A disrupção tecnológica obtida na produtividade do aço na China é um enorme risco. Mas pode ser uma janela de oportunidade
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A China desenvolveu um método inovador de fabricação de ferro e aço, que promete aumentar a produtividade siderúrgica do gigante asiático 3.600 vezes.*
A inovação é disruptiva. Representa uma revolução significativa na metalurgia, que irá impactar o mercado global – especialmente os países que dependem fortemente da exportação de minério de ferro, como o Brasil.
O avanço chinês
A geoestratégia chinesa pós Deng Xiaoping está centrada ativamente no comércio. Com Hu Jintao e Xi Jinping, implementaram-se profundas reformas econômicas e de infraestrutura, paripassu ao desenvolvimento de uma diplomacia de cooperação econômica – embutindo um viés autocentrado na própria expansão industrial e suprimento de commodities necessárias ao atendimento de sua enorme massa populacional.
Hoje é visível o mergulho chinês no veio da tecnologia de ponta, visando consolidar posições de liderança global com o controle verticalizado (quando não cartelizado), de suprimentos essenciais – um modelo de influência assertiva que previne conflitos diretos com os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, garante domínio geopolítico nas extensas áreas de parcerias comerciais.
A China é o terceiro maior exportador de produtos para os Estados Unidos, atrás de Canadá e México. Também é o terceiro maior comprador de serviços americanos, cujo ranking é liderado pela Grã-Bretanha e pelo Canadá. Estados Unidos e a Europa são, de longe, portanto, os maiores compradores de bens chineses.
A disrupção na siderurgia, nesse sentido, não apenas representa mais um avanço no campo industrial civil como terá efeitos também na tecnologia militar. Exigirá reavaliação das estratégias de negócios e políticas comerciais para muitos países dependentes da exportação de minérios para o gigante asiático e, também, novo posicionamento das peças no tabuleiro das potências militares geopoliticamente e comercialmente impactadas.
A magnitude da “nova siderurgia” chinesa
A nova liga de aço parece obter um índice de pureza nunca antes obtido, reduzindo a oxidação no processo e otimizando o uso de outras substâncias.
Com remoção do oxigênio e impurezas no minério de ferro, adição de carbono e outros elementos para formar ligas, a China reduzirá significativamente os custos de produção – posicionará sua metalurgia na vanguarda da manufatura, especialmente na indústria automotiva, onde a competitividade de preço é crucial.
Fabricantes ocidentais, cuja pureza se mantém com o uso tradicional da sucata ou que mantém a indústria de transformação em desvantagem logística dos insumos… serão diretamente impactados.
Ocorrerá o xeque-mate no tabuleiro “climatista” urdido pelo globalismo progressista. Será o momento do ocidente reconhecer a armadilha geopolítica das agendas climáticas e de “ESG” – uma enorme ironia, que poderá destruir seus portadores por simples indução à paralisia tecnológica, por elas provocada no próprio processo…
A China compreendeu a oportunidade da estratégia climatista e, também, vislumbrou a armadilha. Algo que a direita mundial, a começar do Partido Republicano dos EUA, tardiamente percebeu.
Tal como os Estados Unidos sempre buscou fazer com suas reservas, a China, embora seja grande consumidora dos insumos para a produção do aço, de fato também se preservou. A China é dona de uma das maiores reservas de minério de ferro, a maior reserva de carvão mineral e a terceira maior reserva de manganês do planeta, além de terras raras.
Poderá, assim, bancar sua revolução siderúrgica disruptiva.
Crise à vista no Brasil
A nova conquista tecnológica chinesa irá impactar profundamente o Brasil. Reduzirá enormemente sua competitividade internacional no campo das exportações de commodities e de produtos industrializados.
A dependência do Brasil na exportação de minério de ferro para a China será tecnologicamente desestabilizada. Com a China produzindo aço de forma mais eficaz e barata, as cotações do minério irão despencar, colocando as mineradoras que operam no solo brasileiro sob pressão econômica.
