testes de personalidade ou demonstrações de coerência biográfica.
Deve ser ocupada por quem pensa na população, não em si mesmo. E ainda que a senhora acredite que a sua permanência é uma defesa dos interesses dos mais pobres, basta ver os dados de pesquisas de opinião para saber que eles prescindem de sua ajuda.
Se a senhora realmente acredita em sua inocência, não há problemas: temos um admirável Judiciário, que certamente lhe estenderá o devido processo legal. Essa defesa, contudo, deve ser feita na planície, não no Planalto, como a sua versão de 2011 bem sabia, ao demitir sete ministros suspeitos de corrupção.
As acusações que pesam sobre a senhora são bem mais graves e de repercussões mais importantes do que as feitas a eles. E assim como a senhora, enquanto chefe, acertadamente pediu-lhes que saíssem do poder, agora é o seu chefe, o povo brasileiro, que lhe roga a mesma coisa: saia. Queremos nosso país de volta.
GUSTAVO IOSCHPE, 39, mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade de Yale, é fundador e CEO da empresa Big Data
(Texto publicado na Folha de São Paulo pg.A-3, 24.março.2016)
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