Por Vladimir Passos de Freitas*
Premissa básica: os alunos de Direito enfrentam grandes dificuldades na escolha da profissão e na colocação no mercado de trabalho.
Disso ninguém tem dúvida. Milhares de faculdades de Direito espalhadas por todo tipo de cidades, algumas sem nenhum potencial econômico, despejam no mercado uma enorme quantidade de jovens que disputarão as oportunidades existentes. A conta não fecha. A oferta é sempre menor do que a procura e a crise econômica agrava a situação.
Não raramente culpam-se os formandos, atribuindo-se-lhes desinteresse e pouca cultura. No entanto, a crítica não é justa. Os jovens são parte de um mundo novo, dominado pela eletrônica e por uma mudança de costumes avassaladora. Não haveriam de ser, por óbvio, iguais aos que se formaram em 2000 e muito menos semelhantes aos das turmas de 1980.
Ademais, assistem a um desmanche das instituições públicas, cada vez mais desacreditadas e têm razões de sobra para tornarem-se céticos. Faltam-lhes ícones para admirar e seguir o exemplo.
Em meio a esse quadro atual, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) criou na sua escola de Direito a figura do mentoring, que, em termos práticos, significa dar oportunidade aos estudantes de Direito para que mantenham contato direto com professores que se habilitam para tal tipo de atividade.
O professor, através de reuniões presenciais ou online, dará orientações diversas sobre aspectos profissionais e, eventualmente, pessoais. Evidentemente, deverá ter aptidão e prazer em tal atividade, além de uma razoável experiência de vida.
O mentoring é uma atividade oriunda do mundo empresarial, sendo o veículo de transmissão de experiências do mentor, que deve ser alguém profissionalmente realizado, para o funcionário novo. Este conta com as lições do mentor para alcançar um maior desempenho profissional, para evitar erros elementares.
O mentoring não se confunde com o coaching, pois neste a relação visa a alcançar-se um objetivo bem definido e com data marcada. O coach, além de experiente, deve aplicar conhecimentos de psicologia e de administração do tempo, conduzindo o seu orientando para alcançar um objetivo dentro do prazo previsto ou no menor tempo possível.
O mentoring já é usado em muitos tribunais, muito embora com denominação diversa. Juízes experientes tornam-se tutores dos que se acham em estágio probatório e vão orientando-os com conselhos práticos, a respeito das mais diversas atividades.
Todavia, é nos cursos de Direito que o mentoring mostra-se mais importante, uma vez que os jovens estudantes são os que têm maiores dúvidas e dificuldades em fixar o rumo de suas vidas futuras. Principalmente aqueles que não têm, na família, nenhum profissional da área jurídica.
Não há idade certa para o professor ser mentor. Pode ser um jovem com 28 anos que, apesar da pouca idade, já possui títulos acadêmicos, eventualmente exerce uma profissão paralela à de professor. Mas pode, também, ser uma professora mais idosa, que já passou por inúmeras experiências em sua vida. Nessa hipótese, é essencial que ela se mantenha atualizada, sob pena de não haver diálogo.
A relação entre mentor e orientando deve ser de confiança recíproca e confidencialidade. Por óbvio, o que entre eles se discute ali deve ficar. Trata-se de regra básica para o sucesso da iniciativa.
O orientando deve elaborar um plano de ação, no qual colocará suas preferências e quando pretende alcançar resultados. Evidentemente, esse plano estará em permanente construção, pois é comum que os interesses se alterem com o tempo e as opções mudem. Mas é relevante ter um plano mínimo para evitar dispersão.
Os encontros não devem ser contínuos, é preciso que haja um espaço entre eles, por exemplo 30 dias, para que as eventuais mudanças praticadas possam ser avaliadas. E também que tenha prazo final, por exemplo, um ano. Todavia, o professor mentor deve estar disponível via Whatsapp para qualquer consulta que, inclusive, pode ser urgente. Por exemplo, havendo duas possibilidades de estágio, qual a mais importante?
O professor mentor deve transmitir, desde o início, alguns princípios básicos para qualquer das metas que vierem a ser escolhidas pelo orientando. Assim, desde logo, deverá ressaltar ao orientando a importância de: a) ser organizado; b) ter foco e evitar a dispersão; c) manter networking.
Tais requisitos básicos devem ser postos em prática desde o início e o mentor acompanhará a sua devolução, indagando sobre rotinas e resultados.