Por óbvio, a siderurgia europeia, norte-americana, sul-coreana e japonesa, buscará formulas similares de processo e, igualmente, esses países reduzirão as próprias demandas.
Evidente que a introdução de uma transformação mais eficiente e barata diminuirá a demanda por minério do ferro bruto exportado pelo Brasil. As cotações diminuirão, prejudicando a rentabilidade das exportações brasileiras.
A multinacional brasileira CVRD (Vale), por exemplo, uma das maiores produtoras e exportadoras de minério de ferro do mundo, que já está sujeita a flutuações de mercado, terá que buscar novas estratégias para se manter competitiva.
A opção pelo desastre
O avanço do Aço Chinês, no entanto, não revela apenas um fenômeno tecnológico com efeitos mercadológicos para o Brasil. Reflete o desastre das escolhas e rumos da Nação Brasileira.
A China, hoje, ocupa o papel de principal parceiro comercial do Brasil.
O Brasil, porém, foi o modelo adotado pela China, nos anos 1970, quando após a queda de Lin Piao e a morte de Mao, Deng Xiaoping iniciou o resgate não declarado do Confucionismo, rumo à mudança por via do aprendizado.
De olho no que ocorrera no Brasil, entre a industrialização no pós-guerra e a reforma econômica pós 1964, a China buscou atrair com o retorno das relações diplomáticas em 1974, seguidas missões de militares e gestores brasileiros – para “explicarem o milagre econômico” obtido com os “Planos Nacionais de Desenvolvimento” e desenvolvimento de amplas obras de infraestrutura de energia e logística.
Em 1970 a China havia gerado um PIB de 92,603 milhões de dólares, contra 122 bilhões de dólares obtidos pelo Brasil – então a Nação em Desenvolvimento que mais crescia no mundo. Interessou muito à China, na época, compreender a formação de engenheiros, a alfabetização em massa, o serviço de saúde, as agências de fomento regionais, os bancos de desenvolvimento e as zonas de exportação criadas no Brasil.
A China sempre aprendeu com a experiência alheia e, assim, o que eles – os chineses, passaram a aplicar… nós, brasileiros, que éramos o parâmetro, simplesmente jogamos no lixo.
Com as indefinições inacreditáveis ocorridas na política energética pós crise do Petróleo e o advento caótico da “Nova República” – seguida de desastrosos planos econômicos e hiperinflação, o Brasil tentou reagir, em 1994, e seguir o modelo (que ele próprio havia desenhado nos anos sessenta e esquecido nos oitenta), que era então aplicado nas reformas de estado italiana, sul-coreana, na China e em Portugal.
Em franca recuperação, atingimos um PIB de 600 bilhões de dólares na passagem do século. No entanto, a China, em 2000, já atingia o PIB de 1,211 trilhão de dólares.
Mas, então, apos as trapalhadas tucanas nos dois últimos anos de governo FHC, vieram os anos do lulopetismo.
Com Lula, o projeto de estabilidade econômica foi mantido até 2006. Porém, no segundo mandato – o esquerdismo suplantou a razão e o projeto de crescimento foi, literalmente, se degradando. O país tornou-se solo fértil para os grandes fundos abutres e lavanderias derivadas da corrupção oriunda dos projetos estruturantes e financeiros de grandes obras inacabadas.
A indústria nacional desapareceu. Salvaram-se a Agricultura e a mineração, por conta da demanda internacional.
Mesmo assim – com a rendição incondicional do Brasil ao globalismo progressista e sua agenda 2030… o pouco avanço obtido ocorreu sob intenso atrito contra a jusburocracia ativista e a militância ambientalista empoderada.
Assim, em 2020, a China atingiu o PIB de 17,794 trilhões de dólares contra 3,248 trilhões de dólares do Brasil.
Os números e modelos adotados falam por si. Somos hoje fruto dos desastres que insistimos em produzir… por nossas próprias escolhas.
O caminho para a transformação
Há saída? Além da remessa dos filhos e netos para fora do País?
Acredito que sim.
