Documento da Direção Nacional do PT (Partido dos Trabalhadores) embota, confunde, preocupa e atemoriza…
Por Edna Uip*
“A menina disse outras coisas, que era uma das únicas com alguma chance, estava conosco porque se percebera capaz de um desenvolvimento intelectual diferente do da sua família, empenhara-se nos estudos e através deles obtivera códigos de linguagem melhores que lhe deram oportunidades de entendimento e racionalização. A partir daí dedicara-se a valorizar a cultura do nosso país e isso ajudou a integrá-la ao todo e não aceitar-se pelas bordas.
Ficamos impressionados, muito. Foi necessária alguma concentração para assimilarmos o discurso da Amanda. Demorou para o André continuar:
– Então, Amanda, pra você também educação?
– Não qualquer educação. Educação pra cidadania, pra ajudar a melhorar a vida do povo, direitos e deveres, conhecimento e educação, nada do que aprendemos na escola, tudo preso aos PCNs, Enem, Vestibulares.
– Sim, uma educação igual pra todos.
– Além de acabar com o currículo oculto. – Mandou o Eric.
– Pqp, explica.
– Ficar passando por baixo do que ensinam o que interessa pra manter as coisas como estão: disciplina, hierarquia, aceitação da autoridade.
Todos fizemos caras de inteligentes, tentamos passar a impressão de entender o que o Eric falava. Ele continuou:
– Criaríamos um programa sobre educação pra cidadania: direitos humanos, meio ambiente…
Dei risada do Eric:
– Tudo isso é chavão.
– Depende da forma. Deve atingir as pessoas, fazê-las sentirem-se responsáveis.”
Este trecho do meu livro a ser lançado no próximo ano “Os Meninos” – narrado em primeira pessoa no futuro – reproduz conversa entre cinco adolescentes envolvidos na elaboração de um trabalho de geografia. Suas pesquisas e constatações são choques nas crenças ainda pouco formadas. Eles decidem que o ponto de partida deve ser a educação. Sabem que estão caindo em lugar comum, mas mesmo assim acreditam não ser o tema tratado de forma ideal. A questão do currículo oculto surge e desperta para os conceitos inseridos em sua formação, não de forma explícita mas dentro de contextos e conteúdos, e como os coloca a serviço de projetos de poder.
“O Eric deu mais uma aula. Disse que tudo na educação daqueles tempos se resumia ao preparo para o emprego e o trabalho, treinava para determinadas funções e selecionava pelo grau de competência. Visava algo fora do indivíduo e prestava-se a ideologia vigente: capitalismo, socialismo, liberalismo ou qualquer outra. Transmitia os mesmos valores dos antepassados evitando a renovação de ideias, ou prestava-se a atender aos interesses de quem se propusesse a perpetuar-se no poder. Eric não achava que este era o papel do nosso Trabalho; uma educação continuada e crítica seriam a base para o desenvolvimento de habilidades especiais e individuais. A partir dai grandes chances de construção de uma nova sociedade.
– O que se diz é que o que liga os seres humanos é o trabalho, que é ele quem dá inclusão na sociedade, dá a oportunidade de participar da organização social.
– A formiguinha deve pensar exatamente assim quando carrega uma folhinha na fila de formiguinhas carregando montes de folhinhas. – Eu ironizei.”
Neste trecho os meninos descobrem para onde são conduzidos, o que sua formação proporcionará para os poderes instalados. Ou seja, seguiam um script lógico: educação ideal para um papel ideal.
Anthony Giddens (Sociologia, 6ª. edição, pg. 592) trata do currículo oculto, baseando-se em diversos outros teóricos do tema:
“O currículo envolve uma mistura bastante aleatória de informações sobre uma variedade de temas, que gera confusão em vez de conhecimento e entendimento genuínos. As escolas ensinam as crianças a aceitar o status quo, a conhecer seu lugar dentro da hierarquia de classe e a prestar deferência aos seus superiores.”.
A conclusão dos garotos me parece perfeita: o condicionamento escolar destina-se a submissão a interesses não acessíveis a mente consciente; impossíveis, portanto, de contestar. A consequência é o caminho crédulo do cumprimento da função social, a felicidade na subserviência à programação, o conforto em sentir-se incluído.