Mas não são essas as únicas práticas mais importantes do processo, inclusive porque elas podem ser encontradas com facilidade na internet, em livros digitais, artigos e entrevistas em vídeos postados no YouTube.
Na verdade, mais relevante é que o mentor aponte o melhor caminho e explique como deve ser o percurso. Cada opção profissional tem suas vantagens e desvantagens, a melhor opção é optar pela que se gosta. E ao mentor cabe conduzir o raciocínio para identificar as preferências. Ficar rico? Ter poder? Ajudar o próximo? Ter uma vida previsível? Tranquila? Em quanto tempo deverá ser atingido o objetivo? Qual a melhor via para lá chegar?
Atualmente, um expressivo número de jovens idealiza morar no exterior. O aprendizado e a experiência de vida que, com isso, podem adquirir, é fantástica. Mas é preciso avaliar o que disso resultará. A vida não terminará ao fim dos dois anos em outro país. Assim, é essencial ter noção exata do que o curso representará quando da volta ao Brasil. Ou, caso a opção seja lá ficar, se é possível encontrar emprego.
Por exemplo, se a opção for estudar Direito Registral Imobiliário nos Estados Unidos, terá isso utilidade no Brasil? Significará uma boa colocação no mercado de trabalho? Afinal, o sistema daquele país é totalmente diverso do nosso e todo o tempo de estudos poderá revelar-se de pouca utilidade. E um mestrado em Direito Internacional na Itália, onde e em que será aproveitado em nosso país? Os grandes escritórios de advocacia procuram pessoas com este tipo de conhecimento?
Considerando todas as hipóteses possíveis e comparando-as com os anseios do orientando, o próximo passo será comparar o plano de vida à realidade brasileira. E aí se chegará ao mais importante, a transmissão pelo mentor de suas experiências. Vejamos.
Os manuais de Direito, ou mesmo o que se diz nas aulas, nada esclarecem sobre sentimentos ou reações humanas. Por exemplo, a inveja está presente em qualquer organização, pública ou privada. O sucesso de alguém, muitas vezes, incomoda os outros. Ao mentor cabe esclarecer sobre isso, a fim de que o jovem estudante não desista ao primeiro sinal desse mau sentimento. Explicará que ele é parte da condição humana e que a melhor reação é ignorá-lo e afastar-se da pessoa invejosa.
As injustiças também acompanham nossas vidas. Quem mais se esforçou pode não ser a escolhida em uma promoção. Isso pode ocorrer por incapacidade de avaliação de quem decide ou por ser essa opção a que mais atende seus interesses. Por exemplo, dando uma boa posição ao menos competente ele poderá estar agradando alguém que definirá a sua própria promoção. A vítima dessas circunstâncias não deve exteriorizar sua revolta e muito menos explodir em uma crise de nervos. Isso só servirá para perder o emprego e levar fama de intratável. A reação é seguir na mesma linha, produzindo, crescendo. A recompensa pode ser mais demorada, mas virá. E com sabor especial.
A importância da vida privada e de uma boa imagem também deve ser explorada. Aquele jovem que não saía do bar próximo da escola de Direito e que era uma divertida companhia, dificilmente será lembrado para assumir uma posição de destaque em um escritório. Sua imagem ficou arranhada e isso, para ser desfeito, pode levar anos. A propósito, a conquista de uma boa imagem leva anos, mas a perda por ocorrer em minutos na internet. Um vídeo falando bobagens ou uma foto tirada em um momento de descontração podem ser desastrosos para uma carreira.
Last but not least, um alerta ao mentor. A sua condição de orientador pode levá-lo a crer-se alguém especial, superior, e isso poderá refletir-se nas conversas com o orientando. Essa prática deve ser evitada a todo custo, porque a vaidade poderá prejudicar todo o processo. As vitórias do mentor, as suas experiências e reações merecem ser contadas, sim, mas com o único intuito de auxiliar o orientando em sua visão de mundo. Jamais como autoelogio, porque, se assim for, o orientando se afastará assim que possível.
Bem, aí está o mentoring, que no passado era praticado sem estudos e regras e agora volta com caráter científico e como um plano nas boas universidades. Os professores que aderirem a tal propósito estarão não apenas auxiliando jovens interessados em aprimorar-se, mas também aprendendo como raciocinam e se comportam as novas gerações. Mãos à obra.
*Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 18/07/2021
Edição: Ana A. Alencar
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