Primeiro, devemos ter em mente que o estorvo hoje plantado na burocracia de Estado brasileira… de nada nos serve e jamais servirá.
Hordas de faculdades que nada ensinam, pesquisadores que nada pesquisam e um ensino básico e médio muito aquém da mediocridade mediana – somados a uma juristocracia cara, ignorante, pretenciosa e incompetente, formam o que se pode classificar como o real “entulho autoritário” – suportado por uma massa tributária escorchante e aviltante.
Essas categorias deveriam sofrer um projeto de “tratamento de resíduos” similar ao que agora pretende fazer Donald Trump nos EUA.
Na atividade privada, empresas com alguma inteligência e instituições destinadas a ser think tanks, por sua vez, se realmente pretendem atuar para reformar o Brasil, deverão ter em mente que o que aí está… de nada servirá.
Associações, federações e sindicatos – com raríssimas exceções tornaram-se igualmente ogros burocráticos, com olhos postos na zumbilândia midiática patrocinada pelo próprio governo que deveriam fiscalizar.
No campo da estratégia de redução de danos e retomada econômica, deverá haver uma análise atenta dos modelos de desenvolvimento aplicados com sucesso, sem qualquer filtro ideológico (é preciso compreender a estrutura e, depois, o sistema).
A adaptação às novas realidades econômicas será crucial para que o Brasil mantenha competitividade no cenário global.
Posto isso: i. democracia com liberdade de expressão, ii. livre debate (científico, acadêmico, técnico e privado), iii. firme e perene educação – sem adjetivos, com disciplina, respeito e prestígio ao mestre (do ensino básico à pós-graduação, sem discriminação), iiii. crédito popular ao pequeno empreendedor e, sobretudo, iiiii. respeito à livre iniciativa, são essenciais.
A grande reforma
Sim, a descoberta de um novo método de produção de ferro e aço na China promete aumentar a produtividade de forma radical e terá efeitos negativos significativos para a exportação do Brasil. Porém, poderá também resultar no despertar do país para a grande reforma!
Poderá ser esta a grande e decisiva janela de oportunidade para gerar a reindustrialização e o livramento das amarras de dominação geopolítica, impostas por agendas ambientais insustentáveis.
É fato: com os desafios impostos pelas mudanças, o Brasil será obrigado a diversificar sua economia e suas fontes de receita. Terá que aumentar investimentos em tecnologia, inovação, agricultura e energia.
Também será importante buscar relações comerciais que ampliem sua presença em mercados não tradicionais, minimizando assim a dependência dos grandes parceiros importadores de commodities, a fim de aumentar a própria resiliência econômica.
No campo da metalurgia, é hora de resgatar a própria indústria de base… em novas bases.
A falta de aproveitamento do potencial hidrelétrico da Amazônia, além de resultar na inacreditável ausência de engenharia de reservação da água nos períodos de estiagem, prejudica o desenvolvimento regional de um parque industrial moderno e voltado para a eletrointensividade e eletrossiderurgia – justamente o que fez a China nos últimos trinta anos.
As indefinições, provocadas por um discurso antinacional, dissimulado num proselitismo natureba e ideologizado em bases contrárias à nossa soberania nacional e popular, pulverizaram todas as iniciativas de se construir uma geoestratégica de desenvolvimento do Brasil na Região Amazônica. Ali estão nossas riquezas – acima e abaixo do solo – e é nossa obrigação explorá-las.
A presença de uma indústria siderúrgica robusta nas proximidades das áreas de extração de minério poderá garantir a transformação local da matéria-prima, reduzindo a necessidade de exportação do minério bruto e, assim, gerar valor agregado dentro do país. Por incrível que pareça, até a China já chegou a propor montar um parque siderúrgico nessas bases, no Estado do Pará.
A instalação de indústrias nas regiões extrativistas propiciaria a criação de empregos e o desenvolvimento de uma economia local, contribuindo para a redução das disparidades regionais. Por óbvio que a malha hidroviária e rodoviária traria integração e drenaria a produção em direção às rotas transoceânicas de exportação.