Bem, meu livro é um livro já pronto, já passou por leitura crítica, já foi encaminhado a editoras. Quando o escrevi não imaginava que fosse me deparar com um projeto que previsse este condicionamento de forma tão escancarada, a materialização do fim das opções, o embotamento cerebral, o individuo utilizado como meio de fins que não conhece.
Ontem me deparei com as “Resoluções Políticas” elaboradas nesta segunda feira pela direção nacional do PT. O documento é trágico. Pouca diferença se de esquerda ou de direita; uma vertente fascista, o ideal totalitário explícito como se oposição não considerasse ter. Destaco o item que trata da educação:
“g) ampliar a importância e os recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;”
O que seria isto se não o currículo oculto? Por que estaria inserido em Resoluções Políticas de um governo cujo partido está em seu quarto mandato consecutivo? Qual o projeto de poder que se esconde por trás deste item e de todos os outros de um documento que fala de hegemonia? O que há de mais radical do que uma hegemonia oriunda do condicionamento compulsório das massas estudantis?
Estas Resoluções, para mim, não são o preparo de um golpe, são o golpe em si. Quando a página do partido no Facebook ostenta em sua capa “MILITÂNCIA, ÀS ARMAS!”, mesmo que no corpo do texto a que remete esteja dito que as armas são argumentos, a mensagem que fica é outra, tão ou mais poderosa do que uma subliminar.
Medo, muito medo. Polarização e endurecimento geram o mesmo peso do outro lado da balança. Ontem, no “Entre Aspas” da Globonews, o professor de ética da Unicamp declarou existirem cem mil neonazistas no Rio Grande do Sul. Em São Paulo centenas de milhares de indivíduos pedem, nas redes sociais, intervenção militar, escrevem longos posts explicando porque intervenção é diferente de ditadura e, a seguir, pedem apoio para este ou aquele General.
Tudo muito perigoso. O projeto de poder, é isto que deve ser visto, avaliado, temido. O projeto de poder do PT que, como o currículo oculto das escolas está se inserindo no nosso cotidiano e no nosso ideário, levando para o rumo de quem o elaborou e que faz acordos com quem o fortalecerá em bloco, está fomentando a polarização. Isto poderá crescer, recrudescer. Nesse momento não haverá quem a controle.
*Edna Uip, advogada formada pela USP e empresária, está habituada a ver o mundo pelos olhos da razão, sem no entanto, deixar de cultivar atenta observação do comportamento humano e suas emoções. Autora do romance Espelhos Quebrados (Sá Editora, 2010), é escritora, ensaísta e poeta. Colaboradora do Portal Ambiente Legal, publica regularmente na Seção Ambiente Livre.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 10/03/2021, 2014
Edição: Ana A. Alencar
As publicações não expressam necesssariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.
Considero estas “considerações” absurdas! Uma tentativa de desqualificar os reais interesses do PT / Governo Federal, que são o crescimento social do povo brasileiro, buscando num futuro, provavelmente não tão próximo a sonhada CIDADANIA PLENA para maioria absoluta de nossos cidadãos. Quanto ao tal “PROJETO DE PODER”, TEM QUE EXISTIR por parte de qualquer partido ou grupo de partidos! É a razão de sua existência: buscar o poder para poder implementar os projetos nos quais acreditam. Ou vai a articulista defender que os hoje DA OPOSIÇÃO não tinham um projeto de poder para mantê-los no governo? Perderam o poder e hoje NÃO TEM MAIS UM PROJETO DE PODER para leva-los de volta ao governo? Não sejamos tão amadores……
Adilson,
O artigo foca sua crítica no documento divulgado pelo próprio Partido dos Trabalhadores.
Como qualquer manifestação pública, o manifesto da direção partidária está também sujeito a críticas.
Excelente análise do modus operandi de dominação das massas orquestrado pelo PT. É monstruoso utilizar a educação para limitar as mentes ao invés de iluminá-las. Deus nos ajude a impedir que isso aconteça.
Parabéns Edna, excelente. Colocou o dedo na ferida do petismo. A busca da hegemonia a qualquer custo. A narrativa marxista dominando as ciências humanas nas escolas.
BRAVO. TIRO CERTEIRO COM A ARMA DA PALAVRA E LIBERDADE DE EXPESSÃO QUE JÁ ESTAMOS PERDENDO!