Por Fernando Pinheiro Pedro*
Deu na Folha de São Paulo, em 23/07/2013:
“O Tribunal de Justiça de São Paulo pagou R$ 191 milhões em indenizações por férias não gozadas e outras verbas trabalhistas atrasadas aos juízes estaduais paulistas no primeiro semestre de 2013.
Essa foi a principal despesa incluída na lista das chamadas “vantagens eventuais” quitadas pelo tribunal paulista nos seis primeiros meses deste ano.
Ontem o jornal “O Estado de S. Paulo” informou que a corte pagou R$ 213 milhões sob essa rubrica aos juízes no período anterior, o que permitiu, em média, que eles recebessem quase o valor de um salário líquido a mais por mês.
A folha de “vantagens eventuais” do TJ no semestre ainda indicou uma despesa de R$ 14,3 milhões para a quitação de antecipações de 13º salário dos magistrados.
O valor de R$ 3,2 milhões foi gasto para pagar o abono constitucional de férias dos juízes estaduais.
A quitação de verbas trabalhistas atrasadas foi turbinada na gestão do presidente Ivan Sartori, que dirige o TJ desde o começo de 2012.
Sartori tem aproveitado o aumento de caixa do Fundo de Despesa Especial do TJ nos últimos anos para quitar os débitos trabalhistas.
O fundo foi criado em 1994 para financiar a modernização administrativa, a aquisição de equipamentos e o aperfeiçoamento dos juízes e servidores do TJ.
Porém, uma lei estadual de 2006 passou a permitir que o dinheiro do fundo seja usado para pagar verbas trabalhistas atrasadas.
Em janeiro deste ano, outra lei ampliou as possibilidades de destinação do fundo, ao autorizar o uso dos recursos para quitar despesas com auxílio-alimentação, auxílio-creche e auxílio-funeral.
A maior parte da receita do fundo resulta de um acordo feito com o Banco do Brasil. A instituição financeira concentra todas as contas ligadas aos processos judiciais em andamento no tribunal, os chamados depósitos judiciais, e, em contrapartida, paga uma comissão à corte.
A renegociação desse acordo em 2010 fez com que a arrecadação do fundo saltasse de R$ 473 milhões em 2009 para R$ 1,5 bilhão em 2012. Também vão para o fundo valores arrecadados com taxas judiciárias, certidões e parte das taxas de cartórios de notas e registros.
Em nota, a assessoria do TJ de São Paulo afirmou que os totais dos valores pagos a título de débitos trabalhistas são elevados porque “os atrasados indiscutivelmente devidos a servidores e magistrados ficaram represados durante anos” e “a não satisfação de direitos trabalhistas devidos a trabalhador com muito tempo de casa só pode gerar crédito significativo”.
De acordo com a assessoria, os pagamentos foram feitos “de acordo com orientação do Conselho Nacional de Justiça, observados o decidido e praticado pelo Supremo Tribunal Federal e tribunais superiores”. ”
Com efeito, estamos da curiosa situação em que um FUNDO destinado a costurar um SACO SEM FUNDO, acaba se esvaindo pelos fundos do próprio saco…
O Fundo de Despesa Especial do Tribunal de Justiça, foi criado em 1994 com a finalidade de modernizar a administração, adquirir equipamentos e propiciar a capacitação de juízes e servidores do judiciário.
Esse fundo, agora, está sendo usado para quitar verbas funcionais devidas aos juízes.
Uma lei estadual de 2006 e outra de janeiro de 2013, permitiram que o dinheiro do fundo pudesse ser usado para pagar verbas funcionais atrasadas.
Trata-se de uma autorização para excepcionalidades que não poderia virar regra.
Decididamente, o procedimento, aparentemente legal, não é correto e não é aceitável, seja no campo da moralidade, seja no campo da funcionalidade administrativa, ainda mais face à situação atual pela qual passa o País.
A atitude do TJ é inoportuna e revela alienação social absoluta. Revela mais: inchaço de uma máquina administrativa pouco eficiente, cara e que não atende à enorme demanda por tutela judicial para à qual deveria servir.
Nem é o caso de questionar o que é devido ou não. O caso grave é o uso de uma verba que deveria servir para a melhoria de um serviço público, ser destinada a tapar buracos na folha de pagamento do corpo funcional desse serviço.
O desvio de finalidade é patente e a lei de 2006, bem como a mais recente, permitindo esse desvio, deveriam de há muito terem sofrido questionamento pelo Ministério Público, OAB e CNJ.
O dinheiro do Fundo deveria ser empregado na modernização dos fóruns, na informatização do judiciário e no aparelhamento do serviço. No entanto, está sendo usado para pagar proventos e adicionais atrasados dos juízes…
Pergunto: de onde, então, sairá a verba para o investimento na informatização, para a agilização e racionalização dos processos?
Depois, somos todos obrigados a ler declarações pomposas culpando advogados, promotores, cidadãos chegados a um contencioso, pela lentidão na solução dos processos.
A Folha de São Paulo, no entanto, informa com todas as letras a razão da falta de investimento num serviço tão essencial quanto o transporte público e a saúde: a “opção” administrativa do judiciário paulista em usar a verba que deveria ser destinada à atividade-fim, para custear a atividade meio (o seu pessoal).
Ficou claro que o Judiciário paulista não investe na melhoria dos seus serviços porque não quer. Porque não consegue pagar seus magistrados sem sacrificar o fundo destinado à sua própria modernização.
Justiça tardia, falha e cara…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.