Ao par do potencial mineral, petrolífero e florestal, a Amazônia possui um imenso potencial hidrelétrico que, se utilizado de forma sustentável, poderá fornecer energia limpa e em grande escala para a indústria. Isso não apenas atenderia à demanda de energia, mas, também alinharia o setor às práticas de desenvolvimento sustentável de forma racional – não passional. A integração do potencial hidrelétrico com a metalurgia, através da eletrossiderurgia, como já dito, amplia a competitividade da produção nacional. Também pode impulsionar a diversificação das fontes de energia e estimular uma rede de transmissão racional, reduzindo econometricamente as emissões de carbono e custos operacionais.
A transformação local de matérias-primas também diminui custos logísticos – relacionados ao transporte de insumos e produtos acabados, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no mercado internacional.
O desenvolvimento de tecnologias alinhadas ao uso eficiente dos recursos disponíveis, muda o eixo; recria o polo de economia, cultura e conhecimento – que já teve seus dias de glória – no Norte do Brasil.
Essa reforma maximizaria as oportunidades de inovação e atração de investimentos.
Para os gigolôs naturebas da preservação alheia, está na hora de desmascarar o falso ambientalismo embutido na farsa das agendas que até hoje só drenaram recursos para ONGs e militantes e, em contrapartida, perpetuaram ciclos de pobreza, violência, conflitos fundiários, tráfico de drogas e degradação ambiental, por falta de investimento nas verdadeiras atividades industriais responsáveis e sustentáveis.
Esse crime contra a nossa soberania não pode mais se perpetuar.
A criação de unidades industriais – incluso o turismo, pode contribuir para um uso mais responsável dos recursos naturais e melhores práticas de gestão ambiental.
A ausência de indústrias e o subaproveitamento dos recursos geram conflitos sociais e perenizam a miséria nas comunidades locais – estimulam a exploração predatória dos recursos e não permitem qualquer benefício direto para a população.
Programas “poéticos” de “extrativismo, emprego e renda”… sempre determinaram a perpetuação da política do coronelismo, de dependência de auxílios financeiros públicos, enviesados, que geram deseconomia, desemprego e… (pouca) renda.
Conclusão
Em suma, a falta de uma nova siderurgia local e uma industrialização efetiva no Norte do Brasil, e o não aproveitamento do potencial hidrelétrico amazônico, constituem, sem dúvida, lacunas que comprometem a nossa soberania e a capacidade do Brasil se posicionar como um líder na produção de aço e outros produtos metalúrgicos, em um cenário global sob mutação.
A adoção de uma abordagem geoestratégica que priorize a transformação local e o uso sustentável das fontes energéticas ali disponíveis, poderá não apenas impulsionar a economia, mas também fortalecer a integração social e conferir racionalidade ao planejamento ambiental.
Acorda, Brasil!
Notas:
* Chemical Analyst: “China Unveils New Iron-Making Technology: A 3,600 Speed Bost, in https://www.chemanalyst.com/NewsAndDeals/NewsDetails/china-unveils-new-iron-making-technology-a-3600-fold-speed-boost-32016
Leia também:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro , “O RISCO GEOPOLÍTICO NOS ACORDOS DO BRASIL COM A CHINA”, in Blog “The Eagle View”, https://www.theeagleview.com.br/2024/11/o-risco-geopolitico-nos-acordos-do.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro , “O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA CHINA”, in Blog “The Eagle View”, https://www.theeagleview.com.br/2020/03/o-contexto-da-china-para-alem-da.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro , “RECURSOS MINERAIS NA AMAZÔNIA, RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA E CONFLITOS AMBIENTAIS”, in Blog “The Eagle View”, https://www.theeagleview.com.br/2013/02/importancia-estrategica-do-aco.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor estratégico e ambiental. Fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é Diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, membro do IBRACHINA Smart City Council e Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX. Pinheiro Pedro preside a tradicional Associação Universidade da Água – UNIÁGUA, e é Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Como jornalista é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 12/12/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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