Por Guilherme Crippa Ursaia*
Foi publicada, recentemente, no jornal Folha de São Paulo, uma matéria com o título: “Importação de gás natural pelo Brasil ficou ‘crônica’, diz ANP.”
De acordo com a reportagem, a importação de Gás Natural Liquefeito (GNL) deixou de ser esporádica no Brasil e passou a ser sistemática, por ser o combustível uma necessidade para o suprimento das usinas térmicas.
Segundo o seu articulista, “o problema é que o governo não reconhece esse fato, a importação do GNL poderia ser feita por contratos de longo prazo, o que reduziria o preço do insumo. A compra de gás no mercado à vista ‘deixa o país sujeito à volatilidade do preço internacional’, diz o estudo da agência. Com a necessidade de importação pela Argentina e o aumento da concorrência regional por gás natural, o preço tem oscilado muito e crescido.”
Além disso, conclui o articulista, que no final de janeiro, o Ministério de Minas e Energia estendeu por mais dois anos a autorização para a Petrobras importar até 40 milhões de metros cúbicos de GNL no mercado à vista. Pelo estudo, porém, o mais econômico seria dar o aval à assinatura de contratos de longo prazo, a custos menores.
O consumo de gás natural no Brasil cresceu 22% no ano passado, contra um aumento da produção nacional da ordem de 7%, o que obrigou a Petrobras a importar mais GNL para atender o mercado.
Ora, para viabilizar a aceitação do gás natural pelos diversos setores da economia, bem como pelo setor de produção de energia elétrica, a variável preço é um determinante fundamental, pois uma desvantagem é a ausência de mercado cativo, o que gera a competição com outros energéticos.
Não podemos desconsiderar a finitude dos atuais combustíveis fósseis, determinaram uma restrição ao crescimento da sua produção, independentemente das irrestritas vantagens econômicas, segundo a visão dos economistas, mas apesar dessa restrição física, o consumo de energia requerido para produzir mais energia vai crescendo.
Observa-se que não basta a substituição pura e simples de combustíveis, há de se levar em conta a tecnologia utilizada com o propósito de ganhos efetivos na eficiência energética de conversão, conduzindo a um menor custo de geração aliado a ganhos ambientais.
É recomendável estabelecer normas regulatórias para adoção de ciclos térmicos mais eficientes, a exemplo do ciclo combinado, aproveitando sequencialmente os gases resultantes da combustão, associando, entre outros benefícios, os ganhos ambientais com a redução das emissões.
Apenas como exemplo: entre 1973 e 2007, a produção mundial de gás mais que dobrou, ao passar de 1,227 bilhões de metros cúbicos (m3) para 3,031 bilhões de m3, segundo o estudo Key World Energy Statistics, publicado pela International Energy Agency (IEA) em 2008. Ainda assim, o gás natural manteve a terceira posição na matriz energética mundial (abaixo de carvão e derivados de petróleo). No entanto, saltou do quarto para o segundo lugar dentre as principais fontes produtoras de energia elétrica, sendo superado apenas pelo carvão. O interesse pelo gás natural está diretamente relacionado à busca de alternativas ao petróleo e de fontes menos agressivas ao meio ambiente.
De acordo com o BP Statistical Review of World Energy 2008, as reservas provadas mundiais no final de 2007 eram suficientes para o abastecimento mundial durante os próximos 60 anos. Isto representa um decréscimo em relação às projeções com base na conjuntura de 2005, que apontavam para 66 anos. A configuração deste cenário, porém, depende de inúmeras variáveis. Entre elas, a continuidade das atividades de exploração, o comportamento do consumo e a expansão das fontes renováveis de energia, o que reduz a utilização dos combustíveis fósseis.
No Brasil, a única companhia a operar na exploração e transporte de gás natural é a Petrobras, isolada ou em parceria com a iniciativa privada (como é o caso do gasoduto Bolívia/Brasil).
Já para a distribuição, o país tem 27 empresas, das quais a maioria conta com a participação da Petrobras no capital acionário. Essas empresas detêm o monopólio de atuação em suas regiões de concessão.
