Por Alexandre Machado *
Diante da urgente necessidade em resolver as ineficiências e falhas da cadeia global de suprimentos expostas pela covid-19, diversas entidades internacionais (públicas e privadas) vem buscando uma melhor solução para a digitalização dos processos que envolvam o comércio internacional, sempre em prol da melhor eficiência e a sua não interoperabilidade. Nesse sentido, nos últimos meses, a Digital Container Shipping Association (DCSA) e a International Port Community Systems Association’s (IPCSA) intensificaram seus trabalhos sobre Conhecimento de Embarque Eletrônico (Electronic Bill of Lading – eB/L) – a primeira observando as questões de padronização e a segunda, segurança cibernética entre outros. E ambas concordam com o do Blockchain para uma maior segurança.
O Bill of Lading (B/L), também chamado de Conhecimento de Embarque ou de Transporte Marítimo, é um dos documentos mais importantes do comércio internacional de mercadorias (remessa e frete). Funciona como prova do contrato de transporte, comprovante de embarque e título de crédito.
Trata-se de um documento jurídico crítico para o shipper, o consignee e para o freight forwarder. Tradicionalmente, é emitido como um documento em papel físico, em três vias originais. Dependendo de como será emitido, existem várias combinações e permutas possíveis em termos de quem deve endossá-lo para liberação de carga e pagamento.
Devido à sua importância, o B/L original é frequentemente transferido usando o modelo de entrega garantida. No entanto, esse modelo apresenta limitações de custo. Vale lembrar que esse tramite de entrega é por vezes demorado, levando cerca de cinco a dez dias (média), o que acaba elevando o manuseio, podendo este ser perdido, roubado ou modificado (fraudado).
Além disso, a reemissão ou verificação do B/L também pode ser cara e demorada. Como consequência, as mercadorias podem ficar retidas no porto, gerando multas e aumentando o risco de danos, que por sua vez elevará os custos finais da mercadoria.
Dessa forma, surge o Conhecimento de Embarque Eletrônico (eB/L). Trata-se de um modelo digital, porém não é a mesma coisa que um B/L Original. Embora a transmissão de uma cópia em PDF por e-mail seja rápida e barata, ela não é segura e, mais importante, não garante que haja apenas um único titular do documento. A mesma imagem em PDF pode ser enviada para várias partes, e todas elas podem reivindicar direitos sobre as mercadorias transportadas.
Nesse sentido, é certo afirmar que o setor privado busca efetivar o modelo eletrônico. Mas quanto ao setor governamental e o sistema legal brasileiro, estariam estes preparados? A resposta é não! O sistema governamental brasileiro em relação à tecnologia vem fazendo um bom trabalho. A Secretaria Especial da Receita Federal, através do Serpro, está no caminho certo, porém, deve ser concretizado bem mais lentamente que o setor privado, tendo em vista não só as incertezas do próprio sistema Blockchain (que dará segurança ao documento), como um ambiente regulatório ainda não satisfatório, o que pode gerar grande insegurança jurídica a todos os envolvidos.
O que sabemos é que a Receita Federal Brasileira vem gradativamente se alinhando com a Organização Mundial das Aduanas, que por sua vez alinha-se às iniciativas prevista no Acordo de Facilitação de Comércio e da Organização Mundial de Comércio (OMC), do qual o Brasil é signatário. Isso ficou claro com a apresentação do Time Release Study – Brazil na última semana. Dessa forma, do ponto de vista da autoridade aduaneira, observa-se um foco constante em encontrar tecnologias inovadoras e novos métodos e técnicas para se tornar mais eficaz na avaliação de riscos e na inspeção das mercadorias que circulam através de suas fronteiras – ao mesmo tempo que deve examinar as consequências que essas mudanças terão no comércio, evitando a criação de ônus e obstáculos adicionais para as entidades envolvidas no intercâmbio.
A adoção de tecnologia flexível é essencial para transformações estratégicas significativas, porem sempre mais demoradas. Os maiores desafios para implantação do eB/L e por sua vez do Blockchain serão, sem dúvida, além de um respaldo legal robusto, a capacidade de interoperabilidade por parte de todos os agentes, e que provavelmente só será obtida pela criação de uma governança centralizada, uma padronização cooperativa entre diversas iniciativas e os diversos governos, a qual será responsável por criar políticas e padrões que ajudem a alcançar a interoperabilidade. O eBL é uma realidade, porém, existe ainda uma necessidade que vai além da padronização. É necessária uma resposta legal urgente aos infortúnios que se sucederam, igual aos já vistos nos modelos de documentos físicos atuais.
Matéria originalmente publicada em Jornal A Tribuna – Santos – https://www.atribuna.com.br
*Alexandre Machado é Doutor em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, possui Especialização em Direito do Petróleo e Gás e Didática do Ensino Superior, professor de Terminais Offshore, Transporte Marítimo e Comércio Exterior e Logística na Faculdade Estadual de Tecnologia da Baixada Santista (FATEC Rubens Lara/SP).
Fonte: o próprio autor
Publicação Ambiente Legal, 22/07/2020
Edição: Ana A. Alencar