Espalhados por todo o planeta, os refugiados ambientais ou “desplazados” estão na casa dos 25 milhões. Sobreviventes de catástrofes naturais ou de desastres provocados pela ação do homem, essas vítimas não contam com proteção legal específica.
Por Marici Capitelli
Eles não fazem parte das estatísticas oficiais. São apenas estimativas – que podem ser modestas. Hoje, ao redor do mundo, existiriam cerca de 25 milhões de refugiados ambientais. São pessoas que tiveram de abandonar suas casas, em estado de choque e na maioria das vezes só com a roupa do corpo, para fugir de catástrofes naturais ou de desastres provocados pela degradação do meio ambiente pelo homem.
Um estudo da Universidade das Nações Unidas, com sede em Bonn, diz, sem rodeios, que nas várias regiões do planeta já existem tantos refugiados ambientais quanto pessoas que são forçadas a deixar suas casas por causa de distúrbios políticos ou sociais. Estima que, dentro de cinco anos, nada menos que 50 milhões de pessoas vão ganhar o status de refugiado ambiental, número equivalente às populações da Itália ou da Ucrânia.
Um outro trabalho apresentado durante conferência científica em Exeter (Reino Unido), afirma que o aquecimento da Terra pode provocar o deslocamento de 150 milhões de pessoas ainda em meados deste século.
Com sede na Holanda, o Instituto Lieser trabalha especificamente com refugiados ambientais. A grande bandeira da entidade é, justamente, encontrar uma legislação que os ampare. De acordo com o instituto, o próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) tem uma definição para refugiados ambientais: “são pessoas que foram obrigadas a abandonar, temporariamente ou definitivamente, a zona tradicional onde vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo”.
O problema é que existe, desde 1951, uma convenção da ONU para refugiados, na qual se define que esse tipo de vítima teme “ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” e que, necessariamente, se encontra fora do país de sua nacionalidade.
Na prática, catástrofes naturais como o furacão Katrina, a seca no Nordeste brasileiro ou o desalojamento dos atingidos por barragens mostram que as vítimas abandonam suas casas, sim, mas permanecem no país onde vivem.
Legislação específica – Janos Bogardi, chefe do Instituto para Segurança Humana e Ambiental da Universidade da ONU, diz que o tema faz soar um alarme político e científico. Na verdade, o estudo da instituição espera que a comunidade internacional defenda direitos para os refugiados ambientais a exemplo dos que são assegurados aos refugiados por perseguições políticas e religiosas ou por grave violação dos direitos humanos.
De acordo com os órgãos que atendem refugiados em todo o Brasil, o país não tem tradição de receber vítimas de catástrofes.
“Com o crescimento dos problemas ambientais, é fundamental que tenhamos um novo olhar para essa realidade. Essas vítimas também precisam de amparo”, afirma Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, uma das maiores especialistas em refugiados no país.
Segundo ela, o que a legislação internacional aponta são os “desplazados”, palavra sem tradução em português. São pessoas que deixam suas regiões por problemas ambientais. Entretanto, permanecem no país de origem.
Bogardi complementa que as vítimas dessas ocorrências são tratadas pelos governos como migrantes e não refugiados ambientais.
O advogado Manuel Fernandes, do Centro de Defesa de Direitos Humanos dos Refugiados (Cedhur), que articula políticas públicas para essas vítimas, afirma que os refugiados ambientais precisam entrar na pauta das discussões internacionais e também no debate nacional.
Brasileiros “desplazados” – Atualmente vivem no Brasil cerca de 4 mil refugiados. Os especialistas garantem que não existem casos de pessoas que chegaram aqui por conta de problemas ambientais. Entretanto, temos nossas próprias vítimas do descaso com a natureza. No exterior, seriam classificadas como “desplazados”, mas aqui recebem outros nomes: retirantes, migrantes, despejados. Nenhum desses grupos conta com legislação específica para protegê-los.
Estima-se que há um milhão de brasileiros que tiveram de deixar suas casas por causa da construção, nos últimos 20 anos, de duas mil barragens. “É traumatizante. Você perde suas origens, suas raízes e é desvinculado de sua comunidade. Tem de abandonar o lugar onde planejava viver o resto de sua vida e ser enterrado”, conta Hélio Mecca, um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Sua família enfrentou, por duas vezes, essa dura experiência. Na última mudança, encontraram uma nova vida a 350 quilômetros de distância.
O movimento tem feito articulações para conseguir uma legislação específica para essas populações. “Não existem leis que nos protejam. Ficamos à mercê das negociações locais”, afirma Meca.