A redução dos volumes de gás natural enviados ao Brasil pela Bolívia e Argentina a partir de 2007, por exemplo, comprometeram a operação de várias termelétricas abastecidas pelo combustível em um período de seca, quando era crucial preservar a água dos reservatórios. Em 2006, a Rússia também interrompeu o fornecimento à Ucrânia, totalmente dependente do energético e fornecedora da Europa, alegando a necessidade de aumento de preços.
No Brasil, o gás natural é encontrado, em geral, associado ao petróleo. Tanto que a maior parte das reservas localiza-se no mar e não em terra, principalmente no litoral do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
A matriz energética brasileira é predominantemente hidráulica e esta característica não deverá se alterar no médio prazo. No entanto, de acordo com o Plano Nacional de Energia 2030 produzido pela EPE, a participação das termelétricas movidas a gás natural deverá aumentar, no curto e médio prazos. Essas usinas operariam de maneira complementar às hidrelétricas. Em outras palavras, seriam colocadas em operação em momentos de acentuado aumento de demanda ou redução da oferta hidráulica, por exemplo, nos períodos de estiagem, onde é necessário preservar os reservatórios.
Não é preciso ser expert em economia para constatar que a indústria brasileira vem perdendo competitividade em função do aumento das tarifas de energia elétrica, da elevada carga tributária e dos entraves socioambientais que oneram os investimentos.
É necessário debater com a sociedade o desenvolvimento de novas fontes de geração e propor mudanças na legislação ambiental, com o objetivo de eliminar conflitos desnecessários e aperfeiçoar o processo de expedição de licenças por parte dos órgãos ambientais.
Nunca é demais lembrar que o novo modelo energético instituído pela Lei 10848/04, disciplinou a comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional (SIN). Este sistema modificou as regras e estabeleceu os leilões de oferta de energia, buscando obter a menor tarifa possível enquanto satisfazia a demanda das distribuidoras, porém impôs preços–teto nos leilões, impedindo que fossem precificados corretamente os riscos do investidor, tais como demora na concessão de licenças ambientais ou o a falta de combustível, como o gás natural.
Com era de se esperar, a demanda das distribuidoras deixou de ser atendida em alguns leilões e, em outros, foi coberta com a introdução na matriz energética de usinas de baixa produtividade e com custos ambientais elevados, como as térmicas geradas a óleo.
Verifica-se que o gás natural não é suficiente para alimentar as indústrias, os veículos e as usinas simultaneamente, exigindo que o governo priorize seu uso para a geração de energia elétrica.
Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de se diversificar a matriz energética brasileira para que o país não fique refém da chuva, de forma a garantir a segurança do sistema de geração.
Apesar de todos os esforços, continuamos muito dependentes das fontes hídrica, térmica e gás natural. Outro problema é a formação dos preços no setor elétrico (confusão entre o conceito de modicidade tarifária e tarifa subsidiada), fazendo com que, à exceção das empresas estatais, dificilmente o investidor se arriscará num empreendimento sem retorno sobre o capital investido.
O sistema de formação de preços no setor elétrico, portanto, é muito complexo e tendem a subir ao longo do tempo.
Na geração térmica há dependência do preço do petróleo e da taxa de câmbio, já que com a redução da oferta de gás, o óleo deverá ser usado com mais frequência.
Por fim, as exigências de energia limpa demandarão fontes alternativas que igualmente são caras, sendo necessária a criação de incentivos fiscais por parte do governo e políticas de longo prazo para alavancar a energia solar, eólica, biomassa e hídrica de baixa potência, além de investimentos na conservação e eficiência de energia.
* Guilherme Crippa Ursaia é Advogado, Auditor Líder Ambiental – ISO 14001 pela Bureau Veritas. Trabalhou no Folkecenter for Renewable Energy Solar Panels, na Dinamarca e no Center for Alternative Technologies (CAT) no País de Gales, Reino Unido. É membro da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseções de Santa Catarina e São Paulo. Atualmente gerencia as áreas de Sustentabilidade e Energia do escritório Pinheiro Pedro Advogados.