Morte anunciada – Gilbaués, localizada a 900 quilômetros de Teresina, no Piauí, é a cidade que possui a maior área desertificada contínua do país. Crateras e terra vermelha compõem um quadro desolador.
“Não sabemos se vamos desaparecer em 10 anos, como nos dizem. Estamos tentando descobrir o que pode ser feito”, afirma a professora Ivete Gomes da Silva, que junto com outros moradores e estudiosos fundaram a SOS Gilbaués, entidade para discutir o problema.
Pessoalmente, Ivete não acredita que todos os moradores se tornarão refugiados ambientais. “Mas não dá para negar que o problema é visível”, comenta a professora.
A cidade chegou a esse estágio de degradação por causa da mineração desenfreada de diamantes entre as décadas de 1940 e 60. A extração insustentável, somada a outras intervenções do homem na natureza e um clima diferenciado resultaram no atual cenário.
E o problema não é só em Gilbaués. Estimativas oficiais apontam que são 180 mil quilômetros quadrados de desertificação no semi-árido nordestino, ou cerca de 1,5 mil municípios distribuídos em 11 estados. O número de afetados na região é de 30 milhões de pessoas.
Quando o design faz a diferença
Este ano, uma ideia original de um designer brasileiro foi uma das estrelas da Feira de Móveis de Milão. Pensando em oferecer um pouco de conforto e beleza em meio ao caos vivido pelas vítimas de tragédias ambientais, quase sempre levadas para abrigos precários, foi que Ivo Pons idealizou o Mobiliário Temporário para Desabrigados. Feitas de papelão, as camas, mesas, sofás, berços, estantes e outras peças são funcionais, resistentes e de fácil transporte.
“Nosso objetivo é criar uma patente aberta para que os produtos possam ser fabricados mundialmente em casos de necessidade extrema”, informa Pons, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo.
Os móveis foram pensados inicialmente para os desabrigados das enchentes da capital paulista durante o verão. “Mas as peças servem para qualquer tipo de desabrigado. E o mais importante é que quando as pessoas deixam os abrigos, elas podem levá-las para suas casas e ficar com elas até reconstruir suas vidas”, observa o professor.
Os móveis duram seis meses. Uma característica é que os espaços são aproveitados ao máximo. A cama tem amplas gavetas e tem a vantagem de poder ser enrolada para facilitar seu transporte.
O Mobiliário Temporário para Desabrigados nasceu de uma parceria entre os estudantes de Desenho Industrial e de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie e profissionais do setor. Atualmente, os móveis estão passando pelos últimos testes para certificação do produto. A proposta é produzi-los a partir de parcerias com prefeituras e empresas. (MC)
O problema em outras partes do mundo
O ministro chinês do Meio Ambiente, Pan Yue, admitiu recentemente que 22 províncias estão com suas capacidades esgotadas em recursos naturais e que será necessário transferir seus cerca de 186 milhões de moradores – o equivalente à população do Brasil. Situação grave também é vivida por 11 mil moradores das nove ilhas de Tuvalu, pequeno país localizado no centro da Oceania, no Oceano Pacífico.
Com uma área de 24 quilômetros, a região corre o risco de, literalmente, sumir do mapa. Os estudiosos indicam que o oceano subiu cerca de 30 centímetros no século passado. Em 2100, a elevação deve atingir um metro e inundar a região. A causa seria o derretimento das geleiras da Terra.
O governo de Tuvalu fez um apelo à Nova Zelândia para que receba seu povo quando o inevitável estiver para acontecer.
Pensador contemporâneo, o americano Lester Brown, denunciou o problema das Ilhas Maldivas. Com 1.200 pequenas ilhas, onde vivem pelo menos 310 mil habitantes, o local parece condenado.
Brown alertou que o aumento de 1 metro no nível do mar devastaria a economia da região, tornando a vida inviável. Vale lembrar que, hoje, 100 milhões de pessoas vivem em regiões abaixo do nível do mar e correm o mesmo risco.
Outras populações ameaçadas estão, por exemplo, na África, Bangladesh, Caribe, Índia, Indonésia, México, Tailândia e Vietnã. Isso sem falar das vítimas da exploração de carvão na Grécia, onde vilarejos inteiros já foram removidos. E, para não cair no esquecimento, há 20 anos 100 mil pessoas tiveram de deixar suas casas por causa do maior acidente nuclear de todos os tempos. Foi a explosão do reator 4 da usina de Chernobyl, na Ucrânia. Uma área de 145 mil quilômetros quadrados foi atingida.
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